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Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo.
Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo/Arquivo.| Foto:

“REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO”, anunciou Eduardo Bolsonaro no Twitter, em letras garrafais, comentando a dispensa de centenas de servidores comissionados. Boa parte das demissões se deve à criação do superministério de Paulo Guedes, que economizou R$ 30 milhões anuais com a medida – ou 0,002% da despesa primária federal projetada para 2019, mais ou menos 1 de cada 48 mil reais gastos pelo governo. É como se Jojo Toddynho publicasse uma foto ao lado de 47 quilos e 999 gramas de torresmo com doce de leite, mais uma folha de alface, e escrevesse a seguinte legenda: “REDUÇÃO DA INGESTÃO CALÓRICA: substituí 1 grama por alface”.

É muito saudável que se reduza a folha de cargos comissionados do Estado brasileiro. Tão saudável quanto a troca de torresmo com doce de leite por alface na dieta de um obeso. Mas é preciso colocar os atos em sua devida proporção.

O Estado brasileiro é grande demais. Nossa esquerda costuma negar esse fato apontando para o tamanho do Estado sueco ou dinamarquês, maiores que o nosso. Bobagem. Exceção feita a meia dúzia de nações ricas, europeias e com população velha (e, portanto, maior demanda por previdência e saúde públicas), o Estado brasileiro está entre os maiores do mundo.

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O índice de massa muscular do neto precisa de ressalvas antes de ser comparado com o do avô. O mesmo vale para os paralelos entre o Estado brasileiro e o norueguês. Mesmo numa comparação com países ricos e não tão idosos quanto os europeus, casos de Estados Unidos e Coreia do Sul, nosso Estado é maior.

Ainda mais grave é a tendência de expansão contínua do nosso Estado, em todas as suas esferas. Nos 20 anos entre 1997 e 2016, a despesa primária federal cresceu de 14% para 20% do PIB. Crescer como proporção do PIB é mais do que apenas crescer: é crescer como proporção do seu bolso. E isso apenas levando em conta a esfera federal.

Em outras palavras, o Estado brasileiro não é apenas obeso, mas está comendo bastante torresmo com doce de leite. Não dá para mudar a dieta sem profundas alterações constitucionais. Quem defende uma expressiva redução no tamanho do Estado, como eu e muitos leitores da Gazeta, precisa refletir sobre dois desafios: o tamanho e o crescimento descontrolado do Estado. Este último é o desafio do momento, que será enfrentado por Bolsonaro nos próximos quatro anos.

O debate sobre o crescimento tem dominado o noticiário dos últimos anos. Na expansão descontrolada do Estado está a raiz do baixo crescimento que nos aflige desde o fim dos anos 70. A renda nacional até cresceu bem em anos isolados – 7,5% em 2010, por exemplo. Mas o desempenho de longo prazo da economia brasileira está muito abaixo do que alcançamos historicamente. E, principalmente, está muito abaixo do que desejamos para o nosso país.

A explicação não está só no aumento descontrolado do Estado, mas em quais gastos aumentaram. Se os investimentos públicos eram protagonistas no período que vai de Getúlio a Geisel, a Nova República preferiu construir cada vez menos infraestrutura para bancar um dos sistemas previdenciários mais generosos do mundo.

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Reverter a tendência de crescimento exige, principalmente, uma medida: reforma do Regime Geral de Previdência Social – isto é, a Previdência do setor privado, do INSS, responsável por mais de metade do crescimento dos gastos federais nas últimas décadas. Resolver de fato a explosão dos gastos exige uma mudança completa do regime previdenciário, preferencialmente em direção a um sistema de contas individuais.

Uma reforma com esse objetivo precisa ser bem mais profunda do que a comentada pelo presidente em entrevista ao SBT. A transição deve durar décadas para se completar, por isso é Bolsonaro quem deve tomar a iniciativa. Quem prometeu mudança precisa entregar mudança de verdade, sem moderar a ambição.

Para estados e municípios, e também para que os políticos tenham um mínimo de vergonha na cara ao exigir sacrifícios ao resto da população, a previdência do setor público importa muito. Mas o nó a ser desatado, a tendência de crescimento explosivo dos gastos federais, está no INSS. Outros benefícios de menor impacto, como LOAS/RMV, abono e seguro-desemprego, também precisam de reformas.

É difícil apontar um lado bom no descontrole da Previdência brasileira. Se há, é a possibilidade de resolver o problema dos gastos crescentes sem tantos efeitos colaterais na desigualdade, crescimento e combate à pobreza. Felizmente, o problema não está no Bolsa Família ou nas obras de infraestrutura.

O desafio realmente complicado é posterior: depois de revertida a tendência, precisamos reduzir estruturalmente o Estado para que não fiquemos mais entre os maiores. Aí já é necessária uma profunda discussão sobre a organização do Estado brasileiro.

A estabilidade de diversas carreiras, direitos de servidores, as regras profundas da federação, a Zona Franca de Manaus, regimes tributários diferenciados como o Simples e diversos benefícios constitucionais que atendem a milhões de brasileiros precisam de uma rediscussão profunda. Eis um trabalho que dura décadas e exige uma mudança cultural na relação do brasileiro com o Estado.

Essa redução, é claro, precisa levar em conta o impacto dos gastos na pobreza, crescimento e desigualdade. Não faz sentido priorizar cortes em educação primária no Nordeste. Bolsonaro não conseguirá reduzir o Estado brasileiro durante um mandato, pois precisa lidar com o problema iminente dos gastos crescentes. Mas já dará um belo passo se implementar uma rigorosa avaliação de impacto em cada centavo que sai do Tesouro. Isso ele pode fazer em um mandato.

Também é possível reduzir o peso não orçamentário do Estado: o tempo que passamos em filas de cartório, navegando na burocracia ou numa legislação tributária incompreensível. Felizmente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e seu time prometem atacar o problema.

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Até lá, ilusões só atrapalham. Há toda uma pauta legítima de redução dos privilégios, mamatas e cabides de emprego, mas ela não se relaciona diretamente com a redução do tamanho do Estado, pois é insuficiente. É outro debate. A diferença é que, enquanto o corte de privilégios deveria ser encarado como suprapartidário, a redução do Estado é cara especialmente a liberais e conservadores. Lutemos em ambas as frentes.

Os políticos que representam liberais ou conservadores, como Eduardo Bolsonaro, tem incentivos para fingir que o combate será mais fácil e rápido do que parece. Eles querem mostrar serviço. Precisamos mostrar que estamos interessados mesmo é no resultado final, numa redução verdadeira da máquina pública. Não adianta cortar uma grama de torresmo com doce de leite. Será difícil, mas é a única opção restante a quem se guia por valores maiores do que pessoas e partidos.

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