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Bombeiros resgatam corpo de vítimas da tragédia causada pelo rompimento de uma barragem em Brumadinho (MG). Foto: Douglas Magno/AFP
Bombeiros resgatam corpo de vítimas da tragédia causada pelo rompimento de uma barragem em Brumadinho (MG). Foto: Douglas Magno/AFP| Foto:

“Este crime não é só da Vale”, escreveu Eliane Brum, colunista do El País e mui influente entre a esquerda brasileira. A culpa também seria de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles e dos que combatem a burocracia.

Segundo o Movimento Xingu Vivo, em texto endossado por Eliane, também há culpa em “cada analista, economista, investidor, entusiasta da mineração que falou em desenvolvimento” e em “cada um deles que fala em PIB”. Este último grupo inclui qualquer pessoa que leva a sério o combate à pobreza.

Se eu fosse culpado por um crime ambiental, subornaria Eliane Brum para que ela cometesse textos como os que escreve de graça em suas redes sociais. A responsabilidade de indivíduos, dos dirigentes da Vale, políticos, burocratas e imperitos que atestaram a segurança da barragem é diluída por todo um “sistema” sem rosto ou CNPJ, entidade que não pode responder a processos judiciais. Quando a culpa é de todos, não é de ninguém.

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Eliane, por sinal, é daquelas jornalistas que jamais se descreveria como petista. Mas nomina o presidente e seu ministro do Meio Ambiente entre os culpados, ignorando Fernando Pimentel, Dilma Rousseff e outros políticos cuja culpa é mais concreta do que a de quem assumiu o mandato há menos de 30 dias.

Bom seria se fosse um caso isolado, mas não é. Leonardo Sakamoto escreveu em manchete que a reforma trabalhista limita a 50 salários as prováveis indenizações que a Vale pagará. Só no meio do texto informa que trata das indenizações por dano moral, uma das muitas possíveis. A morte de familiares, a diminuição da renda da família atingida, o patrimônio atingido e outros danos causados em Brumadinho não foram limitados pela reforma.

Sakamoto, professor de jornalismo da PUC-SP, tem como fonte principal o presidente da ANAMATRA, associação de magistrados da Justiça do Trabalho, além de advogados trabalhistas que perderam poder e dinheiro após a reforma.

Lindbergh Farias associou FHC e a privatização da Vale em 1997 ao ocorrido em Brumadinho. Caso a Vale continuasse estatal, poderia atuar como a Petrobras: que além de diversos crimes ambientais em seu histórico, servia também como fonte de propinas para as campanhas do partido de Lindbergh, esse guerreiro anti-privatizações.

De Fernando Haddad a Chico Alencar, de Guilherme Boulos a Gleisi Hoffmann, não é curta a lista dos que viram o mar de lama em Brumadinho como oportunidade para surfar.

O objetivo, ao fim das contas, é tratar como assassina toda e qualquer defesa de desburocratização e até da economia de mercado. O bom e velho liberalismo é, repentinamente, tratado como imoral e culpado pelo rompimento da barragem. Uma cortina de lama para que esqueçamos dos políticos nada liberais que governavam Minas Gerais até o mês passado.

Não há nada liberal na defesa de crimes ambientais. Liberalismo não implica em apoio a toda e qualquer atividade empresarial. Liberalismo é defesa da não agressão, é o deixai fazer (“laissez-faire”), desde que os feitos não atinjam os direitos de terceiros.

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Nos casos de Mariana e Brumadinho, não há nada mais liberal do que a punição a quem feriu os direitos à vida e propriedade de indivíduos. Colocar o lucro da Vale acima dos direitos de atingidos e relativizar a culpa da empresa não é atitude de liberal, mas de advogado de defesa das empresas atingidas.

O governador Romeu Zema, expoente de um partido liberal, defende o seguinte em seu programa de governo: “É provável que a Boate Kiss e a Samarco, por exemplo, estavam (sic) legalmente regularizadas no papel, mas a prática mostrou o contrário. Considerando a morosidade do setor público, é mais eficiente inverter a lógica dos licenciamentos, presumindo a priori a inocência por parte do agente econômico. Porém, em contrapartida a esta presunção, serão garantidas severas e implacáveis punições, a posteriori, no caso de irregularidades.”

Zema foi severamente criticado pelas duas primeiras frases. Os mesmos críticos também compartilharam notícias sobre os parcos recursos à disposição do governo de Minas para fiscalizar a mineração. Na época do desastre em Mariana, eram apenas quatro os fiscais responsáveis pelas barragens do estado.

Os bilhões gerados em impostos pelas mineradoras provavelmente bancaram um sistema previdenciário nonsense, ao invés de serem gastos com uma fiscalização de dimensão adequada. É este Estado que deveria fiscalizar tudo minuciosamente? Claramente, o governo de Minas não é capaz de cumprir sua obrigação.

Flexibilização não é incentivo a crimes, mas uma outra abordagem para a punição destes. E Zema foi coerente com seu programa ao pedir um congelamento bilionário de recursos da Vale.

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A última frase do programa de Zema foi ignorada. Se a Vale já tivesse sido adequadamente responsabilizada por Mariana, a própria empresa seria a maior interessada em evitar a repetição do desastre.

A impunidade do caso Mariana não ocorreu por conta do liberalismo, mas pela morosidade e garantismo do sistema judiciário. Ainda hoje, os processos passam longe de transitar em julgado. O TRF-1 atenuou as acusações de homicídio contra executivos da Samarco. O MPF fechou acordos com multas consideravelmente abaixo dos exigidas inicialmente, provavelmente por já esperar que o processo demorasse anos entre instâncias infindáveis.

São estes os verdadeiros inimigos a serem combatidos. A resposta a Brumadinho não deve estar na condenação do liberalismo e da flexibilidade regulatória, mas na defesa de um sistema judicial que puna adequada e rapidamente os crimes cometidos no Brasil.

A morosidade da Justiça não é um inimigo sexy para quem só se excita com batalhas ideológicas. Uma discussão séria sobre o assunto seria inevitavelmente mais chata, atraindo menos holofotes. Para grande parte da esquerda brasileira, foi mais útil subir nos corpos até que lhes servissem de palanque.

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