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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado| Foto:

Confiança é a alma do negócio – de qualquer negócio, até mesmo de um país. Toda transação econômica depende da crença na palavra do outro. Principalmente em sociedades complexas. Se o risco de ser enganado é alto, e não há como se proteger dele, temos menos incentivo para trocas voluntárias, produção de riqueza e investimento de longo prazo.

Douglass North, vencedor do Nobel em 1993 e papa dos estudos econômicos sobre instituições, via a origem destas como fruto da falta de confiança. Leis e sistema judiciário, se funcionais, diminuem a incerteza nas transações. Num país com boa segurança jurídica, trocar e produzir riqueza honestamente é mais vantajoso.

North não é o único. A importância da confiança para a economia de mercado é velha conhecida das ciências sociais. Como escreveu Olavo de Carvalho, no prefácio de um livro sobre o assunto:

“A sociedade de desconfiança é uma sociedade temerosa, ganha-perde: uma sociedade na qual a vida em comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo (“se tu ganhas eu perco”); sociedade propícia à luta de classes, ao mal-viver nacional e internacional, à inveja social, ao fechamento, à agressividade da vigilância mútua. A sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, ganha-ganha (“se tu ganhas, eu ganho”); sociedade de solidariedade, de projeto comum, de abertura, de intercâmbio, de comunicação.”

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Milhares de comerciantes brasileiros vivenciam a importância da confiança numa economia. Os economistas também sabem da importância ainda maior que ela assume para os formuladores de política pública.

Quando um banqueiro central perde credibilidade, os agentes econômicos esperarão uma inflação diferente da meta prometida por ele – essa divergência, por si só, atrapalha ainda mais o controle da inflação. Quando o ministro responsável diz que o déficit fiscal será zerado, sem que isto ocorra, ele traz um problemão para os agentes econômicos que acreditaram na lorota original.

Guido Mantega sabe bem disso. Ainda no fim de 2012, a revista The Economist gerou uma grande polêmica ao afirmar que o Brasil não merecia um ministro com tantas previsões e promessas furadas. A palavra do ministro, naqueles tempos, tinha ainda menos credibilidade do que a da presidente Dilma Rousseff.

Paulo Guedes, crítico de Mantega, repetiu suas práticas. Prometeu que zeraria o déficit público em 2019. Disse isto na campanha e repetiu no início desse ano, em entrevista durante o Fórum Econômico Mundial ao fim de janeiro, gerando euforia nas redes.

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Não está cumprindo. Não vai cumprir. O próprio ministro Guedes confessou nesta segunda-feira (15) que a promessa era furada. A meta fiscal de 2020, recém-proposta pelo Ministério da Economia, prevê um déficit de R$ 124,1 bilhões – cerca de R$ 124,1 bilhões a mais do que o zero prometido.

Desde que se ouviu esse papo de zerar o déficit em 2019 ou 2020, todo analista sério sabia que era lorota. Perdoe-me o leitor pela detestável seção de “eu avisei”, mas de fato publiquei em setembro de 2018 um texto com o seguinte título: “Os presidenciáveis estão otimistas demais (ou mentindo para você)”. Descrevi, então, o irrealismo das promessas de Alckmin, Ciro e Bolsonaro para o déficit público.

No mesmo mês, especificamente sobre Bolsonaro, publiquei outro texto com o seguinte título: “Quem promete ajuste rápido sem aumentar impostos está mentindo”. Inclusive concordo com a decisão de não aumentar impostos, mas já está claro há muito tempo que é impossível zerar o déficit ainda nesta década sem tungar o contribuinte.

A seção de “eu avisei” serve para mostrar que a inviabilidade da promessa era óbvia. Não fui um profeta. Para chegar à conclusão, basta abrir o resultado do Tesouro Nacional e reconhecer quais são as despesas obrigatórias, determinadas por leis ou pela Constituição. Esses gastos, que só podem ser cortados no médio prazo, após aprovação do Congresso, já consomem toda a receita líquida do governo.

Por isso, a esmagadora maioria dos analistas duvidou da promessa de Guedes. Fomos até chamado de petistas por escrever o óbvio. Hoje, três meses no cargo, o ministro deve explicações à sociedade. Como é que todas as metas para zerar o déficit foram jogadas no lixo em tão pouco tempo de governo?

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Vale notar que o PLDO de 2020 foi o primeiro entregue pelo governo Bolsonaro. O orçamento de 2019 ainda foi elaborado pela equipe de Temer, o que servia como desculpa. Ontem, a desculpa acabou.

Será que Guedes, o formulador de política pública mais importante do país, não sabe que a sua credibilidade transformou-se patrimônio nacional? Pois a palavra de Guedes agora afeta o bem-estar do brasileiro, afeta sua renda e emprego, caro leitor. São palavras poderosas como a caneta do ministro. Não podem ser jogadas ao vento. Confiança, em economia, é coisa séria, como bem sabem Olavo, Peyrefitte, North e os economistas que deram aula pra Guedes na Universidade de Chicago.

O leitor mais simpático ao ministro talvez esteja enfurecido com as críticas que aqui escrevo a Paulo Guedes. Mas eu costumo ser dos primeiros na lista de simpáticos ao ministro. Na coluna da semana passada, por exemplo, escrevi que ele representa a verdadeira ala anti-establishment do governo, e está mudando o Brasil para melhor. Na Gazeta ou em outros veículos, elogiei por diversas vezes as boas ideias do ministro.

De todo modo, meus elogios a Paulo Guedes não foram a seus belos olhos. Elogiei o reformista preocupado com a questão fiscal, o liberal desavergonhado, o general que não foge da batalha, que luta contra a desinformação antirreformista com garra e retórica impensável em tecnocratas como Henrique Meirelles.

Em suma, elogio Paulo Guedes porque ele geralmente age como anti-Mantega. Mas, dessa vez, não foi assim. As promessas furadas, e a insistência nelas a despeito da realidade, fazem lembrar o desastrado ministro de Dilma.

A credibilidade da política fiscal deve estar acima de qualquer apego personalista a um ministro. Por isso, os reformistas e liberais devem ser os primeiros a criticar Guedes, usando a mesma justificativa dos elogios anteriores: o Brasil merece seriedade na gestão do seu orçamento.

Paulo Guedes é bem diferente e muito melhor do que Guido Mantega, mas errou, contou lorotas sobre a meta fiscal, justificando a comparação com o petista por um breve momento. O problema é que a postura anti-Mantega do ministro representa nossa única esperança para salvar o Brasil. Em caso de novos lapsos, é melhor já ir calculando os custos de se mudar pro Chile.

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