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Emmanuel Dunand/AFP| Foto:

Eis uma história que provavelmente nunca ocorreu: o passageiro, depois de pagar mais barato por um serviço melhor, se revolta ao saber que a empresa aérea pela qual ele viajará é controlada por estrangeiros e, portanto, cancela a passagem.

Consumidores dificilmente discriminam empresas conforme a nação de origem. Se preço e produto estiverem dentro do esperado, eles aproveitam. O protecionismo essencialmente proíbe o consumidor de fazer uma escolha. A proteção a empresas nacionais é colocada à frente do bem-estar imediato das massas.

Economistas desenvolvimentistas, como o sul-coreano Ha-Joon Chang, argumentam que o protecionismo esteve presente na história de todos os países que entraram no clube dos ricos. A bem da verdade, o protecionismo faz parte da história de quase todos os países. Há exemplos nos EUA de séculos passados e na Coreia do Sul recente, mas também no Brasil de Dilma e Geisel e na fracassada Argentina, nação que alcançou a proeza de se tornar ex-rica ao longo do século XX. Defender uma política selecionando arbitrariamente casos de sucesso não é particularmente honesto.

Em geral, defensores do protecionismo argumentam que nem sempre decisões privadas levam ao melhor resultado para o bem-estar social. Consumir produtos estrangeiros seria análogo a consumir gasolina: pode até fazer sentido para indivíduos, mas a custo de um mal para a sociedade – a poluição, num caso, ou a estagnação de setores da economia, em outros.

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Felizmente, há um consenso entre economistas acadêmicos contra a ideia de que a proteção a empresas nacionais pode aumentar o bem-estar social, apesar desta ideia ainda ser comum em alguns departamentos de economia do país, como na URFJ e na Unicamp.

Como consumidores dificilmente preferem produtores nacionais, e os economistas concordam que os principais argumentos a seu favor são furados, fica ainda mais difícil entender a prevalência do fenômeno.

A explicação mais simples é que, embora os consumidores geralmente percam, um pequeno punhado de empresas nacionais lucra bastante com a própria proteção. Há demanda pela oferta de leis protecionistas. E os demandantes, em geral, gastam muito dinheiro para manter a proximidade com o poder.

A abertura econômica traz pequenos benefícios a milhões de consumidores, mas grandes prejuízos a certos setores da economia. Essa dinâmica explica, em parte, por que a maioria é preterida em detrimento da minoria.

Imagine que uma lei é capaz de tirar R$ 1 de cada um dos 200 milhões de brasileiros para repassar R$ 20 milhões a 10 brasileiros. Para quem banca a lei, protestar contra ela faz pouco sentido sob uma lógica estritamente utilitarista: a maioria dos trabalhadores paga o custo de um real em poucos minutos de trabalho, enquanto ir a um protesto exige pelo menos uma hora.

O inverso vale para os 10 beneficiários, que provavelmente montarão um escritório em Brasília para fazer lobby pela lei. Vale a pena gastar muito pela aprovação da lei, por meios lícitos e também ilícitos, quando há impunidade.

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Com muito esforço de um lado e pouco de outro, a lei tende a ser aprovada. Essa dinâmica de custos dispersos e benefícios concentrados explica boa parte das políticas públicas antissociais que circulam por aí. Um dos seus formuladores mais famosos foi o cientista político Mancur Olson, ex-professor da Universidade de Harvard e autor do clássico “Lógica da Ação Coletiva”.

Outra explicação comum no caso de empresas estrangeiras está nos vieses cognitivos da população. Bryan Caplan, autor de “The Myth of the Rational Voter” (O Mito do Eleitor Racional, em tradução livre), aponta três vieses comuns às massas de eleitores/consumidores:

1) O viés anti-estrangeiro leva parte do eleitorado a acreditar que os países estão em competição constante e que um perde quando o outro ganha, dificultando a cooperação entre nações;

2) O viés anti-mercado subestima os benefícios da alocação econômica de mercado, preferindo alternativas de planejamento central;

3) O viés conservador de empregos (“make-work”) subestima o custo das políticas de manutenção dos empregos existentes, por conta de uma sociedade que prefere bancar suas ineficiências a expor-se ao risco do desemprego temporário.

De volta ao exemplo anterior: esses vieses tendem a levar quem banca o custo de um real a subestimar esse custo, facilitando ainda mais o caminho dos interesses parasitários.

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Após décadas insistindo num receituário protecionista, cada vez mais vozes no Brasil pedem a abertura comercial. Alguns, como o respeitável economista e formulador do Plano Real Edmar Bacha, chamam a abertura de “mãe de todas as reformas”.

Uma maior concorrência estrangeira tende a elevar a produtividade, auxiliar no controle da inflação e na retomada do crescimento saudável. Alguns pesquisadores apontam a abertura dos anos 1990 como fundamental para a queda na desigualdade dos anos 2000.

O desafio, porém, está longe de ser simples. Para alcançá-lo, Bolsonaro precisará combater interesses poderosos que farão de tudo para evitar mudanças (FIESP, ABIMAQ e cia), além de uma população que resiste a entender os benefícios decorrentes da concorrência estrangeira.

Vale notar que nada na agenda econômica que o Brasil precisa é fácil. O custo da complacência, por outro lado, é continuar vivendo nesse país meio avacalhado que a gente conhece.

Bolsonaro falava em “coragem” no seu jingle de campanha. Chegou a hora de ver se ele estava falando sério.

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