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O presidente da Argentina, Mauricio Macri, durante visita ao Brasil, em janeiro de 2019. (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, durante visita ao Brasil, em janeiro de 2019. (Foto: Marcelo Camargo/ABr)| Foto:

Entre 2013 e 2016, eu viajava entre Nova York e Buenos Aires todos os meses. Participava de uma equipe grande que buscava encontrar um acordo entre o governo argentino e os fundos de Nova York.

De um lado, argentinos chamavam os fundos de “abutres”. De outro, investidores chamavam membros do governo, principalmente Cristina Kirchner e seu vice-ministro da Fazenda, Axel Kicilloff, de “loucos”. Não há como não afirmar que os dois lados estavam, até certo ponto, corretos. Nesse mar de desconfianças, meu trabalho era criar uma ponte de comunicação entre as duas margens, mesmo com a ordem de Cristina de que qualquer membro de seu governo estava proibido de conversar com representantes dos fundos. Felizmente, as pontes foram criadas e levaram a uma solução.

Em uma das conversas em NY, lembro de um investidor com histórico de colocar muito dinheiro na América do Sul dizer:”na Argentina, existe um excesso de confiança nas próprias soluções e um excesso de desconfiança dos cidadãos nessas soluções. Se apenas pudessem encontrar um meio termo, tudo ficaria mais fácil para o país”.

No momento em que Mauricio Macri anuncia o congelamento nos preços de 64 produtos, o pais passa a reviver o mesmo filme em seus curtos ciclos de estabilidade desde 2001. Esse congelamento de preços deverá durar até as vésperas das eleições presidenciais que, no momento, colocam Cristina Kirchner em uma surpreendente liderança (33% votariam “seguramente” em Cristina contra 25% em Macri). Além dessas medidas, Macri determinou que os preços nas tarifas energéticas também permaneçam inalterados, bem como linhas de crédito e de financiamento para imóveis.

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Novamente, o FMI passa a ter um papel central na sobrevida da economia argentina. O empréstimo de US$ 57 bilhões, previsto para ser efetuado no biênio 2022/2023, mostrou-se vital para que o peso argentino não colapsasse e para que a inflação não disparasse ainda mais. Hoje ela se encontra próxima de 50%/ano. Parte da negociação desse empréstimo envolveu o encorajamento do FMI para que o Banco Central Argentino impedisse a desvalorização do peso.

Um dos mecanismos a serem utilizados pelo BC prevê que se deverá gastar até US$ 60 milhões por dia para tentar levar o peso para a faixa dos US$ 0,30 a US$ 0,35. No entanto, o FMI não previu que o congelamento de preços teria um papel tão imediato no conjunto de estratégias do governo portenho.

A questão da confiança passa a ser um tema central no diagnóstico dessa nova crise. O presidente Mauricio Macri trouxe um receituário clássico de liberalismo, imaginando que isso seria o suficiente para fazer o país decolar e atrair investimentos estrangeiros.

Houve diminuição de impostos, baixa interferência do governo em setores que poderiam se beneficiar da competição e um leve processo de desburocratização. No papel, não haveria por que duvidar que essas medidas não atrairiam bilhões de dólares de investidores externos que olham para o mundo e não encontram boas opções onde despejar dinheiro ocioso. No entanto, o que o governo não levou em consideração foi que a memória coletiva do investidor externo ainda é forte e negativa quando se trata de Argentina. O ponto central dessa desconfiança ainda é a moeda e o potencial subaproveitado das exportações.

Eduardo Yeyati, reitor da importante Universidade Torcuato di Tella, localizada em Buenos Aires, é cirúrgico quando aponta a combinação de problemas que causam a recorrente crise inflacionaria e cambial: as exportações estão sempre abaixo do potencial (e mal conseguem cobrir as importações) e a falta de confiança no peso é histórica. Agregaria ainda que o excesso de confiança na retórica tende a produzir efeitos contraproducentes quando metas são sistematicamente inalcançadas (como as do Banco Central em estabelecer metas inflacionárias excessivamente baixas que nunca são atingidas).

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O risco Kirchner

O ciclo eleitoral curto, de 2 em 2 anos, impede a aplicação de soluções de longo prazo, que geralmente tendem a ser impopulares e, consequentemente, não ajudam em eventuais mudanças que esses pleitos possam trazer. Nesse sentido, a forca da retórica na politica argentina demonstra potência a curto prazo e teima em se mostrar fracassada a médio e longo prazo.

Mestre da retórica, Cristina Kirchner conseguiu seguidas vezes transferir sua culpa e pode novamente se beneficiar dos problemas recorrentes para colocar-se como candidata competitiva, independente de todas as acusações acumuladas em suas costas.

Se a meta de Macri era atrair investimentos externos diretos, o ciclo eleitoral argentino (que é similar ao brasileiro) mostra-se, como já vimos, curto demais para que a confiança volte a se consolidar entre os detentores do dinheiro.

Muitas vezes apontados como culpados em conspirações kirchneristas, os investidores estrangeiros pragmaticamente entendem que a Argentina segue sendo um pais que não transmite confiança mesmo quando um presidente liberal cumpre religiosamente o receituário para atrair investimentos.

Essas mesmas conspirações envolvendo imperialistas, Soros, mercado financeiro e FMI podem se mostrar fortes o suficiente para tornarem o improvável em probabilidade: trazer Cristina Kirchner de volta à presidência do país.

Como na América Latina, acreditar em conspirações é mais fácil do que acreditar em incompetência, a Argentina pode ter que voltar várias casas na busca pela estabilidade econômica e, de lambuja, eleger uma fiel representante do fracasso.

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