Escapar de alguma imagem de Bebê Rena ou da simples pergunta “você viu?” nos últimos dias tem sido algo próximo do impossível. Pudera. A minissérie de sete episódios foge da bobajada mais recente ofertada pela Netflix (descontando a exuberante Ripley) e entrega um thriller de humor negro que poucos conseguem abandonar antes da chegada da memorável cena final. Entre esses poucos certamente estão espectadores que não gostam de histórias com violência sexual, consumo de drogas e linguagem chula. Se você se encaixa nesse perfil, siga evitando Bebê Rena.
O que se vê na telinha é algo que aconteceu de verdade com o ator Richard Gadd. O escocês até já havia transformado o que viveu numa peça de teatro e certamente não esperava repercussão tão vultosa agora, mesmo com o canhão da Netflix por trás. A minissérie foi para o primeiro lugar em 30 países assim que disponibilizada e entrou na segunda semana aumentando esses números. Não bastasse o sucesso popular, a crítica embarcou junto e agora a expectativa é pelo número de prêmios Emmy que Baby Reindeer (o título original) vai abocanhar.
Parece, à primeira vista, uma convencional história de stalking. Gadd usa o nome Donny Dunn no seriado. Ele é um comediante medíocre que trabalha de barman enquanto faz suas aparições nos palcos, em busca da grande chance como artista. Num dia qualquer, avista uma mulher triste e feiosa no bar e oferece um chá a ela. A cortesia é suficiente para que Martha, a tal mulher, vivida pela ótima Jessica Gunning, fique obcecada por Donny e passe a bater cartão no estabelecimento, além de passar a assediá-lo por e-mail e pelas redes sociais.
Mesmo ciente do perigo que Martha representa após fazer umas pesquisas e descobrir seu histórico criminal, Donny desenvolve uma relação se não de amor e ódio, de compaixão e medo com sua fã. A verdade é que todo artista carece de atenção e busca tietes que o aplaudam. Martha supre essa carência em Donny, passando um tantão dos limites, mas a real é que ela é a única admiradora leal que ele conquista naquele momento de sua árdua ascensão ao estrelato (que só chegou de vez em abril, com a explosão de Bebê Rena mundo afora).
Violência contra o homem
O espectador passa os três primeiros episódios se divertindo com a audácia de Martha e a confusão mental que ela causa em Donny. Até que chega o quarto capítulo, mais longo e nada engraçado, em que é revelado que antes de trabalhar no bar, o protagonista conheceu um roteirista importante da cena britânica e foi abusado pelo ele. O figurão desenvolveu uma rotina de drogar Donny com uma vasta gama de substâncias ilícitas e então estuprá-lo com a perda dos sentidos. Isso foi sustentado por um bom tempo, indicando que o jovem escocês estava disposto a topar muita humilhação na busca pela fama.
O relacionamento abusivo deixou vários traumas em Donny e até teria impactado sua orientação sexual, defende o roteiro. Durante toda a série, ele se relaciona com uma psicóloga trans chamada Teri (papel da mexicana Nava Mau), que o ajuda a processar sentimentos e angústias. Depois do quarto e pesado episódio, parece que a capacidade de Donny em se autoanalisar aumenta e ele consegue enxergar as coisas com mais clareza. Martha envolve os pais do humorista no rolo e a colaboração da polícia se torna fundamental para o arremate da história.
Com somente 20 dias de exibição, Bebê Rena já estampou as capas dos tabloides ingleses de várias formas. A principal motivação de quem fica doido pela série ou cobre seu estouro é descobrir o paradeiro da verdadeira Martha – já se chegou na mulher que deve ter inspirado a personagem de Jessica Gunning. Mas a curiosidade maior deveria ser se Richard Gadd será capaz de produzir outras obras com o mesmo impacto, visto que essa ele ganhou de bandeja, ainda que tenha sofrido com o abuso sexual do roteirista e com os 41.071 e-mails, 350 horas de mensagens de voz, 106 páginas de cartas, 744 tweets e 46 mensagens no Facebook recebidas pela stalker real. Descobrir se ele terá futuro na área ou conhecia apenas esse truque é o que realmente interessa.
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