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Oscar 2020: o ambicioso “1917” deve se consagrar como o grande vencedor
| Foto: Universal Pictures International/Divulgação

Vamos deixar uma coisa bem clara, logo de início: 1917, o tecnicamente ambicioso filme de guerra de Sam Mendes, vai levar a estatueta de Melhor Filme na cerimônia do Oscar que acontecerá no próximo domingo (9).

Não é palpite, é apenas observação do comportamento histórico do mais conhecido prêmio do cinema, bem como da carreira do filme e o discurso em seu entorno. Claro, enquanto escrevo estas linhas os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas estão entregando seus votos e, portanto, tudo ainda está em aberto. Afinal, três anos atrás Moonlight: Sob a Luz do Luar, de Barry Jenkins, venceu contrariando todas as expectativas, em um dos mais memoráveis momentos da festa.

O favoritismo de 1917, para além do histórico de premiações, vem muito de méritos próprios. Ao partir das memórias do avô de Mendes – para quem o diretor dedica a produção –, o filme se beneficia de um senso geral de ansiedade que se contrapõe ao ufanismo bélico da maioria das narrativas de guerra. Ao mesmo tempo, evita alguns dos muitos clichês sobre a Primeira Guerra Mundial, como o dos soldados acovardados nas trincheiras sendo sacrificados por oficiais malucos por glórias e medalhas, mas sem arriscar o próprio pescoço (clichê, justificado para todos os fins, solidificado por Stanley Kubrick em seu magistral Glória Feita de Sangue, de 1957).

Além disso, 1917 é um filme de artifício. Ou seja, chama atenção para a dificuldade técnica ao se impor voluntariamente uma restrição. Ele é todo feito em um falso plano-sequência, gerando uma percepção de urgência e imersão raros no cinema, mas também encantando o público e votantes da Academia com o apuro estético. Apesar de ser inspirado pelas memórias do avô de Mendes, o filme parece ser mais de Roger Deakins, o diretor de fotografia, que deverá levar sua segunda estatueta para casa.

Não custa lembrar que o Oscar é um prêmio da indústria cinematográfica americana para a indústria cinematográfica americana e que se dedica a celebrar os filmes “menos odiados”. 1917 é, ao mesmo tempo, inofensivo e inventivo o suficiente para estar bem cotado nas listas da maioria dos votantes.

São raros os anos em que o Oscar premia filmes que são de fato inventivos e transcendentes, como foi com o já citado Moonlight. Em geral a estatueta vai para trabalhos menores, como Green Book: O Guia, de Peter Farrelly, último Melhor Filme. O mais recente vencedor é um drama leve que aborda o racismo de forma simplista e formulaica, reduzindo questões históricas e estruturais a um “se todos escolhermos nos dar bem o mundo vira um lugar melhor”. Ou seja, um filme com um verniz progressista o bastante para aliviar a consciência dos membros da academia. Isso também quer dizer que uma vitória de 1917 não faz do mundo um lugar pior.

Injustiças

Na maioria dos anos o Oscar consegue dar conta do que há de mais interessante na produção em língua inglesa do ano anterior. Ao menos entre os indicados, quase nunca entre os premiados pelos motivos expostos nos parágrafos acima. 2019 é diferente. Não apenas é um ano de produções particularmente excepcionais, como boa parte do que entrará para a história do cinema como marcos inegáveis de uma arte que reflete seu tempo foi sumariamente negligenciado pela Academia. Evidentemente que estão lá O Irlandês, de Martin Scorsese, Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig, e Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino. Esses, porém, são nomes que já vimos participar da premiação em outros anos.

Algumas exclusões eram esperadas. As mais óbvias ficam com O Farol, de Robert Eggers, e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, de Ari Aster. Ambos filmes que flertam com o horror, apesar de não serem representantes exatamente puros do gênero – ainda que, cabe questionar, o que seria? O primeiro é um pesadelo lovecraftiano que acompanha dois faroleiros, Robert Pattinson e Willem Defoe, em uma espiral autodestrutiva. O segundo, mais hermético, investiga luto e individualismo em confronto com uma sociedade ordenada em torno de seus rituais. Ambos, ainda que cheios de méritos evidentes, são estranhos demais para um grupo tão francamente conservador quanto os membros da Academia.

Outras ausências, porém, são inexplicáveis. Nós, de Jordan Peele, é claramente um dos mais importantes filmes de 2019. Ele examina as relações de classe e raça nos EUA como poucos filmes foram capazes de fazer, com uma atuação dupla de Lupita Nyong’o que está acima de tudo o que foi feito recentemente, com um toque de horror apenas suficiente para passar por um thriller social (a academia é historicamente avessa a horror). Outro é Joias Brutas, dos irmãos Benny e Josh Safdie, que encontra Adam Sandler como um joalheiro viciado em apostas em estado de graça.

Não são os únicos. As Golpistas, de Lorene Scafaria, deveria ter ganhado indicações para Jennifer Lopez, roteiro adaptado e fotografia. Faz mais sentido homenagear este filme como herdeiro estético do cinema de Scorsese do que Coringa, de Todd Phillips, o recordista de indicações. Outro curiosamente esnobado é Meu Nome é Dolemite, de Craig Brewer, agridoce homenagem aos pioneiros inventivos da Blaxpoitation, o cinema negro feito para comunidades negras. Eddie Murphy e Wesley Snipes, impressionantes em seus papéis, também deveriam ter sido nomeados, além do impecável trabalho de Ruth E. Carter com os figurinos.

Por fim, é preciso refletir sobre a estranha ausência de Greta Gerwig entre os indicados a Melhor Direção. Seu Adoráveis Mulheres conseguiu repensar e reapresentar uma das mais batidas obras de ficção americanas para um novo público. O frescor de sua visão, combinado com atuações precisas, edição fluida e inteligente – mantendo o espectador localizado em qualquer uma das mudanças de tempo e espaço – e um apuro visual único, é tudo o que um diretor no ápice de sua forma poderia almejar. Como alento, ficam as indicações para as demais categorias.

É um discurso comum, quando se pensa o Oscar, pensar em termos de injustiçados. Como esquecer que Fernanda Montenegro, quando indicada pelo Central do Brasil, perdeu para Gwyneth Paltrow, por seu trabalho em Shakespeare Apaixonado, um filme mediano com atuações medianas. O prêmio da academia funciona muito mais por lobby e camaradagem do que por mérito.

Por isso podemos saber que alguns artistas, como Tarantino, que não faz muita questão de ser simpático, não devem ganhar nada. Outros, porém, como Brad Pitt, que anda em um tour de gentilezas e factoides divertidos, acaba com grande chance de terminar premiado (e pelo filme de Tarantino, vejam só!).

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