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O curitibano Alberto Carlos Fröhlich com seu Fiat 147 no deserto do Atacama, no Chile.
O curitibano Alberto Carlos Fröhlich com seu Fiat 147 no deserto do Atacama, no Chile.| Foto: Reprodução/Instagram

Morador do bairro Mercês, em Curitiba, Alberto Carlos Fröhlich, de 67 anos, decidiu rodar a América do Sul em um Fiat 147, o autito - carro pequeno, em espanhol, como muitos carinhosamente chamaram na viagem. Além do Brasil, ele passou por seis países, totalizando 15 mil km por Argentina, Bolívia, Peru, Chile, Paraguai e Uruguai. Não faltaram aventuras e perrengues, como dormir no pátio da polícia e correr o risco de congelar à noite no meio do deserto, sozinho, com o carro quebrado no meio do nada.

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A viagem começou em 2 de dezembro de 2017 e terminou em 13 de janeiro de 2018, mas até hoje tem dado o que falar e rendido muitos convites para voltar à estrada, algo que Alberto nunca imaginou. A viagem ocorreu de uma forma completamente diferente do que havia sido planejado. A ideia era levar de carro o filho, a nora, que é peruana, e um amigo peruano do casal até Lima, no Peru, para passarem o Natal com os familiares dela.

Mas, em Foz do Iguaçu, onde tinham passado a primeira noite num camping, o filho de Alberto começou a ficar preocupado com documentos pessoais, com o peso do carro, já que o trajeto tinha muitas rampas, e ficou com medo de não chegar em tempo para o Natal. Eram cinco mil quilômetros e Alberto planejava chegar em 20 dias, a bordo do seu Fiat 147 ano 1980, motor 1.050 cilindradas e 57 cavalos de potência. “Mas os três começaram a tirar a bagagem do carro, não quiseram nem carona para o aeroporto ou rodoviária”, lamentou Alberto, que chorou sozinho no camping, na segunda noite de estrada.

Depois de chorar novamente contando tudo ao dono do camping, foi amparado e aconselhado a ficar ali mais uns dias e conhecer os atrativos turísticos da região da fronteira. Mesmo chateado e querendo voltar para Curitiba, aceitou a ideia. Passados alguns dias de passeios e de compras no Paraguai, Alberto riu do seu portunhol ao tentar se comunicar com outros turistas em San Inácio de Las Missiones e pensou: “Esse negócio tá ficando divertido”.

A mágoa com o filho já tinha passando e ele decidiu seguir o conselho da cunhada, que lhe telefonou, e botar o pé na estrada. E seguiu sem rumo, apenas com uma mala de roupas, uma caixinha de ferramentas, um colchonete, duas barracas e algumas peças extras do Fiat 147.

Calor e celular furtado

Na primeira parte da viagem passou um calorão enorme nas cidades de Posadas e Corrientes, na Argentina. Quando chegou em Pampa del Infierno, via os ônibus passarem na estrada com a tampa do motor aberta, para ventilar. Alberto precisou andar com o capô do Fiat 147 semiaberto. A temperatura era de 42º C na região e em fevereiro a temperatura chega a 50º.

Na estrada, Alberto se deparou com uma bifurcação. Uma ia para a cidade de Salta e a outra para San Miguel de Tucumán. Ao lado da bifurcação havia um trailer que vendia comida. Hora de almoço, o aposentado decidiu pedir um prato enquanto decidia para onde ir. “Era um trailer no meio do nada. Sabe quando você não espera nada do lugar? Foi a melhor comida da viagem, um caldo de frango com arroz e lentilha”, contou Alberto, que decidiu seguir para Salta.

Em Salta, Alberto teve o celular furtado. Hospedado num camping longe do centro, pegou um ônibus para visitar a cidade. Depois de andar no mercado público, foi conhecer uma igreja. Na hora de tirar o telefone do bolso para fazer fotos, cadê o celular? Os documentos ficaram. Os bandidos conseguiram tirar só o dinheiro e o aparelho.

Alberto foi à polícia fazer BO. Depois de olhar as câmeras do mercado e encontrar as cenas do furto, Alberto precisava bloquear o aparelho. Os policiais o levaram ao Ministério do Turismo, onde ele conseguiu ligar para a família resolver isso. A polícia ainda o levou a uma loja, para comprar um aparelho novo. “Mas na Argentina as coisas são muito caras. Um do mesmo modelo que o meu era 500 dólares. Acabei não comprando”, diz o aposentado, que ainda ganhou dos policiais uma carona de volta ao camping.

  • Reprodução / Instagram
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Alberto continuava sem celular e sem destino, andando só com um mapa da América do Sul no carro, para ter noção se estava indo para o norte ou para o sul. Assim chegou na cidade de Yala, na província de Jujuy, na Argentina. A dona do camping onde ele se hospedou gastou do autito (carro pequeno) e o presenteou com um jantar em seu restaurante. “Você está lá parado no meio do nada e ganha um jantar regado a vinho argentino”, contou Alberto, agradecido. Mas a saga dele por um celular continuava e ele foi à cidade de Purmamarca, mais ao norte. Foi onde encontrou duas iguarias: o salame de lhama e o queijo de cabra. Mas e o celular? Na Argentina era muito caro e ele foi orientado a ir à Bolívia para comprar o celular.

Até cruzar a fronteira com a Bolívia, Alberto tinha cinco horas de viagem e muitas montanhas a cruzar na região dos Andes. E ainda tinha o risco de perder as compras que fez no Paraguai, pois já havia sido alertado que a fiscalização na aduana era rigorosa. Alberto pegou as peças extras de Fiat 147 que levou para emergências e escondeu dentro dos forros das portas. Ao chegar na aduana, o fiscal bateu em toda a lataria, mas não detectou as peças escondidas na porta.

Na Bolívia, Alberto chegou numa cidade e rodou as lojas pesquisando preços de um aparelho igual ao que ele tinha. E finalmente comprou um novo celular. “Depois que eu paguei, [a vendedora] me disse que eu não poderia levar a caixa e que os acessórios do aparelho eu tinha que espalhar no carro e na bagagem, porque se a polícia me pegasse, recolhia o aparelho, porque era contrabando”, disse Alberto, que seguiu a orientação da lojista e tirou um monte de fotos, logo que saiu da loja, para caso fosse parado, tinha como provar que o aparelho já vinha com ele de longe.

Felipe Rosa / Tribuna do Paraná
Felipe Rosa / Tribuna do Paraná

Pneu e gasolina

O aposentado conta que as estradas na Bolívia são malconservadas e com muitas rampas, onde o pneu patina. Numa dessas subidas, o pneu estourou. Ele colocou o estepe e saiu rodando, mas com medo de perder outro pneu no meio do nada. A saga agora era para consertar o pneu.

Viajou até São Pedro de Atacama para procurar um borracheiro, pensando se tratar de uma cidade grande. “Aqui no Brasil quase todo mundo já ouviu falar dessa cidade. Era menor que o centro de Almirante Tamandaré e só tinha um borracheiro, que disse que meu pneu não tinha conserto. Eu teria que comprar um novo e ele não tinha aro 13”, apavorou-se Alberto.

As cidades grandes mais próximas ficavam no Chile. Então ele decidiu cruzar a fronteira. Em condições normais, o 147 fazia 16 ou 17 quilômetros por litro. Mas ali na Cordilheira dos Andes, caía para 8 quilômetros por litro. O único lugar onde havia combustível no caminho era a cidade de Susques, ainda na Argentina. E não era nem um posto de combustíveis, era a casa de um homem que morava lá. E quando Alberto chegou, não havia gasolina, só álcool. Ele teve que esperar algumas horas, pois o combustível estava para chegar. No entanto, aquilo atrasaria sua chegada ao Chile.

Depois que abasteceu, pegou a estrada e parou para perguntar se a fronteira estava longe. A dona de uma loja falou que ainda faltava mais uma hora de viagem, porém, a polícia fechava a fronteira durante a noite, pois ali era rota de tráfico de drogas e contrabando. Como Alberto não chegaria a tempo, bateu o desespero. Mas a dona da loja conhecia o pessoal da fronteira, telefonou para eles, explicou a situação e pediu que esperassem. “Eu entrei no meu carrinho e chispei. Já fazia meia hora que a fronteira deveria estar fechada e eles estavam me aguardando”, comemorou o aposentado.

Amizade com a polícia chilena

Alberto sempre dormia dentro do Fiat 147, dentro do qual baixava o banco de trás e conseguia 1,80 metro de espaço para se esticar. Mas sempre procurava campings para tomar banho e comer. Mas chegou à cidade de Sierra Gorda, no Chile, tarde. Ele nunca dirigia à noite e decidiu parar num posto de polícia perguntar se havia algum lugar para dormir por perto. No Chile, a polícia chama-se Carabineros e é a mistura de Guarda Municipal, Polícia Militar e Polícia Federal. Está entre as melhores polícias do mundo.

Quem atendeu Alberto foi o próprio comandante, que questionou se ele não tinha lugar para dormir. Quando explicou sobre a viagem, o comandante abriu o pátio e mandou ele parar o 147 lá dentro. Avisou que havia ducha e máquina de lavar roupa. “E ainda disse que enquanto eu tomava banho, preparariam uma comida típica do Chile. E também havia camas para eu dormir. Eu expliquei que dormiria no carro, mas ele insistiu que eu dormisse nas camas”, explicou Alberto, que depois de jantar uma comida com fígado e conversar com os carabineiros, ainda fez uma chamada de vídeo para a família.

“Eles me viram rodeados de policiais e ficaram assustados, perguntando o que eu tinha feito para ser preso. Até que eu contei a verdade, que eram só amigos. Todos caíram na risada”, relembra. Já eram 22h quando o posto policial foi cercado por carros e vários homens armados. Alberto ficou assustado e com medo de algum ataque ou tiroteio. Até que lhe explicaram que aquela era a Polícia Civil local, que passaria a noite ali fazendo um bloqueio, pois naquela região há um fluxo alto de carros roubados e tráfico de drogas vindos da Bolívia. Todos os carros que passavam pelo bloqueio eram parados pelos policiais civis.

Felipe Rosa / Tribuna do Paraná
Felipe Rosa / Tribuna do Paraná

Enfim, o pneu

No dia seguinte, foi difícil sair do posto policial em Sierra Gorda. Alberto gostou dos novos amigos carabineros e eles não queriam deixar o viajante ir embora, pois também se divertiram muito com ele. Alberto fala com o comandante até hoje pelo WhatsApp. Seguiu o conselho dos policiais de abastecer o tanque até a boca e ainda levar mais um reservatório extra que ganhou dos policiais, pois o caminho até Antofagasta era muito longo e quase não havia pontos para abastecimento no caminho.

E assim Alberto foi e estava decidido a conhecer o Oceano Pacífico. Ao chegar à cidade litorânea de Antofagasta, foi a um hipermercado, mas não encontrou pneu aro 13. Decepcionado e sem saber o que fazer, acabou se deparando com uma borracharia no caminho, que tinha um único pneu aro 13 disponível. O borracheiro o vendeu a Alberto ao preço de 20 dólares, para se livrar logo da “encrenca”. O produto estava há tempos encalhado lá e ninguém comprava. E assim Alberto saiu feliz, para conhecer a cidade de Santiago.

No caminho para Santiago, Alberto dormiu num posto de combustíveis que ele diz ser um “espetáculo”. Todos os postos da rede são grandes e bem estruturados, com chuveiros limpos e boas opções de comida. Ao acordar, tinha outro carro pequeno ao seu lado, com um casal de chilenos com filhos. Eles simpatizaram com o 147 e perguntaram onde o aposentado ia. Decidiram seguir juntos para Santiago. Passaram pela Baía dos Ingleses, onde a estrada é feita de uma mistura de sal e minérios, material que resiste ao frio e ao calor intensos do deserto.

No meio do nada, viram um caminhão parado com o capô aberto. No deserto, os motoristas têm um “código de ética”. Quando há alguém parado com problemas, deve-se parar para ajudar, visto que o local é ermo e não há nada em volta. O caminhão estava sem bateria e não pegou. Alberto e a família do outro carro pararam para ajudar. Tinham ali uns cabos para ligação direta e conectaram a bateria do caminhão à do Fiat 147. O autito do Alberto fez o gigante ligar. E assim foram embora. Chegaram a uma cidadezinha com o combustível quase acabando.

Depois de se despedir do casal de chileno, Alberto seguiu sozinho pela rodovia Panamericana. Viu uma estradinha secundária e decidiu entrar. Andou 10 quilômetros e chegou num monumento chamado La Mano del Desierto, no meio do nada. Parou, contemplou, fez fotos, saciou sua curiosidade e decidiu ir embora. Na hora de dar a partida no carro, a chave não virava e o volante estava travado.

Ele precisava desmontar o miolo do volante, mas viu que nenhuma das ferramentas que tinha era do tamanho exato da porca que estava lá. “Aí eu pensei, se eu for andando até a Panamericana para pedir ajuda, vou ficar umas duas horas andando nesse calor desértico e vou desidratar. Se eu dormir aqui, à noite vou congelar. Olhei, pensei e consegui desmontar a ignição dando umas pancadas nas peças. Arrumei tudo e fui embora”.

Felipe Rosa / Tribuna do Paraná
Felipe Rosa / Tribuna do Paraná

Mais aventuras

Essas histórias são apenas uma parte de tudo o que Alberto viveu. Ele ainda passou maus bocados nas mãos de mecânicos perto de Santiago e teve o carro arrombado em Vinha Del Mar. Foi para o Aconcágua e conheceu um casal de motociclistas curitibanos. Também teve que emprestar o celular para os policiais pedirem ajuda em Santa Fé, na Argentina. Fora os relatos sobre as andanças pelo Uruguai e a volta ao Brasil, sempre cheias de aventuras, coisas boas e grandes sustos.

Foram 42 dias de viagem, 15 mil quilômetros rodados e R$ 9 mil gastos. Alberto, aposentado, gastou as economias que tinha na viagem. “Para mim, sucesso na vida não é ter dinheiro, nem uma conta bancária robusta. É ter um bom relacionamento com as pessoas. E nessa viagem conheci muita gente, aprendi muita coisa, vivi muitas experiências legais. O que vale são as paisagens. E das dez estradas mais bonitas da América do Sul, eu andei em quatro”, orgulha-se.

Agora planeja levar a esposa Célia na próxima aventura a bordo de uma Panorama - uma espécie “perua” do Fiat 147 -, que ele próprio está reformando.

Para saber mais, confira as aventuras de Alberto por meio do Instagram @147naamericadosul.

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