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| Foto: Cassiano Rosario/Gazeta do Povo

Um aeroporto para discos voadores, plantações de maracujá em terrenos baldios e até brigas de vizinhos e desejos de feliz ano novo para o prefeito. Justamente por ter se transformado na principal forma de comunicação entre o curitibano e a prefeitura, a Central 156 coleciona tudo quanto é tipo de chamada — incluindo algumas bem curiosas, incomuns e até mesmo bizarras. É tanta coisa que passa pelo serviço que os funcionários brincam que gostariam até mesmo de escrever um livro com crônicas sobre os causos atendidos.

E, levando em conta as ocorrências registradas nesses 35 anos de 156, não faltaria material base. Um dos chamados foi de alguém que estava jogando farinha no próprio corpo em pleno Batel. Em outra ligação, a prefeitura é acionada para retirar um gato que está atacando pedestres no meio da rua.

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“Já ligaram para nós pedindo advogado para divórcio e até ajuda em inventário”, relembra Ozires de Oliveira, coordenador de atendimento ao cidadão do serviço e que há 17 anos trabalha nessa linha de frente entre a população e o poder público. Segundo ele, esse tipo de chamada é relativamente comum e é vista como algo positivo por toda a equipe. “O 156 se tornou um número de referência para o curitibano. Mesmo que não seja uma demanda relativa à prefeitura, ele liga para cá”.

Oliveira entrou na Central 156 ainda como estagiário e, nesse período, já se acostumou com as ocorrências curiosas. A que mais lhe marcou foi justamente a do aeroporto para ETs. “Alguém ligou querendo que a prefeitura construísse um aeroporto para OVNIs”, conta. “A pessoa dizia que, se Curitiba era tão moderna, tinha que fazer algo assim”. Para a tristeza do cidadão, a sugestão não foi para frente e o primeiro “discoporto” foi construído em uma cidade do Mato Grosso.

Entendendo o funcionamento

Ozires de Oliveira, coordenador de atendimento ao cidadão da Central 1536Cassiano Rosario/Gazeta do Povo

Não existe uma medição de quantos pedidos e sugestões surreais chegam ao 156. Como o serviço se tornou referência, as ocorrências incomuns aparecem quase como um preço a ser cobrado por isso. A central recebeu uma média de 4,2 mil chamados por dia em 2018 e muitos daqueles considerados inviáveis surgem justamente pelo desconhecimento que o cidadão tem do funcionamento da coisa pública, como explica.

Tanto que, segundo ele, é muito comum pessoas ligarem querendo que a prefeitura cancele determinados programas ou encerre serviços. “Muitas vezes isso é fruto de uma visão míope da administração”, diz. Exemplo disso foi a vez em que alguém ligou sugerindo que a prefeitura plantasse maracujá em todos os terrenos baldios da cidade. “E era uma plantação compulsória: o dono não poderia negar. Era algo completamente inviável”. O porquê do maracujá, até hoje, ninguém sabe.

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Outro caso emblemático foi em sua época de atendente. Um homem entrou em contato para pedir a retirada do quiosque da Praça Zacarias, no Centro, porque ele tirava todo o brilho histórico do Palácio Avenida, o que ele caracterizava como poluição visual. Também é comum reclamações de perturbação de sossego por causa de crianças e até miado de gato, além de briga de vizinhos.

“A pessoa não sabe que existe uma burocracia, uma questão administrativa e financeira. Ela não contempla o todo”, justifica o coordenador do 156. “Para ela, a questão é clara como cristal, mas não tem como ser feita do ponto de vista lógico de administração pública. Essas situações acabam acontecendo no dia a dia”.

Linha de frente

Ao todo, 90 pessoas trabalham na linha de frente da Central 156, atendendo e registrando todas as ocorrências feitas. São elas as responsáveis por filtrar os atendimentos que vão se repassados aos órgãos da prefeitura. Se alguém ligar sugerindo ou pedindo algo absurdo, os atendentes precisam explicar que não tem como fazer aquilo.

No entanto, se mesmo assim, o cidadão insistir no chamado, o registro é encaminhado para o departamento responsável. “A gente está aqui classificando e filtrando. Meu papel é só passar o que é coerente. Os recursos são escassos e a demanda é alta, então é o 156 que vai dimensionar isso e ajudar a prefeitura a focar os esforços onde realmente interessa”, pontua Oliveira.

Ainda assim, o coordenador de atendimento ao cidadão explica que o principal trabalho da equipe da central é justamente ouvir e identificar a ocorrência que está por trás de cada história — até mesmo das mais estranhas. “Em um primeiro momento, você pensa que aquilo não é de responsabilidade do poder público, mas basta um pouco de atenção para identificar o que a pessoa quer dizer e o que você pode fazer por ela”, explica o coordenador de atendimento ao cidadão.

Foi o que aconteceu quando uma senhora ligou para o 156 para pedir orientações para a prefeitura, já que a sua filha estava há quatro dias sem tomar banho. E o que inicialmente parecia ser só um estranho caso de falta de higiene que deveria ser resolvido em casa se revelou como uma questão de saúde mental e de problema com drogas — situações que dependem, sim, do poder público.

Cassiano Rosario/Gazeta do Povo

Em outra ocasião, alguém acionou o serviço pedindo que a prefeitura interditasse um velório. A explicação veio depois de muita conversa: a pessoa havia morrido por causa de uma doença contagiosa e poderia infectar todos que fossem dar o último adeus. E mesmo pegando todo mundo de surpresa, equipes da Secretaria de Saúde tiveram de ir até o local pelo menos para averiguar a situação.

“O atendimento ao cidadão nem sempre é linear. Ele vai contar uma história e você tem que entender o contexto”, detalha Oliveira, que já se acostumou a lidar com as mais diferentes narrativas nesses 17 anos de Central 156. “Essa sensibilidade e esse olhar humano são de suma importância. Às vezes, quem liga não consegue comunicar o que está sentindo. Então tem que fazer as perguntas certas no momento certo para chegar no fato que tem relevância. É preciso investigar bem”.

No caso dos atendentes com mais experiência, esse olhar para a história por trás da história já se torna natural, mas os novatos ainda se deixam impressionar com algumas situações. Para isso, monitores ajudam a dar o direcionamento correto a esses casos.

Assim, é fácil de entender algumas das entradas incomuns que aparecem no banco de dados do serviço. A reclamação do zumbido de cigarras em uma praça do Bigorrilho é, na verdade, um caso de infestação que precisa ser atendido pela Secretaria de Saúde e, quando alguém liga para falar da morte de uma centena de rolinhas no Guaíra porque há um problema ou crime ambiental que precisa ser investigado. O próprio caso do homem que se empanou com farinha nas ruas do Batel foi encaminhado para a Fundação de Ação Social (FAS) por se tratar de uma pessoa desorientada.

Sem chamada inútil

Por causa disso, Oliveira acredita que não existem chamadas inúteis e que todas as ocorrências são importantes — mesmo quando parecem triviais. “Toda a ligação feita para o 156 tem um sentido e um valor, inclusive para o planejamento do poder público”, explica o coordenador. “Mesmo aquela pessoa que ligou para falar algo sem sentido à primeira vista reflete algo. É importante ter essa visão”.

Segundo ele, os trotes são raros e, quando os atendentes percebem que alguém está ligando apenas para tumultuar, a Central 156 faz um contato direto com a pessoa para reverter a situação, chegando ao ponto de dar um retorno e convidar para conhecer a central. “Assim, a pessoa passa a entender o funcionamento e vira um defensor do processo. A gente faz com que essas intervenções se tornem produtivas”, destaca Oliveira.

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