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A evolução do zoológico: da exibição de animais a espaços de pesquisa e conservação
| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

No Brasil, o funcionamento de jardins zoológicos é regido pela Lei 7.153, de 1983. Como forma de atualização do texto, foram criados dois outros instrumentos legais que versam sobre uso e manejo da fauna silvestre e fauna exótica em cativeiro: a instrução normativa 07, de 2015, e a resolução 489, de 2018. A conservação da biodiversidade deve ser a missão que norteia os zoológicos - que, inicialmente, nasceram como coleções privadas de animais para exibição, mas que, atualmente, devem ir muito além disso. Instituições sérias devem proporcionar bem-estar animal, educação para conservação da fauna, pesquisa e, além disso, lazer e contemplação da natureza.

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"Muita gente critica e questiona a existência de zoológicos como se fossem só para lazer, mas não é [só isso]", garante ele.

Em 2018, o Zoológico de Curitiba recebeu 650 mil visitantes. No mundo todo, de acordo com dados da Associação Mundial de Zoos e Aquários (Waza, em inglês), mais de 700 milhões de pessoas visitam zoológicos e aquários.

A bióloga Mara Marques, que atua na Fundação Parque Zoológico de São Paulo desde 1992, destaca que, mundialmente, zoológicos estão em transição para esta nova missão: de serem espaços em que a exposição dos animais é o meio, não a finalidade. "Esta mudança não acontece do dia para a noite, pois temos que preparar nosso público para uma mudança de cultura", aponta, referindo-se a alterações nos recintos dos animais, nas espécies disponíveis para exposição e o objetivo de cada uma destas adaptações.

"Estamos deixando de ser simplesmente instituições expositivas para empreendimentos que trabalham com pesquisa, educação para a conservação, bem-estar animal, sustentabilidade, medicina da conservação e muitos outros pilares", diz a especialista. A finalidade é integrar os trabalhos realizados na natureza com os trabalhos desenvolvidos sob cuidados humanos.

Produção científica

No início de julho, o Zoológico Municipal de Curitiba, no bairro Alto Boqueirão, anunciou o nascimento de uma arara-azul. Natural do Pantanal e da Amazônica, a espécie está ameaçada de extinção, classificada como vulnerável - na natureza, foram contabilizados 4 mil indivíduos. Sob os cuidados dos pais e fora do contato com os visitantes, esse é o quarto filhote de arara-azul-grande a nascer nas dependências do zoo e a notícia mostra um lado da instituição que fica longe dos olhos do público.

O nascimento é fruto do programa de reprodução de espécies de psitacídeos (família dos papagaios) ameaçadas de extinção desenvolvido pela instituição, que já gerou ararajubas e papagaios. O projeto já conseguiu reproduzir e soltar na natureza, por exemplo, nove papagaios-de-peito-roxo. Na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês), a espécie é classificada como em perigo e, segundo o censo mais recente do Projeto Charão, da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), de 2018, só existem mais 4,5 mil aves na natureza.

Para o diretor do Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna da Prefeitura de Curitiba, Edson Evaristo, zoológicos funcionam como "arcas modernas", em referência à bíblica arca de Noé. "Os zoos são locais de manutenção de populações de reserva. Agora tivemos o nascimento de mais um filhote de arara-azul, enquanto em vida livre sofre um declínio bastante grande. A esperança para a perpetuação da espécie são as populações de reserva", explica.

Longe dos olhos do público, muitos zoológicos atuam como centros de pesquisa, com foco na saúde animal e conservação da fauna. A Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP), por exemplo, em colaboração com universidades e com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desenvolve projetos em diversas áreas, como genética, microbiologia, biotecnologia, comportamento e bem-estar, reprodução, manejo, educação ambiental, saúde animal, conservação e outras.

"Os zoológicos são fontes de estudo inestimáveis. Muitas das espécies ameaçadas ou criticamente ameaçadas só são possíveis de serem encontradas em zoológicos, em nosso atual cenário", avalia a coordenadora do Departamento de Pesquisas Aplicadas da FPZSP, Patrícia Locosque Ramos. A fundação mantém biobancos em que é possível armazenar material biológico das diversas espécies mantidas em cativeiro ou vida livre. "A partir desse material (seja DNA, sêmen, tecido) é possível trabalharmos com técnicas biotecnológicas para reprodução de espécies, muitas daquelas que já não são mais viáveis na natureza.”

Patrícia conta que também são realizadas ações de educação ambiental e utiliza alternativas, como compostagem e estação própria para tratamento de água e esgoto, para diminuir ou extinguir impactos ambientais de suas atividades.

No caso do Zoo de Curitiba, são feitas parcerias com a academia, como projetos de extensão universitária, além do local ser um espaço formativo para os estudantes. "A grande maioria dos profissionais que trabalham com a conservação da fauna silvestre passaram por zoológicos. Tudo o que se sabe de medicina e nutrição [animal] foi aprendido com os animais sob cuidados humanos e, hoje, são utilizadas na rotina de conservação na natureza", explica Edson Evaristo.

No entanto, mesmo com todos estes esforços de educação e preservação, as notícias de espécies sendo extintas ou entrando em situação de risco de extinção são muito frequentes. Sendo assim, é possível dizer que são os zoológicos que, mesmo recebendo milhares de visitantes anualmente, não cumpriram a sua função?

"Não se pode apenas responsabilizar os zoológicos por uma questão que também é de política pública. Os zoos trabalham na sensibilização das questões ambientais para depois pela conscientização do público, mas o tema deve ser tratado de maneira multidisciplinar. Se não houver políticas que permitam a proteção das espécies e de seus biomas, mais e mais espécies serão incluídas nas listas de ameaçadas ou extintas. Esse trabalho deve ser feito por todos nós", defende Mara.

Segundo levantamento de 2018 da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), todos os anos são capturados 38 milhões de animais silvestres no Brasil. Destinados ao tráfico, esse comércio ilegal movimenta, ainda de acordo com a instituição, US$ 1 bilhão por ano. O Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia da Universidade Federal de Lavras estima, ainda, que 15 animais silvestres morrem atropelados nas rodovias brasileiras a cada segundo. "Então, imagina o impacto das atividades negativas - isso sem contar com a destruição do habitat e com o desmatamento", pondera Evaristo.

Bem-estar animal e acolhimento

"Cada animal que está alojado é um indivíduo que tem necessidades e interesses que devem ser respeitados", afirma a coordenadora do Laboratório de Bem-estar Animal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carla Molento. Enquanto, historicamente, os zoológicos desconsideravam totalmente esse aspecto, hoje, na comunidade científica, há um reconhecimento da complexidade dos animais e das necessidades que eles têm para uma vida sem sofrimento. Assim, todas as atividades que envolvem animais devem ser desenvolvidas levando isso em consideração.

De acordo com a Waza, animais com alto bem-estar têm poucos problemas de saúde, se reproduzem mais, se comportam de maneira mais natural, são mais fáceis de manejar e permitem melhores oportunidades para a educação. Eles também são os melhores candidatos para reintrodução à vida selvagem.

Uma das funções primárias dos zoológicos deve ser a educação ambiental. Para que isso aconteça, defende a professora, é preciso que o público possa entender a fauna de uma maneira mais complexa durante a sua visita. "Os recintos devem ser adequados a cada espécie, tem que haver espaços para [os bichos] possam se esconder quando não quiserem se exibir, os animais de espécies sociais não podem ser alojados permanentemente sozinhos", lista. Preenchendo esses requisitos, os espaços podem atuar como promotores da importância da conservação do meio ambiente.

Ainda que muita gente acredite, a ideia de que zoológicos capturam animais silvestres para colocá-los em exibição é ultrapassada, afirmam especialistas. "É importante ressaltar que nenhum zoológico retira animais da natureza para mantê-los em cativeiro", garante Mara. "A população estabelecida de um zoo são de animais nascidos em cativeiro, portanto, é importante esclarecer esse 'mito'."

Atualmente, os zoológicos só recebem mais animais em eventuais transferências de outras instituições ou quando são usados como abrigos para indivíduos resgatados do tráfico de animais nativos, que sofreram maus-tratos ou que foram vítimas de algum tipo de acidente. "Isso também pode estar associado à função de reintrodução [à natureza], que envolve recuperar sua saúde física e psicológica e um treinamento para que possa voltar a viver de maneira livre", explica Carla.

A população de animais também pode aumentar com a reprodução que acontece em cativeiro, entre dois indivíduos do próprio zoo. A veterinária ressalta, no entanto, que é importante que essas ações sejam sempre voltadas à soltura destes animais ao seu habitat natural. "Não adianta reproduzir espécies em zoológicos se não tivermos uma política de reintrodução e essa política pressupõe que haja habitat. A função conservacionista é muito importante, mas não pode ser isolada. Senão, acaba sendo quase que uma promessa, mas com poucas chances de cumprir seu papel."

Um aspecto importante do bem-estar animal (físico e psicológico) nos zoológicos: o enriquecimento ambiental. Desenvolvida nos anos 1970, a técnica consiste em inserir estímulos dentro dos recintos dos animais para que eles possam exibir comportamentos mais próximos do natural, melhorando sua saúde física e psicológica. Esses estímulos podem ser cognitivos (desafios como quebra-cabeças), sociais (colocar indivíduos diferentes, da mesma espécie ou não, no mesmo recinto), estruturais (a mobília do recinto - árvores, cordas, troncos, piscinas e cachoeiras), alimentares (fornecer a comida de outras formas além do comedouro - sem ser picada ou escondida no recinto) e sensoriais (odores, sons, gostos e imagens não usuais aos animais).

A promotora do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) Vânia Tuglio conta que, apesar de não serem frequentes, o órgão já recebeu denúncias de maus-tratos de animais em jardins zoológicos. O mais comum, no entanto, são relatos de inadequação dos recintos. "O espaço é incompatível com natureza deles, não há enriquecimento ambiental, não há espaço de fuga, para que os animais possam se esconder da exposição ao público. Isso implica numa situação inadequada e é recorrente em praticamente todos os zoológicos do país, principalmente nos casos dos grandes felinos, elefantes, hipopótamos", afirma.

A jurista conta que, mesmo em espaços que seguem as normas estabelecidas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), as investigações podem apontar a necessidade de melhorias.

"Há lugares, como a Costa Rica, que baniram os zoológicos. Isso porque a sociedade costarriquenha não entendia como adequado encerrar animais num quadrado para eles serem vistos pelas pessoas", relata Vânia. Ela lembra que recursos tecnológicos - como exibições em 3D - permitem ver os animais, de qualquer espécie, no seu ambiente natural, como ele comporta, se é predador ou é predado, como é o relacionamento deles com outros animais. Outra opção seria que os interessados visitassem reservas ecológicas, unidades de conservação e santuários de animais.

"Na maioria das vezes, o zoológico realmente não deveria existir, porque causam sofrimento aos animais", opina a pesquisadora da UFPR. Para ela, apenas instituições que possam zelar pelo bem-estar e que recebem os animais que são resgatados de situações abusivas deveriam continuar funcionando. "A gente faz um uso muito indiscriminado de animais, em todas as áreas, inclusive na produção de alimentos. O que a gente tem hoje é um questionamento muito bem-vindo da sociedade sobre o que é aceitável no tratamento dos animais - e isso inclui o zoológico."

Quais zoológicos visitar?

Quem quer ter a experiência de visitar um zoológico sem contribuir para a exploração animal deve procurar se informar sobre as instituições, checar licenças de funcionamento e se certificar que o trabalho está sendo feito da melhor maneira possível. Além de pesquisar as práticas desenvolvidas no zoológico, o público também deve ficar atento a sinais de maus tratos ou de condições inadequadas.

Carla acredita que um desafio nesse ponto é a população saber o que é ou não admissível. "Um problema importante é a necessidade do público começar a reconhecer melhor o que é uma situação aceitável para um animal ou não é", aponta. "Nunca é aceitável ver um animal num recinto pequeno, isolado, sem enriquecimento ambiental, que pratique repetidamente a mesma atividade (o que é sinal de uma vida ruim). Não é aceitável que o público force contato com o animal (chamar atenção para forçar o bicho a olhar na sua direção ou tentar oferecer alimento de forma não autorizada)."

A meta deve ser a de não ser um visitante passivo e tentar sempre entender quais atividades o zoo realiza. E, quando alguma situação parecer degradante para o animal, denunciar às autoridades competentes - em Curitiba, elas podem ser realizadas pelo telefone 156 e à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, da Polícia Civil. "A denúncia vai suscitar uma investigação, então o cidadão não precisa ter receio de estar errado", aconselha a pesquisadora. Qualquer pessoa pode denunciar maus tratos aos animais.

Zoológicos em Curitiba

Curitiba conta com dois zoológicos: o Passeio Público e o Zoológico de Curitiba.

Passeio público

Funcionamento do parque: de terça a domingo, das 6h às 20 horas.

Funcionamento do terrário e do aquário: de terça a sexta, 9h às 16h30;

sábados, domingos e feriados, das 9h às 15:45h.

Endereço: Centro de Curitiba, entre as ruas Carlos Cavalcanti, Avenida João Gualberto e Presidente Faria.

Zoológico de Curitiba

Funcionamento do parque: de terça a sexta, das 9h às 16h30;

sábados, domingos e feriados, das 10h às 16h30.

Endereço: Alto Boqueirão, Rua João Miqueletto, s/n.

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