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Chácara Schaffer, o terreno do atual Bosque Alemão, em 1920.
Chácara Schaffer, o terreno do atual Bosque Alemão, em 1920.| Foto: Reprodução

Nas terras onde o desembargador Antônio Martins Franco costumava enterrar pinhões e passar os finais de semana e as férias ao lado dos familiares durante as primeiras décadas do século 20, Curitiba viu nascer um dos principais cartões postais da cidade. O Jardim Botânico, inaugurado em 1991, era uma grande área verde que sediava a Chácara Santa Bárbara.

Era nesse local que Franco plantava, a cada festa da família, uma nova árvore. Seus bolsos viviam repletos de pinhões. Por onde conseguia, o desembargador fazia questão de semear uma nova araucária. Ele tinha o desejo de transformar a região, que também era chamada de “Mata dos Francos”, em uma reserva ambiental. Toda aquela localidade, que havia pertencido ainda no século 19 a Guilherme Schüch, o Barão de Capanema, estava repleta de árvores e mata nativa.

Para que seu sonho fosse atendido, o desembargador Franco doou, antes de morrer, em 1968, sua propriedade à prefeitura de Curitiba. No entanto, décadas se passaram e nenhuma reserva foi criada. Para se ter uma ideia, na década de 1980 o local era destino de resíduos extraídos da construção civil.

"Dona Francisca"

Até que em 1989 o poder público iniciou os estudos para transformar aquela região que estava abandonada em um parque público. Dessa forma, em 5 de outubro de 1991, sob gestão do então prefeito Jaime Lerner e projetado pelo arquiteto Abrão Assad, o Jardim Botânico “Francisca Maria Garfunkel Rischbieter” foi inaugurado. O nome oficial é uma homenagem à urbanista, uma das pioneiras no trabalho de planejamento urbano de Curitiba.

Dos seus 178 mil metros quadrados, mais de 40% de sua área total correspondem a um Bosque de Preservação Permanente. A famosa estufa de ferro e vidro, com 458 metros quadrados, foi inspirada no Palácio de Cristal de Londres e abriga em seu interior exemplares vegetais característicos das regiões tropicais.

Curitiba ganhava, nas últimas décadas do século 20, um de seus principais parques e pontos turísticos. Antes, porém, muitas outras localidades abandonadas foram repaginadas e transformadas em áreas verdes que caíram no gosto da população e dos turistas. Antigas pedreiras, áreas que serviram de abrigo para fábricas e chácaras, e lotes e terrenos inutilizados passaram ao longo das décadas por um processo de ressignificação.

Foram redesenhados e transformados em verdadeiras áreas de preservação ambiental. Processo fundamental para a cidade ganhar o título de capital ecológica do Brasil, tendo hoje perto de 100 quilômetros quadrados de áreas verdes, incluindo locais públicos e particulares. Isso corresponde a 25% da área total de Curitiba (432 quilômetros quadrados).

Passeio Público "reinou sozinho" por décadas

Passeio Público.
Passeio Público.

Até os anos 60, porém, Curitiba tinha apenas perto de duas mil árvores plantadas para uma cidade que possuía nesse período cerca de 400 mil habitantes. A partir dessa época a questão ambiental passou a ser olhada de outra maneira. “Era preciso pensar a urbanização como uma forma de gerir a cidade, cuidando de todo o conjunto. Incluindo as áreas verdes que poderiam ser cuidadas e requalificadas”, conta o historiador Marcelo Sutil, diretor do Patrimônio Cultural da Casa da Memória.

Muitas regiões que estavam ao léu começaram a ser transformadas em parques, uma novidade para a época. Até então, o único parque público do município era o Passeio Público, inaugurado em 1886. Somente em 1959 foi criado o segundo parque curitibano: o Parque da Barreirinha, na região norte da cidade, em uma localidade que pertencia ao Horto Municipal. No entanto, o espaço só foi entregue e aberto para a população em 1972, abrindo o leque de inaugurações do gênero em Curitiba.

Dessa forma, constata-se que até o Plano Diretor de 1966 não havia uma definição regulamentada pela prefeitura sobre as áreas verdes e, embora possuísse bosques e matas particulares, a população curitibana somente contava com o Passeio público para uso geral.

Missão e lazer

Com a missão de resolver os problemas de enchente, melhorar a drenagem urbana e conter as cheias, diversos outros parques passaram a ser implantados na cidade. Já havia também uma necessidade de se criar espaços ao ar livre para servirem como pontos de lazer para toda a sociedade.

A partir dessas constatações, foram identificadas e desapropriadas áreas de rios e várzeas que eram consideradas impróprias para a construção civil.

Em 1972, encabeçado pelo prefeito Jaime Lerner e pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) – criado em 1965 – a cidade passou por uma série de transformações urbanas, incluindo a criação dos parques Barigui e São Lourenço. Antes de ser transformada em parque – como parte de um plano urbanístico para conter as enchentes na região – a área do Barigui tinha sido uma fazenda da família Leme e era cravejada por algumas olarias cujas instalações foram mantidas e hoje são usadas para abrigar lanchonetes e equipamentos do parque.

Já o São Lourenço nasceu de uma área que até então pertencia a uma fábrica de cola e de adubo. Em 1970, uma enchente no Rio Belém fez romper a Represa de São Lourenço causando danos à indústria, que fechou as portas. O parque foi inaugurado dois anos depois e a antiga fábrica virou um Centro de Criatividade, com a realização de oficinas de artes plásticas e exposições.

As áreas verdes passaram, a partir de então, a ser vistas como espaços de lazer e recreação, além de indicadores de qualidade de vida urbana. Desses primeiros parques, a maioria era formada por terras que até então eram de particulares, com exceção do Passeio Público e do Parque da Barreirinha, segundo aponta o pesquisador Emílio Boschilia no livro Bosque da Família Gallotti.

Quatro anos depois, Curitiba assistiu ao nascimento do maior parque da cidade: o Parque Regional do Iguaçu, que desde 1982 sedia o Zoológico Municipal. A criação desse parque visou preservar os fundos de vale do Rio Iguaçu e também conter o crescimento urbano desordenado. Foram desapropriados cerca de 800 lotes para evitar invasões.

Anos 80

Tanque do Bacacheri. Divulgação IBGE
Tanque do Bacacheri. Divulgação IBGE

A experiência da criação de parques em áreas verdes sem uso durante os anos 70 impulsionou uma política pública ambiental na cidade nas décadas seguintes. Em 1980, em homenagem ao Papa João Paulo II que tinha visitado a cidade, Curitiba criou o Bosque do Papa em dezembro daquele ano. Sua área, de 46.337 metros quadrados, fez parte da desapropriação ocorrida em 1977 que envolveu a antiga e desativada fábrica de velas Estearina, local que era remanescente da antiga Chácara de Júlio Garmatter, empresário renomado na cidade.

Na esteira do Bosque do Papa, nasceram diversos outros nas duas décadas seguintes, como o do Capão da Imbuia, Parque Bacacheri, o próprio Jardim Botânico, o Parque Tingui, o Tanguá, o Bosque do Alemão e o Bosque Zaninelli – Unilivre.

O Bacacheri, por exemplo, já era uma espécie de parque antes mesmo de ser oficializado como tal em 1988. Isso porque o espaço compreendia na década 70 o chamado “Tanque do Bacacheri” e funcionava como local de recreação e balneário. O proprietário da área, Manoel Fontoura Falavinha, alugava barcos a remo para passeios no lago. Porém, o assoreamento do tanque levou ao esgotamento do lago e a sua desativação.

Na década de 90 uma nova "explosão" de parques tomou conta de Curitiba. O Tingui, criado em 1994 em uma área verde desocupada, surgiu para contribuir na questão do saneamento e da preservação ambiental e evitar ocupações irregulares na localidade, e é uma homenagem a uma tribo indígena que habitava Curitiba na época da sua fundação. Já o Bosque do Alemão existe desde 1996 em uma região que era uma chácara da família Schaffer.

Pedreiras viram parques

Duas pedreiras também foram redesenhadas nesta época para a criação de novos parques na cidade. O Bosque Zaninelli, onde fica a Unilivre, foi criado a partir de uma área verde regenerada naturalmente após ter sido utilizada - desde 1947- para exploração de granito, o que originou um grande paredão de pedra e os lagos. Foi decretado bosque municipal de preservação em 1992.

O Tanguá, antigamente, foi parte de uma pedreira da família Gava, que tinha sido desativada nos anos 70. Após passar mais de duas décadas sem utilização, a área foi transformada em parque em 1996, durante a primeira gestão do prefeito Rafael Greca (1993-1996).

A saga desses parques demonstra as preocupações que nortearam o desenvolvimento urbano, ambiental e socioeconômico da capital paranaense. “Os parques públicos surgem com o intuito de conter cheias e enchentes, transformando áreas degradadas em espaço de lazer”, relata o historiador Marcelo Sutil.

Ao todo, hoje são 28 parques e 18 bosques que dão à cor verde um destaque no meio urbano de Curitiba.

Parques eram demanda histórica

A Curitiba das décadas de 60 e 70 vinha influenciada pelo chamado Plano Agache, de 1943. Esse plano funcionou como um Plano Diretor para dar conta de uma reordenação urbana da capital e já tinha sugerido a criação de parques, apontando a necessidade de se estabelecer as áreas verdes.

Naquela época, Curitiba apresentava grande desenvolvimento, mas não contava com uma infraestrutura digna de uma capital. Saneamento e tráfego urbano eram dois sérios problemas. O Plano Agache concluiu que a capital não sofria, nos anos 40, com a falta de espaços livres, mas eles eram distribuídos de forma equivocada e sem estrutura alguma.

A arborização era uma das medidas fundamentais nesse processo. A criação de áreas verdes que estivessem disponíveis para a população também foi recomendada pelo urbanista francês Alfred Agache, que já tinha realizado o planejamento urbano de outras cidades do país. A sugestão era criar parques nas regiões do Barigui, Ahú e no bairro do Capanema.

Desde então, esse plano, que nunca foi implementado em sua totalidade, foi aperfeiçoado e norteou a maioria das ações urbanísticas de Curitiba nos anos seguintes. No entanto, como recorda o historiador Marcelo Sutil, da Casa da Memória, a busca por áreas verdes por parte da população já vinha desde o século 19. “Foi nesse contexto que surgiu o Passeio Público, por exemplo. Até então tinha uma dicotomia campos x cidades”, conta.

Mas foi somente na segunda metade do século 20, com o Plano Diretor de 1966, que houve uma definição e um ordenamento sobre a criação de áreas verdes por parte do poder público.

Antes disso, iniciativas particulares é que faziam a função de parques para a população. Antes do Tanque do Bacacheri na década de 70, existia no Batel o Parque Cruzeiro que do início do século 20 até os anos 60 era alugado para as pessoas se divertirem. O parque pertencia a uma empresa da região. Outro exemplo de iniciativa particular foi o Lago Azul nos anos 60 e 70, na região do Umbará. Era uma antiga propriedade da família Segalla que funcionava como parque particular e uma das poucas opções de lazer em área aberta da cidade na época. Essa localidade foi transformada em parque municipal em 2008.

“A partir dos anos 70 a importância de ar puro e de áreas verdes aumentou. Percebe-se que antes dessa época a população já cobrava espaços de lazer, parques e ar livre”, ressalta Sutil.

Vez das RPPNs

A partir dos anos 2000 o número de parques e bosques novos criados em Curitiba deu uma desacelerada. Isso porque, segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, existe a questão da diminuição de áreas públicas disponíveis para a implantação de unidades de conservação.“Mas isso não significa que não haja políticas de preservação ao longo desse período”, salienta a pasta.

Em áreas privadas, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal (RPPN) são um instrumento utilizado para garantir a infraestrutura verde desde 2006, por exemplo. Com isso, em troca da garantia da preservação e realização de atividades voltadas para a educação ambiental, os proprietários recebem recursos do potencial construtivo pelas áreas.

Breve história dos parques de Curitiba

Conheço um breve relato do que era alguns dos principais parques da cidade antes de serem parques.

PASSEIO PÚBLICO

Primeiro parque de Curitiba, inaugurado em 1886, era uma grande área pantanosa. Criado por Alfredo D'Estragnolle Taunay, então presidente da província do Paraná. Foi o principal ponto de lazer dos curitibanos até a década de 1970.

BARREIRINHA

Criado em 1959 em um espaço que era do Horto Municipal, foi o segundo parque da cidade. Mas só foi aberto ao público em 1972.

SÃO LOURENÇO

O Parque São Lourenço foi criado em 1972 após uma enchente em 1970 na região onde ficava uma fábrica de cola e adubo. O parque foi inaugurado dois anos depois e a antiga fábrica virou um Centro de Criatividade.

TANGUÁ

A área que compreende o Tanguá foi parte de uma pedreira da família Gava, que tinha sido desativada nos anos 70. O espaço foi transformado em parque em 1996.

BOSQUE DO PAPA

Em 1980, em homenagem ao papa João Paulo II, que tinha visitado a cidade, Curitiba criou o Bosque do Papa. Sua área fez parte da desapropriação ocorrida em 1977 que envolveu a antiga fábrica de velas Estearina, local que era remanescente da antiga Chácara de Júlio Garmatter.

TINGUI

O Parque Tingui foi criado em 1994 em uma área verde desocupada para contribuir na questão do saneamento e da preservação ambiental e evitar ocupações irregulares na localidade.

BARIGUI

Criado em 1972, o Parque Barigui tinha sido uma fazenda da família Leme e era cravejado por algumas olarias cujas instalações foram mantidas e hoje são usadas para abrigar lanchonetes e equipamentos do parque.

UNILIVRE

O Bosque Zaninelli, onde fica a Unilivre, foi criado em 1992 a partir de uma área verde regenerada naturalmente após ter sido utilizada - desde 1947- para exploração de granito.

BACACHERI

O Parque Bacacheri já era uma espécie de parque antes de ser oficializado como tal em 1988. O espaço compreendia na década 70 o chamado “Tanque do Bacacheri” e funcionava como local de recreação e balneário.

BOSQUE ALEMÃO

Existe desde 1996 em uma antiga chácara da família Schaffer. O bosque contém a réplica de uma antiga igreja de madeira, construída em 1933 no bairro Seminário. Outra atração é a trilha de João e Maria, que narra o conto dos irmãos Grimm.

IGUAÇU

Maior parque da cidade, sedia desde 1982 o Zoológico Municipal. A criação desse parque visou preservar os fundos de vale do Rio Iguaçu e conter o crescimento urbano desordenado. Foram desapropriados cerca de 800 lotes para se evitar invasões.

Conteúdo editado por:Marcos Tosi
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