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Manifestantes pró-Lula na vigília no bairro Santa Cânida. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Manifestantes pró-Lula na vigília no bairro Santa Cânida.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A disputa entre os moradores do Santa Cândida e simpatizantes do ex-presidente Lula sentou nos balcões da Assembleia Legislativa do Paraná nesta semana. Os seguranças tiveram que separar os dois grupos: os que foram para escutar Ney Leprevost (PSD) reclamar da vigília ficaram no segundo andar, e servidores públicos ligados aos movimentos sociais que protestavam pela data-base do funcionalismo se acomodaram no primeiro. Golpearam-se com gritos de coxinhas e mortadelas.

As divergências são notórias e se manifestam no cara a cara, na internet (#LulaLivre x #DesocupaSantaCândida) e nos tribunais. Para alguns, direito à livre manifestação; para outros, excesso de política que tira a privacidade da própria casa. Essa coexistência inesperada dura quase três meses. São 80 dias e tem como saldo antagônico solidariedade e insultos. Houve cartazes queimados, queixas em distritos policiais e juizados, ataque a tiros, conflito com torcida organizada, e doações de alimentos e encontro de gerações da esquerda.

Há sobretudo um tremendo impasse na rotina do bairro da Superintendência da Polícia Federal (PF), onde Lula cumpre pena de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O pequeno espaço entre as ruas Guilherme Matter e Barreto Coutinho é margeado por casas, mas depois de 7 de abril virou Praça Olga Benário ou Acampamento Lula Livre. A esquina é o retrato da democracia brasileira de 2018: impaciente, conflituosa, judicializada e para si.

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“Lula está preso, mas a culpa não é minha. Eles chamam todos de Bolsonaro. Até as crianças viraram coxinhas. Mas eles não sabem o que eu penso. Já fui presidente de diretório acadêmico, organizei muitas manifestações. Mas invasão é outra coisa. Sou contra o método”, conta uma moradora que prefere não se identificar. Os vizinhos que não apoiam a ocupação cercaram os gramados das casas com aquelas fitas amarelas usadas para delimitar uma cena de crime. Pelo menos 20 boletins de ocorrência foram registrados no 4° Distrito Policial nesses meses, a maioria por intimidação.

Protesto de moradores do Santa Cândida contra o acampamentoLineu Filho/Gazeta do Povo

Florisvaldo de Souza, do diretório nacional do PT, discorda. “Nós buscamos diálogo com os moradores. Muitos apoiam. Mas já pegaram cartazes, quebraram uma caixa de som. O protesto é legítimo e contra a prisão ilegal do ex-presidente. Identificamos a condenação de uma forma de governo popular. Trinta mil pessoas de todos os estados do país passaram pela vigília, além de autoridades e acadêmicos da América Latina e da Europa”, responde. Os simpatizantes dormem em casas alugadas e ainda mantêm duas barracas na calçada da Guilherme Matter para receber donativos.

Os moradores do bairro deixaram de pedir comida por delivery porque os restaurantes não entregam na região. Proprietários de um escritório de contabilidade e um salão de beleza perderam clientes. “Eu não me sinto segura. A vigília mudou nossa rotina. Não temos sábados ou domingos. Não posso receber ninguém. Não temos assegurado o direito de ir e vir”, diz outra moradora. Na semana passada um gato teria morrido em decorrência de estresse e por pouco o conflito verbal não se tornou físico.

Luiz Marinho, ex-ministro da Previdência Social e pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT, que esteve na vigília na quarta-feira (20), contrapõe. “É um povo resistente, que luta bravamente. Tem dois homens do ABC Paulista que estão na vigília desde o primeiro dia”, pondera. Dr. Rosinha (PT), pré-candidato ao governo do Paraná, endossa. “É muita gente nesse movimento espontâneo, são caravanas de todo o país. Qualquer manifestação pode ter conflitos ideológicos, mas sempre buscamos atos pacíficos e diálogo”.

Justiça

Na ausência de acordo, sobra judicialização. A decisão mais recente do caso é do juiz Jailton Juan Tontini, da 3° Vara da Fazenda Pública de Curitiba. Ele ratificou entendimento de abril sobre a proibição da instalação e permanência de acampamentos na cidade. O texto do dia 15 de junho determinou a retirada dos manifestantes com auxílio de policiais, se necessário. Até quinta (21) a situação permanecia a mesma na visita do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica.

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Moradores tentam isolar suas casas da presença de manifestantes.Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A ação começou na prefeitura. Quando o ex-presidente pousou já havia um interdito em Curitiba. De acordo com os apoiadores do petista não havia programação de vigília, mas a militância inflou depois da recepção na noite daquele sábado, com bombas e balas de borracha. Logo em seguida Rafael Greca (PMN) pediu para a Justiça Federal a transferência de Lula, mas não foi atendido.

A administração municipal resolveu sentar com os manifestantes, Secretaria de Segurança Pública (Sesp), Ministério Público, PT e CUT – os moradores não foram chamados – e um acordo foi redigido. No dia 2 de maio a Secretaria de Meio Ambiente detectou que os níveis de pressão sonora ultrapassavam a legislação em seis dos oito pontos analisados no entorno da PF. O acordo, não homologado, já não funcionava. Ministério Público, Sesp, PT e CUT tentaram um novo texto, mas a prefeitura não o reconheceu. Nessa altura um delegado já havia invadido o acampamento e quebrado o som, o que é avaliado no juizado de pequenas causas, e a vigília já havia passado pelo ataque a tiros que feriu duas pessoas.

Limitações

Enquanto isso o juiz de primeiro grau mandou a vigília cumprir a liminar de interdito e calculou a multa em R$ 5,5 milhões. PT e CUT agravaram a decisão no Tribunal de Justiça do Paraná e no último dia 30 o desembargador Fernando Paulino Wolff Filho usou um precedente do STF da greve dos caminhoneiros para afirmar que “a confessada pretensão de realização de reuniões diárias no local, em espécie de vigília, caracteriza abuso do direito de reunião”. O magistrado estabeleceu nove medidas para o cumprimento, entre elas limite das reuniões aos finais de semana com duração de 6h, a cada 15 dias. A decisão mais recente no processo estabelece esses termos como as novas definições do interdito na PF.

“A prefeitura avalia que decisões têm que ser respeitadas. O desembargador reconheceu direito de manifestação, mas estabeleceu critérios. Qualquer direito não pode se sobrepor a outro”, aponta a Procuradora-Geral do Município, Vanessa Volpi Palacios. A multa pelo descumprimento, de acordo com a prefeitura, pode ultrapassar R$ 15 milhões. Nesse intervalo Greca (PMN) também recorreu ao TRF-4 sobre o pedido de transferência, mas não obteve retorno.

O PT diz que ainda aguarda uma conciliação. “Fizemos o pedido ao desembargador. Existe um princípio consagrado no novo Código de Processo Civil que é da colaboração entre partes. A detenção do ex-presidente é um fato inusitado. E como tal tem que ser encarado”, aponta Daniel Godoy Júnior, advogado do partido no processo.

Para Cezar Bueno de Lima, sociólogo e pesquisador do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, a questão da esquina parece ser a falência do papel da própria política, espécie de trailer para o ano eleitoral. “Não houve tentativa de evitar essa judicialização. Quando Lula chegou já havia essa proibição. Sem diálogo não há democracia, que é justamente a capacidade da sociedade de gerir conflitos”. Manifestantes e moradores também acusam erros na condução do processo de todas as partes envolvidas.

Linha do tempo

07/04 - Chegada do ex-presidente Lula

07/04 - Prefeitura obtém liminar que impede acampamentos na cidade

11/04 - Sindicato dos Delegados da Polícia Federal no Paraná pede transferência de Lula

13/04 - Prefeitura pede transferência de Lula

16/04 - Acordo que conta com a participação da prefeitura e do Ministério Público impõe limites aos manifestantes

16/04 - Passaporte de Lula é furtado no Centro de Curitiba

17/04 - Manifestantes e torcida organizada do Coritiba entram em confronto

17/04 - Guardas municipais e agentes do BPTran realizam parto de emergência nas proximidades da vigília

24/04 - PF estima gasto de R$ 300 mil por mês com prisão de Lula e pede transferência

25/04 - MBL e vizinhos da PF fazem ato no Centro Cívico e pedem transferência de Lula

28/04 - Homem de 39 anos é baleado no pescoço após ataque a tiros ao acampamento; outra mulher foi atingida por estilhaços

28/04 - Prefeitura reitera pedido de transferência depois da hostilidade

01/05 - Greca critica permanência de Lula porque prédio da PF não tem alvará para presídio

01/05 - Ato das centrais sindicais reúne milhares de pessoas no Centro de Curitiba

02/05 - Vizinhos da PF acampam na frente da prefeitura e pedem fim da vigília

02/05 - Secretaria Municipal do Meio Ambiente avisa Procuradoria Geral do Município que limites de som estão sendo ultrapassados

04/05 - Delegado da PF ataca vigília durante ato e quebra caixa de som

07/05 - Ministério Público e Sesp tentam nova conciliação, sem a presença da prefeitura

08/05 - Prefeitura afirma que não reconhece o acordo

09/05 - Greca manda ofício ao TRF-4 solicitando a transferência do ex-presidente

14/05 - Juiz determina cumprimento da liminar que impõe proibição de acampamentos na cidade

29/05 - Juiz impõe multa de R$ 5,5 milhões ao PT e à CUT por vigília

30/05 - PT e CUT recorrem ao Tribunal de Justiça do Paraná e desembargador delimita nove pontos para a manifestação, que só pode ocorrer de 15 em 15 dias

08/06 - Integrantes do MST fazem caminhada em apoio ao ex-presidente durante a Jornada de Agroecologia

14/06 - Morte de gato provoca protesto dos vizinhos da PF contra a vigília

14/06 - Documento da prefeitura diz que multa aos manifestantes chegou a R$ 13.567.275,00

15/06 - Justiça ratifica decisão anterior e autoriza uso da polícia para retirar barracas

20/06 - Acampamento Lula Livre diz que adequou a estrutura para atender o poder público e que respeita o primeiro acordo

21/06 - Ex-presidente uruguaio Pepe Mujica visita o ex-presidente.

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