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Protestos contra cortes na educação na Avenida Paulista.
Protestos contra cortes na educação na Avenida Paulista, na quarta (15).| Foto: Danilo M Yoshioka/Futura Press/Estadão Conteúdo

Nesta semana, a B3 e a cotação do dólar foram o espelho da tensão política e da frustração com a retomada da economia do país. Investidores e analistas estrangeiros afirmam que o mercado brasileiro apostou alto demais na velocidade dos resultados do governo Jair Bolsonaro (PSL). Já especialistas locais apontam que o compasso de espera da economia está desenhado há pelo menos dois anos e que só não enxergou isso quem não quis.

O fato é que, nesta semana, os impasses entre Executivo e Congresso, os protestos de quarta-feira (15), a demora na retomada do crescimento e o desemprego crescente parecem ter pintado uma vitrine evidente demais para ser ignorada pelos investidores. Foi a pior semana do ano neste aspecto, com a Bolsa regredindo e atingindo seu pior patamar, abaixo dos 90 mil pontos, e com o dólar disparando para além dos R$ 4, na maior cotação desde o primeiro turno das Eleições no ano passado. Nesta sexta-feira (17), a moeda fechou o dia em R$ 4,038, uma alta de 3,93% na semana.

É claro que as razões domésticas foram acirradas também por um questão muito maior: a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, principalmente no que diz respeito à valorização da moeda norte-americana diante de outras divisas.

Mas engana-se quem acredita que o pior já passou. Além dos problemas já citados, há outros fatores de preocupação no horizonte, como o lento caminhar da economia e mesmo a citação de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na delação premiada de Henrique Constantino, sócio da companhia aérea Gol.

"Se temos alguma aprovação da reforma [por parte do Congresso] é responsabilidade do Maia. A articulação é dele. Se este inquérito for mais a fundo afeta muito o panorama", diz Fabrizio Velloni, chefe da mesa de operações da Frente Corretora. Para o economista, a investigação que envolve Maia preocupa mais que a de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. "O risco ao governo neste caso é mais indireto. A princípio, pode apenas respingar no presidente", afirma Velloni.

Para além de uma narrativa, os fatos

Os aspectos políticos, que emperram o andamento da reforma da Previdência no Congresso Nacional, parecem ser o principal peso sobre as incertezas que levaram à paralisia da economia no primeiro trimestre deste ano, na avaliação do pesquisador Claudio Considera, do Ibre/FGV, coordenador do Monitor do PIB. Mas ele lembra que o quadro de "compasso de espera" da economia não é novo, está desenhado há dois anos.

A particularidade do cenário do primeiro trimestre é que ele tem um gosto de frustração, pois se segue a quadro de expectativas positivas após as eleições de outubro do ano passado – os ativos negociados em Bolsa se valorizaram, a confiança avançou, lembrou ele.

Mas não dá para ignorar os fatos: na quarta (15), o Banco Central divulgou de que a atividade econômica brasileira registrou retração de 0,68% no primeiro trimestre em relação ao último trimestre de 2018. O IBC-Br, tido como uma prévia do PIB, recuou também na comparação de março com fevereiro, -0,28%. Economistas previam queda de 0,20%, segundo projeções das agências Bloomberg e Reuters.

Isoladamente, os indicadores que compõem a prévia do PIB, da indústria, comércio e serviços, também não mostram reação. Como apontou o editor da Gazeta do Povo Fernando Jasper, ainda em abril, a economia está se arrastando enquanto o governo "briga no parquinho ideológico".

Investidores estrangeiros também estão preocupados

Um analista de um grande fundo de investimento americano, que estava presente na LatAM CEO Conference na quinta-feira (16) mas preferiu não se identificar, disse que os executivos brasileiros têm agora se mostrado mais preocupados e menos otimistas do que em relação ao início do mandato de Bolsonaro. Segundo ele, porém, os brasileiros ainda não estão prontos para admitir que a economia regrediu.

Para Marcos Casarin, economista-chefe para América Latina da Oxford Economics, o estrangeiro não entrou na onda de otimismo com a eleição de Bolsonaro. Logo, a decepção foi maior para os brasileiros.

Da Cidade do México, Casarin disse que os estrangeiros não esperavam uma queda da atividade no Brasil. "Eu mesmo me surpreendi e minimizei o spillover [efeitos] da Argentina. As importações de manufaturados da Argentina diminuíram muito", diz.

Axel Christensen, chefe de investimento estratégico da América Latina do BlackRock, disse à reportagem que os investidores vêm olhando com cautela não só o Brasil, mas a América Latina após eleições recentes. Christensen afirmou que a queda da atividade econômica do Brasil é uma preocupação. Esperava-se do país, segundo ele, uma recuperação mais robusta, uma vez que havia se encerrada uma recessão severa.

Ele destacou atenção ao cenário internacional, com desaceleração após a crise de 2008 na China e em toda a América Latina. O Brasil, apesar desse contexto, disse Christensen, tem frustrado as expectativas.

Ao olhar para dentro do país, o cenário também é preocupante. O chefe de investimentos do BlackRock questiona como o governo vai ser capaz de pressionar o Congresso a aprovar sua agenda de reformas. "Os investidores veem como um risco para o avanço da economia os problemas pessoais de Bolsonaro e as manifestações", disse.

Como afirmou o editor da Gazeta do Povo Guido Orgis, ainda na quinta-feira (16), as milhares de pessoas nas ruas no dia anterior também representaram o fim da ilusão de Paulo Guedes.

"Durante a campanha, Guedes prometeu que terminaríamos 2019 com o déficit público zerado. Isso seria o resultado de muitas privatizações, concessões, aprovação de reformas e racionalização do gasto público. Na prática, qualquer uma dessas ações leva muito mais tempo do que o ministro parecia acreditar no ano passado. Estamos em maio e, por enquanto, só andaram algumas concessões encaminhadas no governo anterior e que já estavam na conta do orçamento", disse Orgis.

Sem acelerar a aprovação das reformas não há como destravar investimentos e retomar a confiança dos investidores para além de soluções temporárias – aquelas que sempre pareceram salvar o país na hora H, mas que, desta vez, nada adiantarão.

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