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Bolsonaro e Angela Merkel são essenciais para tirar o acordo UE-Mercosul do papel
Jair Bolsonaro e Angela Merkel durante o G20 em Osaka, Japão, em 2019: os dois são essenciais para tirar o acordo UE-Mercosul do papel.| Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Um ano após a assinatura, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE) continua em banho-maria. Não só porque falta acertar os últimos detalhes técnicos e jurídicos entre os dois blocos, mas também porque as peças estão se movendo devagar no tabuleiro internacional.

Os fatores principais nessa fase são três: Jair Bolsonaro, a chanceler alemã Angela Merkel e a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus. Cada um tem um papel decisivo para impulsionar a implementação do tratado comercial entre os dois blocos.

1. O papel de Bolsonaro no acordo UE-Mercosul

Não é mistério que a política ambiental do governo Bolsonaro, marcada pelo aumento das queimadas e o avanço do desmatamento na Amazônia, desagrada os europeus e prejudica a imagem brasileira no mundo.

“É pouco provável que, com ele [Bolsonaro] na Presidência, todos os parlamentos europeus aprovem o acordo. A não ser que ele mude completamente a postura”, avalia Miriam Gomes Saraiva, professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Parlamentares da Holanda e da Áustria já rejeitaram a proposta e o tratado encontra resistências também na França, Irlanda e Bélgica. A decisão do parlamento austríaco vincula o governo do país a essa posição. O da Holanda não, mas não deixa de ser um claro sinal de descontentamento com os termos negociados.

O efeito não é apenas simbólico, mas também prático, já que o tratado deverá ser submetido novamente ao escrutínio dos parlamentares.

O acordo UE-Mercosul tem que passar ainda pelos legislativos da maioria dos 27 países membros da União Europeia, pelo Conselho da Europa, pela Comissão Europeia e, finalmente, pelo parlamento do bloco. Um caminho tortuoso.

Fora do Brasil, a atitude negacionista de Jair Bolsonaro no enfrentamento da Covid-19 colabora para torná-lo um "vilão" internacional. E a condução da política exterior pelo chanceler Ernesto Araújo, vista fora do país como "ideológica", tem feito o Itamaraty perder prestígio.

O acordo não é apenas comercial, mas envolve outras questões, como a produção segura dos alimentos, a proteção dos direitos trabalhistas e a aplicação do acordo de Paris sobre mudanças climáticas, que Bolsonaro já ameaçou abandonar.

“A partir do momento em que o presidente adote um tom conciliador, como fez na política interna recentemente, esse acordo tem chance de sair do papel”, avalia João Alfredo Lopes Nyegray, professor de relações internacionais da Universidade Positivo.

A onda verde cresce na Europa e é nesse contexto que se encaixa o interesse pela salvaguarda da Amazônia. As eleições locais francesas, no fim de junho, registraram o triunfo do Partido Verde em várias prefeituras importantes.

E, desde antes da pandemia, a Comissão Europeia vem discutindo o chamado Green Deal, um pacto ecológico para tornar o continente climaticamente neutro até 2050. O plano prevê investimentos estimados em 1 trilhão de euros somente nos próximos dez anos.

Na última Cúpula do Mercosul, no dia 2 de julho, Bolsonaro deu sinais de abertura sobre a questão ambiental. "Nosso governo dará prosseguimento ao diálogo com diferentes interlocutores para desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil e expor a preservação e as ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas", afirmou.

A pressão tem se intensificado nos últimos dias também entre empresários brasileiros e investidores estrangeiros que enviaram duas cartas ao governo para alertar sobre os prejuízos econômicos que a política ambiental está acarretando.

O vice-presidente Hamilton Mourão tentou apagar o incêndio. Eles se encontrou com os empresários e admitiu que o governo demorou no combate ao desmatamento da Amazônia.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em abril havia sugerido de aproveitar a pandemia para "passar a boiada", também recuou e admitiu que a percepção dos investidores estrangeiros sobre a Amazônia é "justa".

2. O fator Angela Merkel

Se o Brasil fizer a lição de casa, a Alemanha pode ser um aliado essencial para tirar o acordo UE-Mercosul do papel. No dia 1.º de julho, o país assumiu a presidência rotativa da União Europeia, o que coloca Angela Merkel, uma das principais defensoras do acordo, na posição de liderar a agenda econômica europeia nos próximos seis meses.

Quando Bolsonaro e o presidente francês Emmanuel Macron trocaram farpas no ano passado, a Alemanha interveio para apaziguar os ânimos. “A não conclusão do acordo com o Mercosul não vai ajudar a reduzir a destruição da floresta no Brasil”, afirmou um porta-voz de Berlim na época.

A indústria alemã pode se beneficiar enormemente do comércio entre os blocos e Merkel não sofre tanto a pressão dos agricultores como, por exemplo, ocorre na França, onde os produtores rurais temem a invasão de commodities a baixo custo, como soja e carne bovina do Brasil e da Argentina.

3. O papel da pandemia para destravar o acordo UE-Mercosul

Com o mundo à beira de uma das maiores recessões da história – o Banco Mundial estima uma contração de 5,5% do PIB global em 2020, sendo de -4,7% na Europa e -7,2% na América Latina –, o acordo UE-Mercosul pode amenizar os efeitos da crise.

“Não dá para pensar em crescimento econômico sem pensar em negócios internacionais”, resume Nyegray. Os dois blocos, que somam 780 milhões de pessoas, geram um comércio anual de R$ 530 bilhões em mercadorias e R$ 204 bilhões em serviços.

Em entrevista à Gazeta do Povo no fim de maio, o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybáñez, garantiu que a ratificação deve ocorrer até o fim do ano e frisou que o acordo “é um dos elementos que pode ser muito importante na saída da crise".

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acredita que o tratado pode ajudar o setor. "[O acordo] pode ter efeito positivo na retomada econômica no pós-pandemia, pois no curto prazo a abertura ocorre antes na Europa do que no Brasil. Além disso, seria um sinal positivo para o ambiente de negócios", informou em nota.

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