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Colheita de soja em abril deste ano no Uruguai, Expedição Safra da Gazeta do Povo
Colheita de soja em abril deste ano no Uruguai, Expedição Safra da Gazeta do Povo| Foto: Michel Willian / Gazeta do Povo

Depois de três anos seguidos de quebra de safra devido a temperaturas escorchantes e secas prolongadas, o agricultor Heiner Luetke Schwienhorst se cansou e decidiu processar o governo mais poderoso da Europa.

O agricultor e pecuarista da região próxima à floresta de Spreewal, ao sul de Berlim, acusa o governo da chanceler Angela Merkel de não agir efetivamente para enfrentar as mudanças climáticas e quer saber porque a redução das emissões de carbono está abaixo da meta, colocando em risco a atividade agropecuária.

“Perdemos um terço da colheita de milheto e metade do volume de feno”, diz Schwienhorst, olhando tristemente para o celeiro quase vazio que precisará encher para assegurar a alimentação de 200 vacas leiteiras nos meses mais duros do inverno. ‘É uma catástrofe”, completa.

Em 31 de outubro haverá audiência judicial sobre o caso de Schwienhorst contra o governo, num processo em que também participam, como interessados, o Greenpeace e outros dois fazendeiros. O julgamento ilustra as dificuldades enfrentadas por Merkel, que, no momento, tenta recolocar nos trilhos um polêmico pacote de US$ 60 bilhões de medidas de proteção ambiental.

Europa na linha de frente

Para Schwienhorst e outros produtores próximos de Berlim, o pacote é insuficiente e chega muito tarde. O balanço da colheita em 2019 está sendo tão sombrio quanto no ano passado, segundo a associação de produtores da região. A situação deles é um resumo do quadro maior envolvendo os agricultores europeus, que estão entre os principais produtores e exportadores do mundo, mas agora se veem na linha de frente do aquecimento global.

O aumento das temperaturas na Itália criou uma praga de insetos devoradores das colheitas e já provocou prejuízo de milhões de euros. O governo suíço disse na semana passada que as temperaturas recordes de 2018, às quais se seguiram mais ondas de calor neste ano, trouxeram “graves consequências” para a agricultura.

E na Finlândia, grande produtor de cevada e aveia, um relatório da Agência Ambiental Europeia mostra que a fertilidade do solo vem se exaurindo por causa da alternância de secas e enxurradas, que levam embora os nutrientes. “Novos recordes (de temperatura) vêm sendo estabelecidos ao redor do mundo devido às mudanças climáticas, e os efeitos adversos já estão afetando a produção agrícola na Europa, especialmente no sul do continente”, diz Hans Bruyninckx, diretor-executivo da agência.

Perguntado sobre a ação movida por Schwienhorst, um porta-voz do Ministério do Meio Ambiente alemão disse que não faria comentários sobre um processo judicial em andamento. Ele reconheceu, contudo, que a Alemanha não conseguirá atingir suas metas de 2020 em relação ao aquecimento global, mas ajustará os planos para cumprir metas mais restritivas previstas para 2030.

Processos judiciais também nos EUA

Recorrer aos tribunais tem sido uma estratégia cada vez mais comum na batalha contra a poluição ambiental. A Exxon Mobil está sendo processada nos EUA por supostamente esconder informações privilegiadas sobre as mudanças climáticas. Em outra frente, a Suprema Corte americana deu sinal verde para que agências governamentais prossigam com processos contra uma dúzia de companhias de óleo e gás, também acusadas de contribuir com o aquecimento global.

Os políticos procuram demonstrar que estão solidários aos agricultores, que formam uma parte importante do eleitorado. O governo de Merkel separou mais de 500 milhões de euros em um pacote de ajuda, enquanto, na França, o ministro da Agricultura Didier Guillaume apresentou em julho um pacote de apoio de 1 bilhão de euros.

No momento, a União Europeia está com estoques repletos de grãos. A colheita de trigo neste ano, na França, esteve entre as melhores já registradas, além do ótimo desempenho dos campos de cevada. Tudo isso deve elevar os estoques mundiais de trigo para um recorde absoluto, segundo as projeções do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Temperaturas mais elevadas têm ajudado alguns cultivos, como o do trigo de inverno na Rússia – maior exportador mundial – que melhorou a qualidade das sementes devido ao clima mais ameno. Segundo um documento da Comissão Europeia, o aquecimento global poderá acabar beneficiando o cultivo de trigo e de milho no leste europeu.

A elevação das temperaturas está impactando a agricultura ao redor do mundo, não apenas na Europa. As melhores condições para cultivo de alguns alimentos estão mudando dos trópicos e das terras baixas para climas mais frios. Os peixes e os frutos do mar também migram para mares mais frios, na medida em que seus habitats vão se aquecendo.

Correntes de ar quente do Saara

A Europa está particularmente mais exposta porque seu clima tem grande influência das correntes de ar. Alterações nas correntes que sopram do oeste e cruzam o Atlântico têm aberto espaço para enormes ondas de calor se deslocarem a partir do deserto do Saara, causando danos às lavouras mais habituadas com clima temperado.

Na Itália, a elevação das temperaturas ajudou a proliferar enxames de percevejos-fedorentos marrons (espécie de maria fede-fede), que têm atacado pomares e lavouras de grãos.

“É uma emergência”, diz Nicola Damonte, que cultiva 50 hectares de árvores frutíferas nos arredores de Ravena e que, neste ano, já perdeu 30% da colheita para os insetos. Ele cobriu os pessegueiros com redes, mas, em alguns casos, a situação acabou piorando. Retidos pelas redes dentro do pomar, os insetos “se multiplicaram exponencialmente”.

Espécie de percevejo-fedorento marrom que está causando prejuízos na Itália (Halyomorpha halys)
Espécie de percevejo-fedorento marrom que está causando prejuízos na Itália (Halyomorpha halys)

Celine Imart, produtora rural de Toulouse, na França, diz que nos últimos anos tem ocorrido uma série de eventos climáticos incomuns na terra em que sua família cultiva, há seis gerações, lavouras de girassol, sorgo, soja e milho. Tempestades de granizo estão mais intensas e danificaram praticamente 50% da colheita deste ano, diz ela.

De volta à Alemanha, Schwienhorst espera que seu processo ajude a conscientizar as pessoas sobre as mudanças climáticas. Ele quer que o judiciário force o governo a apresentar um plano para compensar as metas que não serão alcançadas em 2020. O fracasso em honrar esses compromissos, diz Schwienhorst, é uma infração aos direitos de propriedade, de trabalho e de saúde. “Não quero culpar somente a Angela Merkel. É um problema causado por toda a sociedade”.

Conteúdo editado por:Marcos Garcia Tosi
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