Aprovada pelo Congresso Nacional, a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial vai promover um ajuste fiscal "meia-sola". As medidas de contenção de gasto exigidas pelo governo para retomar o auxílio emergencial neste ano foram bastante desidratadas ao longo das negociações e votações. E, segundo especialistas em contas públicas, algumas delas são só "jogo de cena" ou só poderão ser acionadas no próximo governo.
O texto original da PEC foi escrito pela equipe econômica e estava no Senado desde novembro de 2019. Como continha somente medidas para reduzir as despesas, não teve apoio e não foi levado para votação em plenário.
Neste ano, o governo conseguiu destravar a votação, ao incluir na PEC a volta do auxílio emergencial. Mas teve de ceder em uma série de medidas de contenção de gastos que estavam na proposta para que a emenda fosse aprovada em dois turnos nas duas casas do Congresso (veja lista). E algumas das medidas que ficaram estão recebendo críticas de especialistas.
Por exemplo, a PEC determina que o presidente da República encaminhe ao Congresso, em até seis meses após a promulgação da PEC, um plano prevendo a redução gradual dos gastos tributários para até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2029, começando com 10% já no primeiro ano de aplicação da medida. Isso representaria uma redução à metade do nível atual de incentivos fiscais.
Só que a PEC excetuou seis grandes incentivos fiscais. Eles – que representam o equivalente a 48,5% do total da renúncia prevista para 2021 – ficarão de fora da redução. Ou seja, praticamente metade dos benefícios vigentes não poderá entrar no plano de redução, e a outra metade terá de acabar, o que é visto como inviável politicamente.
A PEC não determina a obrigatoriedade de a proposta ser aprovada pelo Congresso, que normalmente se posiciona contra a redução desses benefícios. O texto também não fala em sanções caso o Congresso não aprove o plano ou caso o presidente não encaminhe o projeto.
Além disso, a regra para disparar medidas de contenção de gastos para a União só deve ser acionada em 2025, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Com isso, o governo poderá dar reajustes ao servidores, se quiser e se houver espaço orçamentário, em 2022, 2023 e 2024. Pela situação das contas públicas, especialistas esperavam que as medidas pudessem ser acionadas mais cedo.
"Em 2022, a PEC não gerará ajuste algum. Repito, ajuste zero para a União como consequência dessa PEC. Inclusive, a depender da inflação do fim do ano em relação à do meio do ano, poderá haver espaço para conceder reajustes salariais, curiosamente, em ano eleitoral", escreveu o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, no seu perfil no Twitter.
Confira o que ficou na PEC e as principais desidratações:
O que ficou de fora da PEC
- Redução em 25% da jornada e do salário dos servidores públicos;
- Fim dos pisos mínimos de gastos com saúde e educação para União, estados e municípios;
- Suspensão das progressões e promoções dos servidores em caso de calamidade pública ou emergência fiscal;
- Fim das transferências do PIS/Pasep ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do BNDES; e
- Desvinculação de recursos de alguns fundos e órgãos específicos, como da Receita Federal, das Telecomunicações, do Meio Ambiente e da Mudança do Clima.
O que ficou na PEC
- Autorização para pagamento de uma nova rodada de auxílio emergencial em 2021, fora das regras fiscais vigentes (teto de gastos, regra de ouro e meta de resultado primário), limitado ao valor de R$ 44 bilhões;
- Medidas de contenção de gastos (gatilhos) serão automaticamente acionadas quando a União ou qualquer outro órgão federal tiver despesas obrigatórias primárias previstas na lei orçamentária equivalentes a mais de 95% da despesa primária total sujeita ao teto de gastos (estado de emergência fiscal);
- No caso de estados e municípios, as medidas podem ser acionadas quando as despesas correntes superarem a marca de 95% das receitas correntes, no período de 12 meses, ou quando a relação atingir 85%, mas desde que tenha o aval do legislativo (estado de emergência fiscal);
- As medidas de contenção de gastos são: conceder reajustes a servidores públicos civis e militares; fazer contratações, salvo exceções; abrir concursos públicos, salvo exceções; criar cargos, salvo exceções; criar novas despesas obrigatórias de caráter continuado; e conceder ou ampliar subsídios e incentivos tributários;
- Regras do estado de emergência fiscal também valem para Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública federais e locais;
- Caso o Congresso decrete estado de calamidade pública, a pedido do presidente da República, a União, estados e municípios devem adotar as medidas de contenção de gastos citadas acima, salvo exceções para não prejudicar o combate à calamidade. A União também pode pagar despesas emergenciais relacionados à calamidade fora das regras fiscais e adotar processos simplificados para contração de pessoa, serviços e compras (vale também para Estados e municípios);
- Estados e municípios ganharam mais cinco anos para pagar os precatórios, que são dívidas criadas a partir de decisões judiciais. O novo prazo para quitação dos débito é 31 de dezembro de 2029;
- Presidente da República precisa encaminhar ao Congresso, em até seis meses após a promulgação da PEC, um plano prevendo a redução gradual dos gastos tributários (salvo exceções) para até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2029, começando com 10% já no primeiro ano de aplicação da medida;
- Lei complementar tratará de critérios objetivos, metas de desempenho e procedimentos para a concessão e a alteração de incentivo ou benefício fiscais, além de trazer regras para a avaliação periódica obrigatória dos impactos econômico-sociais desses incentivos;
- Lei complementar definirá indicadores de sustentabilidade da dívida pública, de modo a especificar: indicadores de sua apuração, trajetória de convergência aos limites estabelecidos na legislação, resultado primário compatível, medidas de ajuste, suspensões e vedações e planejamento de venda de ativos; e
- Permite ao Executivo usar, até o fim de 2023, o superávit financeiro dos seus fundos públicos para pagar a dívida pública, salvo os fundos de fomento e desenvolvimento regionais, Fundeb e os citados no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal. A medida vale inclusive para estados e municípios.
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