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Centro de logística da Amazon em Robbinsville, Nova Jersey.
Centro de logística da Amazon em Robbinsville, Nova Jersey.| Foto: Victor J. Blue/Bloomberg

Logo após ser nomeado chefe de logística global da Amazon em 2013, Dave Clark realizou uma teleconferência. Durante a reunião, de acordo com um dos participantes, Clark descreveu um hábito de início da carreira: espreitava nas sombras dos armazéns da Amazon, procurando por preguiçosos que pudesse demitir. O causo lhe rendeu o apelido de Sniper. Clark fala em tom monótono, mas a mensagem era suficientemente clara: o novo chefe queria que seus subordinados soubessem que ele não deixaria nada atrapalhar seu objetivo de garantir que os clientes recebessem seus pedidos dentro do prazo.

O Sniper demonstrou sua determinação mais uma vez recentemente, em 15 de dezembro, quando – no auge da corrida de compras de fim de ano – "demitiu" a FedEx. A equipe de Clark notou que o desempenho de entregas da parceira estava diminuindo e proibiu o uso terrestre da gigante da logística pelo resto da temporada.

Clark não esqueceu de um episódio simbólico de 2013. Apenas alguns meses depois de assumir o posto, uma combinação de mau tempo e gargalos logísticos atrapalhou as entregas daquele Natal e forçou a Amazon a emitir reembolsos para compradores irados. Foi um revés sem precedentes para uma empresa que defende ter seus clientes no centro do negócio. Determinado a evitar que o problema se repetisse, Clark gastou bilhões construindo uma operação de entrega que inclui uma rede mundial de armazéns cheios de robôs, frotas de aviões e vans de entrega e centenas de milhares de trabalhadores.

A ideia era afastar a Amazon de sua dependência de parceiros como FedEx e UPS, que têm relutado em investir em capacidade extra durante o breve período de compras do fim de ano. Em agosto, de acordo com uma pesquisa do Morgan Stanley, a própria Amazon já entregava 46% das compras feitas em sua plataforma, e hoje envia 2,5 bilhões de pacotes por ano, número não tão distante dos 3 bilhões da FedEx e 4,7 bilhões da UPS. Alguns analistas acreditam que a máquina de entregas construída por Clark pode, um dia, se tornar um negócio totalmente novo e acabar com a primazia alheia.

Presente e futuro

O chefe de Clark, o CEO da Amazon Jeff Bezos, pode sonhar com um futuro em que a entrega rápida é amplamente delegada a drones voando pelos céus e robôs rolando pelas calçadas, mas o chefe da logística habita um presente mais confuso, dependente de trabalhadores, e há pressões sobre a formidável máquina de entrega da Amazon. A baixa taxa de desemprego nos EUA significa que os parceiros de entrega estão constantemente atrás de motoristas para substituir os que por vezes abandonam o volante no meio da rota, no primeiro dia de emprego, e há sempre os riscos de acidentes de trabalho.

Investidores também estão preocupados com custos. Em outubro, a Amazon registrou seu primeiro declínio trimestral em relação ao ano anterior desde o início de 2017, reflexo de despesas mais altas do que o esperado. As ações caíram, mas vem se recuperando desde então, mas em meio a esse cenário surgem também "danos colaterais", dentro e fora das instalações da Amazon.

A questão pode tornar alguns executivos mais cautelosos, mas não Bezos e Clark. Lidando com a crescente concorrência de outras varejistas, como Walmart e Target, a Amazon se comprometeu no início deste ano a entregar milhões de produtos em apenas um dia.

Promessa feita, Dave Clark terá que honrá-la durante uma temporada de compras natalinas quase uma semana mais curta do que a do ano passado, mantendo os trabalhadores em segurança e os clientes satisfeitos. Ele teve sucesso nas últimas duas décadas, em que as vendas das festas de fim de ano aumentaram 30 vezes, para US$ 144 bilhões. Ainda assim, alguns observadores acreditam que, ao crescer tão rápido, a Amazon está cortejando desastres.

"Ninguém tem um sistema de transporte projetado para lidar com o tipo de crescimento que vimos no comércio eletrônico", diz Marc Wulfraat, cofundador da consultoria de logística MWPVL International. "A Amazon está apenas trazendo o problema da UPS para si, mas ainda é o mesmo problema fundamental de falta de capacidade."

Os riscos da velocidade

Clark está na Amazon desde 1999 e subiu rapidamente na empresa. Essa longevidade fez dele um dos maiores e mais antigos "zeladores" da empresa, que conhece todos os cantos do negócio e que se distinguiu por assumir grandes riscos, raros em logística, já que a maioria dos executivos não tem permissão para perder dinheiro na mesma medida em que isso é tolerado na Amazon.

Um momento decisivo ocorreu em 2012, quando a empresa comprou a fabricante de robôs Kiva Systems para tornar seus armazéns mais eficientes. Então, os trabalhadores andavam quilômetros todos os dias buscando produtos; em vez disso, a aposta era que os robôs lhes trouxessem os produtos. O preço, de US$ 775 milhões, representou a segunda maior aquisição da Amazon na época, atrás da vendedora de calçados on-line Zappos. Quebrando o silêncio em uma reunião, de acordo com um participante, Clark disse: "Eu só conheço uma maneira de jogar pôquer e isso é tudo", depois empurrou uma pilha imaginária de fichas para o centro da mesa de conferência.

Hoje, a Amazon tem mais de 200 mil robôs em todo o mundo, mas, obviamente, a automação trouxe suas próprias dores de cabeça. Primeira delas: expôs a Amazon a acusações de que estava procurando – eventualmente – acabar com centenas de milhares de empregos. Além disso, às vezes os robôs erram. No ano passado, um deles perfurou uma lata de repelente de ursos em um armazém de Nova Jersey, enviando duas dúzias de trabalhadores para o hospital.

Na verdade, a automação não pode resolver o apetite insaciável da Amazon por mais capacidade de entrega. A cada temporada de férias, a empresa contrata legiões de trabalhadores temporários – este ano, atrairá 200 mil deles, o dobro do número necessário em 2018.

Espera-se que esses recrutas se adaptem rapidamente a um ritmo acelerado de erguer caixas pesadas e atingir métricas exatas, mas há riscos. Em 2013, um trabalhador temporário morreu esmagado em um sistema de transporte de triagem de embalagens da empresa em Nova Jersey. Dois anos depois, reguladores federais inspecionaram um armazém da Amazon na mesma cidade e multaram a empresa por não reportar pelo menos 26 doenças e acidentes relacionados ao trabalho.

Na ocasião, Clark respondeu rapidamente, exigindo relatórios mais detalhados de feridos em todas as instalações da Amazon, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. A Amazon atribui esse reforço a descobertas de um relatório recente, apontando que as taxas de lesões em 23 instalações da Amazon são mais do que o dobro da média norte-americana. Já especialistas do setor de logística afirmam que incentivos financeiros, como bônus de segurança, desencorajam relatórios precisos, dificultando a obtenção de referências.

Entregas independetes

Em 2016, a Amazon lançou uma operação de carga aérea que ajuda a despachar estoques para todas as regiões dos EUA, atender à crescente demanda e permitir entregas mais rápidas. A mudança se tornou um símbolo das ambições logísticas da Amazon e da fé de Bezos em Clark, com aviões saindo de mais de 20 aeroportos de todo o país. A Amazon continua expandindo a frota e espera ter 70 aviões até 2021.

Jato de carga da Amazon Prime Air fica no hub da DHL Worldwide Express, em Cincinnati. Foto: Luke Sharrett/Bloomberg
Jato de carga da Amazon Prime Air fica no hub da DHL Worldwide Express, em Cincinnati. Foto: Luke Sharrett/Bloomberg| Bloomberg

A Amazon Air trouxe seu próprio conjunto de desafios. Os pilotos do sindicato fazem piquetes todos os anos fora da reunião anual de acionistas da Amazon em Seattle, para protestar contra a baixa remuneração e a escassez de pessoal que, segundo eles, resultam em condições inseguras de trabalho. Cerca de 250 pilotos, incluindo alguns que voam para a Amazon, fizeram uma breve greve em 2016 antes de um juiz ordenar a volta ao trabalho. Em fevereiro, um jato de carga que transportava pacotes da Amazon caiu enquanto se preparava para pousar perto de Houston e as três pessoas a bordo morreram.

O caso continua em investigação e a família de um dos pilotos entrou com uma ação contra a Amazon. O processo alega que a empresa contribuiu para um ambiente de trabalho inseguro, sobrecarregando os pilotos até o ponto de fadiga.

Além de aviões, a Amazon passou os últimos anos experimentando uma nova rede de entrega através de correios regionais para reduzir sua dependência de grandes parceiros de entrega. Mais uma vez, a necessidade de capacidade extra tornou a empresa vulnerável a incidentes sobre os quais tem pouco controle e tem de lidar com flagrantes de entregadores arremessando pacotes como frisbees ou bolas de boliche.

Enquanto isso, Dave Clark exala confiança em um vídeo da Amazon, postado no Twitter, sobre o seu 21º Natal na companhia. "É tudo uma questão de preparação", diz ele, sentado em frente a uma pilha de caixas de papelão estampadas com o logotipo do sorriso da Amazon: "acho que as equipes estão preparadas para entregar mais uma maravilhosa temporada de férias".

Conteúdo editado por:Cristina Seciuk
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