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Sérgio Correia: “há um baixo interesse em modernização no Brasil.” | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Sérgio Correia: “há um baixo interesse em modernização no Brasil.”| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

O setor de serviços já responde por 71% do PIB brasileiro. Para economias desenvolvidas, esse é um porcentual normal, sinal da transição para uma estrutura econômica pautada pelas atividades criativas, com concentração da manufatura apenas em itens de maior valor agregado. Não é o caso brasileiro. Sem a demanda de uma indústria de ponta, os serviços dominam o PIB sem gerar o mesmo valor que em países ricos.

Indústria e serviços vivem em simbiose. Não há como uma fábrica produzir sem contar com projetos de engenharia, transporte e comunicações. E quanto mais complexa a estrutura industrial de um país, mais sofisticada e densa a rede de fornecimento de serviços.

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Em países avançados, uma parte significativa do valor agregado pela indústria vem dos serviços. Nos Estados Unidos, por exemplo, 22,2% do que é agregado pelo setor industrial vem dos serviços comprados pelas empresas. No Brasil, essa participação é de apenas 12,5%, um reflexo direto da baixa complexidade da cadeia produtiva.

“Nos EUA, os serviços se desenvolveram por demanda da indústria. Hoje, 70% da pesquisa em serviços é financiada pela indústria”, diz o economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), um dos especialistas que vêm tentando desvendar as razões para a baixa demanda por serviços sofisticados, um fenômeno que torna o setor pouco produtivo no país.

Excesso de proteção

Uma das explicações é que a indústria brasileira cresceu em um modelo protegido, de substituição de importações. Levado por décadas, o sistema fez com que as empresas locais deixassem de brigar pelo mercado internacional e trabalhassem com menor absorção de tecnologia.

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“Temos um setor de serviços hipertrofiado. Aqui, as empresas de telecom brigam mais pelo mercado do consumidor final. Nos EUA, esse mercado é só um complemento aos serviços prestados às empresas”, exemplifica Arbache.

O cenário de câmbio valorizado da última década dificultou ainda mais a relação entre indústria e serviços. Ao mesmo tempo em que perdia competitividade lá fora, o setor industrial viu os preços de serviços dispararem. Com serviços caros, muitas empresas preferem postergar investimentos e manter modelos produtivos antigos.

Balança

Além de agregar pouco valor na indústria, o setor brasileiro de serviços tem um peso importante no balanço de pagamentos do país. O resultado dessa conta saltou de um déficit de US$ 6,9 bilhões, em 1999, para US$ 48,9 bilhões, em 2014. Entram na conta os gastos de turistas no exterior, pagamentos de patentes, serviços de transporte, compra de projetos de engenharia, entre outros itens.

Dois mundos

O setor de serviços pode ser dividido em mundos diferentes. Há uma parcela que é formada por pequenas empresas que prestam serviços às famílias, com poucos funcionários sem muita qualificação. Nesse grupo, cada negócio gerava em média R$ 13,5 mil por mês em valor adicionado, em números de 2011. Cada funcionário agregava em média R$ 1,9 mil. Os serviços profissionais, em que entram aqueles prestados a empresas, tinham uma geração de R$ 48,8 mil por negócio e R$ 3,5 mil por funcionário, ao mês.

O crescimento do setor de serviços por demanda do consumidor final, portanto, é menos eficiente como ferramenta de desenvolvimento econômico. Desatar os nós que seguram o crescimento da indústria de ponta seria um começo para inverter o foco também no setor de serviços. “O sistema tributário brasileiro penaliza empresas com cadeias produtivas longas e a pouca concorrência em alguns setores mais protegidos distorce o incentivo para inovar”, explica o economista Luciano Nakabashi, professor da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. E não são só as indústrias que sofrem com isso.

Perda de produtividade

A produtividade de indústria e serviços andam lado a lado. Análises recentes mostram que a indústria de transformação vinha perdendo produtividade nos últimos anos, com aumento do custo da mão de obra acima da expansão na produção. O cenário não é muito diferente nos serviços, em especial aqueles consumidos pelas empresas. De acordo com um estudo do Ipea, a produtividade da indústria de transformação entre 2000 e 2009 caiu a uma taxa de 0,8% ao ano. Nos serviços, o crescimento foi de 0,6% ao ano, mas essa expansão ocorreu em segmentos como intermediação financeira e serviços de utilidade pública. Já a produtividade na agropecuária cresceu 3,8% ao ano e na indústria extrativa, 2% ao ano. “O país terá de voltar a fazer manufaturas com ganho de produtividade para ganhar espaço no comércio internacional. Precisamos voltar a abrir mercados”, diz Paulo Gala, estrategista e diretor da Fator Administração de Recursos.

Tecnologia aprofunda simbiose entre setores

Uma relação profunda entre indústria e serviços é um dos fatores por trás do Vale do Silício. A aglutinação de empresas de tecnologia nessa região da Califórnia começou no fim dos anos 30 e tomou corpo com a fabricação de semicondutores nos anos 50 e 60. Os novos equipamentos de tecnologia tinham apelo para grandes indústrias, que tinham capital para investir na modernização das fábricas e da gestão dos negócios. E junto com os equipamentos iam os serviços de engenharia da computação e de softwares. O Vale não começou com aplicativos para tomar táxis, mas com soluções para grandes empresas.

Essa relação também ocorre em exemplos locais, como o da paranaense Bematech, recentemente comprada pela Totvs. No início, o foco da companhia era produzir pequenas impressoras usadas em automação bancária. Ela era basicamente uma fabricante de hardware. As maquininhas tomaram conta do varejo, agregaram novas funções, e foram complementadas por softwares.

A prestação de serviço se tornou importante a ponto de a Bematech comprar empresas com soluções para segmentos como restaurantes e hotéis. Há dez dias, a companhia acabou “abocanhada” pela Totvs, que está entre as maiores prestadoras de serviços de software “no atacado” – atendendo também indústrias com soluções para a gestão de automação e logística.

Ambiente de negócios é gargalo para prestador de serviços

Com 21 anos de atuação, a consultoria RoqueCorreia Automação já viu várias crises, mas nenhuma com uma reação tão lenta como a que se abateu sobre a indústria nos últimos quatro anos. Os investimentos vêm sendo feitos a contagotas, o que obriga a empresa, que faz projetos de automação, a se concentrar em outros mercados, como geração de energia e de saneamento.

“Há, além do cenário econômico, um interesse baixo em modernização no Brasil”, diz Sérgio Luiz Correia, um dos sócios da empresa. “Muitas vezes vamos até a fábrica oferecendo um projeto e demonstramos que o retorno do investimento em novas soluções é maior do que o gasto, mas nem isso convence.”

A implantação de novos processos de automação é uma condição necessária para a indústria ganhar competitividade e, ao mesmo tempo, ser capaz de fabricar produtos com maior tecnologia e qualidade. “Os preços dos equipamentos baixaram, então seria um bom momento para investir para ganhar escala e melhorar a qualidade dos produtos”, diz.

A RoqueCorreia tem hoje 40 funcionários, todos com nível técnico ou formação em engenharia. “Temos o conhecimento técnico e acesso à tecnologia. Nosso gargalo é o ambiente de negócios”, resume Correia.

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