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É como aquela velha pergunta da loteria. O que você faria se ganhasse US$ 600 bilhões? Colocaria uma parte na poupança para ganhar rendimentos, compraria um iate, uma casa na praia, barras de ouro, ações da Petrobras? Tudo isso e mais um pouco vai acontecer com o pacote de compra de títulos anunciado na última semana por Ben Bernanke, presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos. Como o valor é bem maior do que um prêmio de loteria – mais de 2 mil vezes maior do que a Mega-Sena da virada – as implicações vão um pouco além dos sonhos dos novos-ricos.

O Fed está imprimindo dinheiro (US$ 600 bilhões, em torno de um terço do PIB do Brasil), jogando no mercado em troca de títulos, à espera de que os juros de longo prazo nos EUA caiam e estimulem as pessoas a comprarem e as empresas a investirem. Em um mundo perfeito, a política estimularia somente investimentos produtivos e o consumo sustentável, enfraqueceria somente o dólar diante de outras moedas, dando força para as exportações americanas, e não acarretaria qualquer risco de longo prazo, como uma guerra comercial e inflação. Mas muito do dinheiro vai para o lugar errado. Vai "vazar" para outras economias, onde o retorno da poupança é mais alto, será usado para comprar ouro, e será aplicado nos mercados de ações do mundo todo.

A política do Fed é necessária. A economia dos EUA continua debilitada, três anos depois de ser sacudida pelo estouro da bolha imobiliária, o desemprego está alto, os estímulos concedidos até agora foram insuficientes e o clima político em Washington está ruim. Ben Bernanke já foi alvo de piadas por dizer, um pouco antes do início da fase mais aguda da crise, que há situações em que é necessário "jogar" dinheiro na economia de helicóptero – uma referência ao Nobel de economia Milton Friedman que na prática significa uma política agressiva de expansão do volume de dinheiro em circulação. Quando os mercados entraram em colapso, o Fed fez isso ao derrubar os juros e comprar títulos no mercado, medida que entra agora em uma versão 2.0. O tempo mostrou que ele estava certo para conter a crise, mas não que isso é suficiente para superá-la.

A decisão do Fed deve enfraquecer o dólar e elevar o risco de bolhas em mercados emergentes. É a única alternativa palatável para o público americano diante de desequilíbrios que não estão sendo corrigidos pela diplomacia. Diversos países escolheram o caminho das exportações para crescer. O exemplo mais evidente é a China, que mantém sua moeda desvalorizada para conquistar mercados. Os Estados Unidos precisam exportar mais enquanto suas famílias poupam para recuperar o poder de compra. A outra opção, mais difícil, é uma deflação que restaure a competitividade das exportações americanas. É a pior alternativa para todos, porque alguns anos de recessão na maior economia do mundo roubarão pontos preciosos do crescimento mundial.

A recuperação do balanço global é só um dos aspectos para os quais o Fed olha. É preciso restaurar a confiança das em­­presas para que os empregos voltem a ser abertos e as pessoas tenham mais facilidade em pagar dívidas e voltar a consumir. Só que isso a política monetária não faz sozinha. Os pacotes de estímulo lançados pelo governo foram insuficientes para gerar empregos e o debate agora está dividido entre os que acreditam que é hora de o setor público gastar menos e deixar mais espaço para o setor privado investir, e aqueles que pedem novos estímulos. As eleições da última semana não ajudam a resolver essa disputa, já que o Congresso tende a escolher a primeira saída e o presidente Barack Obama, a segunda.

Para o Brasil, o pacotão do Fed é mais uma fonte de pressão sobre o câmbio. Haverá mais pedidos da indústria por medidas para segurar o dólar, enquanto outros setores vão comemorar a sustentação nos preços das commodities. Ao mesmo tempo, os juros baixos lá fora abrem oportunidades para captações baratas para as empresas. Se resistir à tentação de ferir o câmbio flutuante e de apelar para o protecionismo comercial, o Brasil tem mais uma chance (pelo menos até que estoure mais uma bolha por aí) de fazer uma política industrial coerente, baseada na redução geral dos custos para investimentos e estímulos para pesquisa e desenvolvimento, e de conduzir um ajuste fiscal que leve a uma redução dos juros no longo prazo.

Guido Orgis é jornalista e mestre em Economia Política

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