• Carregando...
Brasil e Argentina
O embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, e o governador paranaense, Ratinho Jr., em encontro em Curitiba no dia 10 de novembro.| Foto: Geraldo Bubniak/AENPR

A Argentina conduz um trabalho de “reconstrução” da relação com o Brasil e os resultados já começam a aparecer, com uma recuperação do comércio bilateral nos últimos meses. A avaliação é do embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli. Segundo ele, como resultado de um esforço para “buscar o interesse comum”, o Brasil voltou a ser “o sócio comercial número um da Argentina no mundo”.

“As perspectivas são muito positivas, porque a indústria automotiva está mostrando uma grande recuperação, e todo o complexo agroalimentar”, disse Scioli em entrevista à Gazeta do Povo no dia 10, quando esteve em Curitiba para uma reunião com o governador do Paraná, Ratinho Jr.

Brasil e Argentina comercializam entre si principalmente produtos da indústria de transformação. Mais de 30% das exportações e importações envolvem o setor automotivo, com intercâmbio de veículos, motores e autopeças entre montadoras instaladas nos dois países.

Comércio entre Brasil e Argentina reage, mas ainda é o pior em mais de 15 anos

Em recuperação desde junho, a corrente de comércio entre os dois países – isto é, a soma do que um vende para o outro – chegou a US$ 1,61 bilhão em outubro, o maior valor em um ano e 27% acima da média mensal dos nove primeiros meses de 2020. O número, no entanto, ainda ficou 5% abaixo do registrado no mesmo mês de 2019.

O desdobramento dos dados – extraídos da plataforma Comex Stat, do governo federal – mostra que as exportações do Brasil para a Argentina estão se recuperando mais rápido que as vendas de lá para cá.

Em outubro, as empresas brasileiras exportaram US$ 820 milhões em mercadorias para o país vizinho, o maior volume do ano e 12% maior que o de outubro de 2019. No sentido oposto, US$ 799 milhões em produtos argentinos entraram no Brasil, o melhor desempenho desde março. Mas, na comparação com o mesmo mês do ano passado, houve queda de 18%.

Apesar da melhora recente, os negócios entre os dois países ainda estão no pior patamar em mais de 15 anos. No acumulado de 2020, as exportações para a Argentina somam US$ 6,7 bilhões, 19% abaixo do registrado no mesmo intervalo de 2019. As importações, por sua vez, caíram 28%, para US$ 6,4 bilhões.

Com isso, a corrente comercial acumulada em 2020, de US$ 13,1 bilhões, está 24% menor que a do mesmo período do ano passado, e também é a pior para o intervalo janeiro-outubro desde 2004.

Pandemia derrubou negócios entre os dois países, que já vinham mal

Para além das diferenças ideológicas e das trocas de farpas entre Jair Bolsonaro e o presidente argentino, Alberto Fernández, o comércio bilateral foi muito prejudicado pela pandemia de coronavírus e pelas dificuldades econômicas dos dois países, em especial da Argentina.

O país vizinho voltou a adotar barreiras burocráticas no comércio exterior, atrasando a emissão de licenças de importação para produtos brasileiros, de setores como automotivo, máquinas e equipamentos, têxtil e insumos para a construção civil.

Mas a queda no comércio entre Brasil e Argentina começou muito antes. No melhor momento, em 2011, os negócios entre os dois países somaram quase US$ 33 bilhões. Passaram a cair desde então, com poucas interrupções, até chegar a US$ 17,2 bilhões no ano passado.

Para Scioli, no entanto, o pior está ficando para trás. “O importante é que o volume de intercâmbios está alcançando os níveis pré-pandemia. Creio que para fim de novembro vamos recuperar o que tínhamos no início do ano”, previu.

“Esse crescimento ocorre porque estamos trabalhando juntos, com Itamaraty, com o Ministério de Relações Exteriores da Argentina, com as empresas, com a CNI [Confederação Nacional da Indústria], com Fiep [Federação das Indústrias do Paraná], com as câmaras binacionais”, completou.

Relação entre Brasil e Argentina esfriou após eleição de Fernández

Empresário e político, Daniel Scioli governou a província de Buenos Aires entre 2007 e 2015. Antes, foi vice-presidente da Argentina de 2003 a 2007, época que os governos dos dois países, então presididos por Néstor Kirchner e Lula, estreitaram laços. O oposto do que ocorre há cerca de um ano.

A relação entre os dois países esfriou após a eleição do kirchnerista Fernández para a presidência da Argentina, em outubro de 2019. Bolsonaro – que apoiou Mauricio Macri, derrotado em sua tentativa de reeleição – chegou a dizer que os argentinos escolheram mal e que não cumprimentaria o novo presidente. Fernández também criticou Bolsonaro. Na campanha eleitoral, classificou o brasileiro de “um racista, um misógino e um violento que é a favor da tortura”.

Quase um ano após a posse do argentino, os dois não tiveram qualquer encontro. E Bolsonaro mantém o discurso de que a Argentina corre o risco de se tornar “uma nova Venezuela”. No mês passado, por exemplo, pediu a Deus “que salve nossos irmãos mais ao Sul”, que segundo ele estariam ameaçados de perder sua liberdade, tal como os venezuelanos.

Mas, para o embaixador argentino, as ideologias diferentes “não entram no caminho” e o objetivo é “buscar junto o interesse comum, o ponto de encontro”. “Prova disso é que todos os ministros do governo Bolsonaro fizeram reunião com seu par argentino. Há aqui um renovado entusiasmo da relação bilateral”, disse à Gazeta do Povo.

“Juntos vamos nos recuperar mais rápido das consequências que trouxe a pandemia, a perda de empregos. Meu primeiro encontro com o presidente Bolsonaro [em agosto] foi positivo. E a partir daí começou-se um trabalho de reconstrução da relação institucional, comercial e econômica”, contou.

“A Argentina não é a Venezuela”, diz embaixador

Scioli também comentou a frequente comparação de seu país com a Venezuela, cuja população vive em meio ao caos econômico e social. “A Argentina não é Venezuela, não está no caminho de se tornar uma Venezuela. As medidas que a Argentina está tomando, em muitos casos, são similares à que tomou o governo do Brasil, como o auxílio familiar emergencial”, disse.

“O que buscamos então, diante das consequências da pandemia, é garantir a renda. A partir de agora, que vai normalizando, a economia argentina mostra sinais de crescimento e recuperação. E a economia brasileira também. Juntos, acredito que bons tempos estão por vir.”

Scioli afirmou ter sido incumbido pelo presidente Fernández de “priorizar a integração, a complementação produtiva, a integração de energia, a integração de infraestrutura”. Um dos temas tratados com Ratinho Jr. foi a proposta de construção de um corredor ferroviário bioceânico. O projeto, do qual o governador paranaense é entusiasta, pretende unir os portos de Paranaguá, no Paraná, e Antofagasta, no Chile, por meio de uma ferrovia que passaria também por Paraguai e Argentina.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]