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| Foto: GILLES SABRIE/NYT

Ji Wanchang caminhava por um shopping de luxo da capital chinesa em busca de casacos refinados. Em uma loja, porém, um atendente lhe disse que um casaco com gola de pele da Moncler, entre outros, eram “amostras”, não estavam à venda.

Um segundo atendente, vendendo um Yves Salomon forrado com pele de lobo, afirmou que o casaco estava reservado. Ji suspirou. Nos dois casos, a pele não combinava com as etiquetas, ele suspeitou – e os vendedores sabiam que vender um falso para Ji, bem conhecido em muitos shoppings da China, significaria um grande problema.

“Senhora, não quero dificultar as coisas”, ele disse a uma atendente, que concordou e o cumprimentou com uma mesura. “Achei problemas em suas roupas, então, por favor, conserte isso.”

Ji é o que se conhece na China como caçador profissional de falsificações. Meio Ralph Nader, meio caçador de recompensas, Ji procura produtos falsos ou de baixa qualidade nas lojas. Então, usando as leis de proteção ao consumidor do país, ele ganha dezenas de milhares de dólares das empresas que as vendem ou fabricam. As leis fazem parte de um esforço crescente da China para extirpar roupas, eletrônicos e alimentos falsos que inundam as lojas e frustram tanto empresas quanto consumidores.

Caçadores profissionais de produtos falsos

Agora, todavia, o ganha-pão de Ji está ameaçado. Autoridades afirmam que ele e um número desconhecido de outros como ele estão abusando de uma lei criada unicamente para dar poder aos consumidores para denunciar falsificações. Se as novas regras propostas pelo governo forem aceitas, pessoas como Ji não poderão mais ser profissionais da caça.

Embora a China esteja crescendo a amadurecendo, passando a proteger marcas e ideias, ainda luta para se livrar das falsificações. Governos de outros países, empresas estrangeiras e o número crescente de consumidores seletivos reclamam que os produtos falsificados prejudicam tanto as marcas quanto as pessoas comuns. Os líderes chineses aumentaram os esforços para identificá-las, em parte para proteger empresas locais que estão começando a produzir seus próprios produtos inovadores. No ano passado, os tribunais chineses julgaram 120 mil casos de propriedade intelectual, um crescimento de nove por cento sobre 2014, segundo dados da imprensa oficial.

Lei contra a falsificação

Uma tentativa antifalsificação pretendia dar força ao consumidor. Em 2009, o governo prometeu aos consumidores que se eles achassem um produto que violasse as leis de segurança, ganhariam dez vezes o seu valor em indenização. Em 2013, a China reforçou uma lei anterior de proteção ao consumidor elevando o pagamento para os compradores de outros tipos de falsificações, enquanto uma decisão da Suprema Corte chinesa era vista como uma declaração de apoio aos caçadores de falsificações.

Ji e colegas empregaram essas leis para tirar vantagem, comprando falsificados a granel – quanto mais adquiriam, maior a indenização – e enchiam suas despensas com esses produtos. O grupo de Ji, Estúdio de Trabalho de Defesa dos Direitos Antifalsificação, tem uma rede de 20 informantes que denunciam produtos suspeitos de falsificação. Segundo ele, o maior sucesso até agora foi embolsar US$ 178 mil em compensação de uma empresa que tentou vender cobertores como sendo de cashmere pura.

Entre as empresas estrangeiras, pessoas como Ji tem fãs.

“Em algumas circunstâncias, muitos de meus clientes iriam apoiar as atividades desses tipos de consumidores guerreiros porque, no fim das contas, eles podem revelar informações que nos ajudem a fazer o nosso trabalho”, diz Scott Palmer, advogado especializado em propriedade intelectual da Sheppard, Mullin, Richter & Hampton, que representa corporações norte-americanas na China.

Mas as autoridades públicas reclamam que o programa é cada vez mais caro e abusado. Até alguns grupos empresariais estrangeiros reclamam. Os caçadores de falsificação somente lucram “com reclamações que visam erros menores na etiqueta em vez da verdadeira qualidade ou questões de segurança”, diz James Zimmerman, presidente da Câmera Americana de Comércio da China.

Uma proposta do governo, divulgada em agosto e ainda sob avaliação oficial, afirma que o pagamento pelas falsificações não estaria disponível para quem as buscasse “com propósitos comerciais”.

Ao defender seu trabalho, Ji declara que tem de recuperar as custas legais, as quais paga quando as empresas acusadas de vender falsificações contra-atacam. Ele afirma ganhar cerca de US$ 148 mil anuais, mas, descontadas as despesas, embolsa entre US$ 30 mil e US$ 44 mil.

“Quando encontram um produto falso, mais de 80 por cento dos chineses deixam para lá, não levam muito a sério, desde que suas vidas não corram perigo. Se existirem mais guerreiros profissionais combatendo a falsificação, a qualidade dos produtos vai melhorar de uma vez”, afirma Ji.

Em outubro, Ji compareceu a quatro tribunais durante uma viagem de cinco dias pela China, entrando com processos contra shoppings, acusando-os de fraude por vender produtos de baixa qualidade. Morando em Jinan, porção oriental do país, ele conta ir cerca de cem vezes por ano ao tribunal.

Atividade de risco

A atuação de Ji lhe rendeu a inimizade dos falsificadores e seus capangas, que já lhe espancaram, amarraram pés e braços, além de fazer ameaças de morte por telefone. Em 2007, a polícia da província de Fujian, sul da China, o deteve por 37 dias, acusando-o de extorsão, mas o libertou.

Ainda assim, Ji considera seu trabalho necessário. Todo mês ele diz receber mais de cem telefonemas de pessoas querendo saber como ser indenizado por um produto falso.

Em uma tarde recente, um homem da cidade de Tai’na, região oriental da nação, telefonou para Ji, que estava viajando para investigar um shopping em Pequim. O interlocutor queria saber como copiar suas atividades.

Ji disse ao aspirante a descobridor de fraudes que ele não podia “simplesmente entrar numa loja e comprar oito ou dez produtos e exigir indenização”. Sua profissão foi construída navegando pelas relações complicadas com tribunais locais e a polícia. Ainda segundo ele, recentemente alguns bandidos de Tai’an queriam “minha vida, meus braços e minhas pernas”.

“Nem todos podem ser um caçador de falsificações. Este setor não é um presente que cai do céu”, Ji declarou ao interlocutor. “Você não conhece as dificuldades e sofrimentos que enfrentamos; só viu nosso lado glorioso.”

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