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Texto-base da PEC dos precatórios foi aprovado na madrugada desta quinta (4) com quatro votos a mais que o mínimo necessário.
Texto-base da PEC dos precatórios foi aprovado na madrugada desta quinta (4) com quatro votos a mais que o mínimo necessário.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (4) o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) dos precatórios (nº 23/2021). A PEC adia o pagamento de boa parte das dívidas judiciais que vencem em 2022 e nos anos seguintes para permitir o pagamento do Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família, e de outras despesas do governo.

Foram 312 votos a favor – quatro a mais que o mínimo necessário – e 144 contrários. Um dos votos favoráveis veio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que pode se abster das votações. Para concluir o primeiro turno, os deputados ainda precisam votar os destaques que propõem alterações pontuais ao texto.

A PEC foi aprovada após dias de negociação e pressão. Fator importante para a aprovação foi a inclusão, no texto, de prioridade para o pagamento de dívidas do governo com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), medida que interessa à oposição. Em vez de ficar na fila "convencional" do pagamento de precatórios, esses débitos serão pagos de forma mais rápida que os demais, em três anos.

A discussão da PEC foi adiada duas vezes na Câmara, em razão da falta de quórum e articulação para sua aprovação. Nesta quarta (3), contudo, Lira disse que não havia mais como postergar a votação. O Planalto também teria orientado o parlamentar a colocar o projeto em discussão mesmo sem garantia de aprovação.

Precatórios são dívidas decorrentes de sentenças judiciais e que não são mais passíveis de recursos, uma vez que já percorreram todas as instâncias da Justiça. No jargão jurídico, essas situações são chamadas de "trânsito em julgado".

O valor projetado para 2021 para pagar esse tipo de despesa (R$ 55,5 bilhões) equivale a quase quatro vezes o desembolsado no início da década passada, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) compilados pela Associação Contas Abertas.

Em 2022, ano eleitoral, o número é ainda mais expressivo: serão R$ 89,1 bilhões em precatórios, o que corresponde a um aumento de mais de 60% em um único ano. O gasto estimado com as sentenças judiciais será equivalente a quase 70% de todas as despesas discricionárias (de livre manejo) programadas pelo governo.

Durante a discussão, a PEC foi alvo de questionamentos regimentais, já que um novo texto foi proposto por meio de emenda aglutinativa. Alguns parlamentares defenderam que alterações no relatório não poderiam ocorrer nesta fase da tramitação.

"São várias situações que já constam no texto, junto ao acordo de priorizar os precatórios do Fundef, juntos com os RPV [requisições de pequeno valor] e os precatórios de alimentos, que são os pequenos", afirmou Lira em entrevista coletiva.

O relator da PEC na Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o texto "supera divergências" e que foram feitas mudanças pontuais. "É o mesmo texto que saiu da comissão especial, com apenas a inclusão da prioridade dos recursos do Fundef dentro do teto que está sendo criado para os precatórios", disse ele.

A autorização do registro de presença e de voto dos deputados em missão oficial também foi questionada por parlamentares. Mais cedo, Lira alterou um ato que exigia a presença de todos os parlamentares em Brasília para as votações e permitiu aos deputados que estão no exterior a votarem remotamente na sessão.

A intenção era garantir o máximo de votos favoráveis à PEC, já que13 deputados estão em missão oficial no exterior na Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP26), realizada em Glasgow, no Reino Unido. Para ser aprovada, uma emenda constitucional exige o voto de ao menos três quintos da Câmara, ou seja, 308 deputados.

Qual o objetivo do governo com a PEC?

A expectativa do governo federal é de que a PEC abra um espaço de cerca de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022. Segundo o Executivo, trata-se, sobretudo, de um movimento para possibilitar um maior aporte para o programa Auxílio Brasil, tido pelo governo de Jair Bolsonaro como carro-chefe para a reeleição. O texto da PEC, no entanto, não menciona a iniciativa social como destino dos recursos.

A intenção do governo é elevar o benefício pago pelo Bolsa Família, que hoje é de R$ 189 em média, para "no mínimo R$ 400", nas palavras de Bolsonaro. Não está claro, contudo, se o valor será a média ou o piso do benefício.

Segundo o governo, do espaço total obtido com a mudança na Constituição, cerca de R$ 50 bilhões iriam para o orçamento do programa de transferência de renda. Com isso, seu orçamento passaria dos atuais R$ 34,9 bilhões programados para o Bolsa Família em 2021 para mais de R$ 80 bilhões.

Mas o governo tem outros objetivos além da capitalização do Auxílio Brasil. Segundo o Tesouro Nacional, outros R$ 24 bilhões seriam destinados à recomposição inflacionária de benefícios previdenciários e outros, uma vez que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022 subestimou a inflação; e R$ 10 bilhões ficariam à disposição do Congresso Nacional, responsável por identificar prioridades e alocar recursos. Neste caso, o recurso poderia ser destinado, por exemplo, para as emendas de relator-geral (RP-9), aumento do fundo eleitoral, etc. O valor restante seria destinado ao pagamento de despesas obrigatórias vinculadas.

O Orçamento de 2021 também seria beneficiado com a aprovação da PEC dos precatórios. Ela abriria um espaço fiscal de cerca de R$ 15 bilhões neste ano. Segundo o Ministério da Economia, o recurso seria utilizado para "demandas já identificadas, associadas à natureza temporária e emergencial", como, por exemplo, para o reajuste do Auxílio Brasil e o auxílio emergencial para famílias em situação monoparental. Outra parte da verba iria para a compra de vacinas contra a Covid-19.

Se a PEC for aprovada pelo Congresso, o Ministério enviará uma mensagem modificativa com parâmetros atualizados para o PLOA 2022.

O que muda com a PEC?

A PEC 23/2021 propõe limitar o pagamento das sentenças judiciais ao teto de gastos corrigido pela inflação desde 2016. Dessa forma, o montante de R$ 89,1 bilhões que a União deveria desembolsar com os precatórios diminuiria para cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2022. Segundo os cálculos do Tesouro, essa limitação pode abrir um espaço fiscal de R$ 44,6 bilhões no Orçamento.

Além da postergação, a proposta faz uma mudança na regra do teto de gastos, principal âncora fiscal do país, que limita o crescimento das despesas públicas à correção da inflação.

Hoje, o teto é corrigido pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior ao de sua vigência. Pela proposta, o reajuste passaria a considerar a inflação de janeiro a dezembro de cada ano. Essa medida é chamada de "sincronização de despesas", e poderia abrir outro espaço fiscal de cerca de R$ 47 bilhões.

Pelo texto-base aprovado, terão prioridade de pagamento em 2022 as chamadas Requisição de Pequeno Valor (RPV), dívidas de até R$ 66 mil. O total desses débitos é estimado pelo governo em R$ 20 bilhões. Na sequência, serão priorizados débitos com idosos e pessoas com doenças graves.

Após negociações nos últimos dias, o novo texto da PEC também passou a prever o pagamento de 40% das dívidas do Fundef já no próximo ano e os 60% restantes em duas parcelas de 30% nos dois anos seguintes.

Cerca de R$ 16 bilhões dos precatórios de 2022 dizem respeito a dívidas relacionadas ao Fundef, hoje transformado em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou a União a ressarcir estados e municípios pelo cálculo incorreto do fundo.

A proposta aprovada ainda prevê uma espécie de "mecanismo de encontro de contas", em que será possível quitar ou negociar passivos entre União e estados.

Os credores que não se interessarem pelos acordos propostos pela União devem receber, segundo o que prevê a PEC, de acordo com as disponibilidades orçamentárias. Nesse caso, as dívidas que não forem pagas em 2022 serão corrigidas pela taxa Selic.

Idas e vindas

A ideia inicial da equipe econômica era financiar o Auxílio Brasil, em parte, por meio de um espaço no teto de gastos que pode vir com a aprovação da PEC dos precatórios. A fonte de custeio viria da tributação de dividendos, prevista na reforma do Imposto de Renda, já aprovada na Câmara dos Deputados. Mas essa reforma enfrenta resistências no Senado e não há garantias de que será aprovada.

A versão original da PEC enviada ao Congresso propunha o pagamento inicial de 15% do valor total dos precatórios de 2022 e o parcelamento do restante em nove anos. Haveria duas regras para o parcelamento das dívidas, uma temporária e uma permanente.

A primeira, cuja vigência terminaria em 2029, previa o parcelamento de dívidas cuja soma total fosse superior a 2,6% da receita corrente líquida (RCL) dos 12 meses anteriores. Ao menos 8.771 dos precatórios se enquadrariam nessa situação.

A segunda regra, de caráter permanente, previa o parcelamento de todo precatório que for superior a R$ 66 milhões. Da mesma forma que na regra temporária, 15% do valor seria pago à vista e o restante, em nove prestações. Ao menos 47 precatórios a serem pagos em 2022 se enquadram nessa regra.

O texto original, porém, acabou sendo substituído pelo que foi apreciado nesta quarta e quinta-feira pela Câmara.

Os três Poderes também começaram a discutir uma proposta levada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. Ela limitava o pagamento de precatórios à mesma regra de correção usada no teto de gastos. Isto é, a inflação medida pela correção do IPCA acumulada em 12 meses até junho.

Na prática, seriam quitados em 2022 apenas R$ 37,8 bilhões dos R$ 89,1 bilhões em precatórios emitidos para o ano. Nos anos seguintes, seriam somados ao "saldo devedor" parte dos novos precatórios emitidos, que também seriam parcelados.

Para além da falta de unanimidade entre os ministros do Supremo com relação à solução, o presidente Bolsonaro azedou de vez o acordo após criticar o STF em declarações durante as manifestações de 7 de setembro.

De todo modo, o texto aprovado pela Câmara nesta quinta acabou usando uma regra semelhante à que chegou a ser negociada entre os três Poderes.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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