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Plenário da Câmara dos Deputados.
Plenário Câmara: parlamentares tentam tornar impositivo o pagamento das emendas de relator.| Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Parlamentares do Centrão no Congresso Nacional já traçam estratégias para manter o controle do Orçamento de 2023 independentemente de quem for eleito presidente da República em outubro. Isso seria feito principalmente por meio das emendas de relator, conhecidas como "orçamento secreto ou paralelo".

Nesta semana, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o próximo ano. O texto da LDO aprovado na CMO, que ainda precisa passar no plenário, prevê que as emendas de relator serão impositivas. Ou seja, o próximo presidente – seja Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou um nome da terceira via – serão obrigados a executar essas emendas.

Além disso, as indicações do uso do dinheiro do orçamento federal devem ser divididas entre o presidente da CMO e o relator-geral do Orçamento. Essa divisão garante mais influência dos parlamentares sobre o Orçamento – que é elaborado pelo governo federal, mas que pode ser emendado pelo Congresso.

Todas essas medidas engessariam ainda mais o orçamento federal e a margem de manobra que o Planalto tem para decidir livremente onde investir recursos. Desde a Emenda Constitucional n.º 86, de 2015, o governo é obrigado a executar as chamadas emendas individuais (elaboradas individualmente pelos congressistas), até o limite de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL). Já a Emenda Constitucional n.º 100, de 2019, tornou impositivas as emendas ao Orçamento elaboradas pelas bancadas estaduais, até o limite de 1% da RCL.

A LDO aprovada na Comissão Mista de Orçamento dobraria o montante de emendas obrigatórias, pois o texto prevê que o valor das emendas de relator será equivalente à soma dos destinados às emendas individuais e de bancada. Com isso, a expectativa é de que o montante destinado ao orçamento paralelo alcance a cifra de R$ 19 bilhões em 2023. Esse é o teto previsto por lei e, portanto, não poderia ser ultrapassado. Neste ano, foram aprovadas R$ 16,5 bilhões em emendas de relator-geral, sendo que R$ 5,8 bilhões já foram pagas.

Embora os limites da RCL definidos pelas emendas constitucionais atualmente em vigência sejam aparentemente pequenos – 2,2%, podendo chegar a 4,4% em 2023 com a LDO –, o fato é que o orçamento da União já é muito engessado, com uma série de despesas obrigatórias. Portanto, se mais emendas parlamentares se tornarem impositivas, o Executivo terá ainda menos margem de manobra.

Para 2023, antes da mudança no texto da LDO que torna impositiva as emendas de relator, o governo estimava que o Orçamento federal seria 94,2% de execução obrigatória. Ou seja, apenas 5,8% seriam de livre manejo.

Deputados dizem que articulação sobre as emendas pode beneficiar Arthur Lira

De acordo com líderes da oposição, a obrigatoriedade das emendas de relator pode favorecer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do Centrão no Congresso. O deputado pretende concorrer à reeleição ao comando da Casa em 2023 e, na avaliação interna dos congressistas, a divisão sobre as indicações das emendas do orçamento secreto mantém a influência de Lira independentemente de qual for o presidente eleito em outubro.

Na avaliação do deputado Elias Vaz (PSB-GO), as mudanças podem terminar em um "grande escândalo". "Foi criado um verdadeiro monstro", alerta. Na mesma linha, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) classificou como "aberração" a manobra de tornar impositivo o pagamento das emendas do orçamento secreto.

"Nós estamos falando de emenda de relator, que, até o momento, não tem transparência nenhuma. Basta ver as respostas que foram dadas ao STF pelos parlamentares. Seiscentos parlamentares foram intimados e foram questionados se receberam ou não. É um absurdo que, dos 600 parlamentares, só 300 respondem. Outros 200 não respondem e outros 100 respondem que receberam, mas não falam o valor", afirma a deputada.

Em maio, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a lista de parlamentares que foram beneficiados pelas chamadas emendas de relator. Mesmo com a determinação da Corte, dos 594 parlamentares do Congresso – 513 deputados e 81 senadores – apenas 68% prestaram informações ao STF.

Ao todo, 342 deputados e 64 senadores enviaram respostas ao pedido de informações. Alguns deles, contudo, disseram não terem sido contemplados pelas emendas de relator. Com isso, somente R$ 11 bilhões do total de R$ 36,4 bilhões destinados pelas emendas de relator nos últimos dois anos foram integralmente mapeados.

Manobra é vista como alternativa para o Centrão se blindar de Lula 

Na avaliação de líderes do Congresso, os novos mecanismos também são uma alternativa do Centrão manter o orçamento paralelo em um eventual governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir do ano que vem. Pré-candidato, o petista já criticou diversas vezes o modelo e sinalizou que pretende acabar com os pagamentos caso seja eleito.

"Eu não sei se eu vou conseguir colocar em prática. Eu estou tentando encontrar um jeito de fazer um orçamento participativo para acabar com esse tal orçamento secreto", disse Lula recentemente durante entrevista à rádio Bandeirantes.

Além de Lula, outros pré-candidatos como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e a senadora Simone Tebet (MDB) disseram que sob uma eventual gestão deles, o orçamento secreto sequer existirá. "O que temos hoje com as emendas de relator é um mensalão 2.0. Tornar isso impositivo é transformar a compra de voto em política de governo, com o dinheiro da população", afirmou Tebet.

Regimentalmente, a relatoria do Orçamento é revezada, a cada ano, entre um deputado e um senador, assim como a presidência da Comissão Mista do Orçamento (CMO). Neste ano, a relatoria do Orçamento de 2023 é de responsabilidade do senador Marcelo Castro (MDB-PI), parlamentar próximo do ex-presidente Lula. Já o presidente da CMO atualmente é o deputado Celso Sabino (União-PA), próximo de Lira.

Nos cálculos dos congressistas, se o Congresso aprovar a LDO para o próximo ano na forma como foi aprovada na comissão, Sabino também terá que assinar as indicações do orçamento secreto. Com isso, a execução das aprovações dessas emendas deve seguir a ordem de prioridade estabelecida por Sabino e Castro.

"Nós discordamos radicalmente da impositividade da RP9 [emendas de relator]. Ela de maneira nenhuma ajuda naquilo que queremos construir na relação entre Poderes. Eu entendo que a própria existência da RP9 diminui o poder do Executivo. Afinal de contas, o Executivo tem menor recurso para fazer políticas nacionais e distribui para o Congresso Nacional fazer políticas locais", argumenta o deputado Enio Verri (PT-PR).

Com Bolsonaro reeleito, Centrão também quer manter emendas de relator

Paralelamente, integrantes do Centrão admitem que, caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) se reeleja, as indicações das emendas de relator não devem sofrer alterações. Contudo, o relator da LDO, senador Marcos do Val (Podemos-ES), incluiu em seu relatório um dispositivo que poderia dar maior transparência às emendas de relator, ao resolver uma brecha aprovada pelo Congresso no ano passado.

De acordo com o parecer aprovado, a indicação dos recursos deverá ter "necessariamente" o nome do parlamentar solicitante, ainda que a demanda tenha sido feita por agentes públicos ou representantes da sociedade civil. Atualmente, as indicações podem ser feitas em nome de parlamentares, agentes públicos ou da sociedade civil. Ou seja, é possível que os nomes dos senadores ou deputados que fizeram as indicações fiquem ocultos, cabendo apenas a assinatura de um prefeito ou de uma entidade que fez o pedido.

"Conseguimos avançar bastante nessa transparência. Isso não significa que acabou aqui. É desse jeito e vai ser sempre. Eu espero que continuemos batalhando para, cada vez mais, estarmos transparentes", diz o relator da LDO.

Oposição vai tentar adiar para 2023 a votação da Lei Orçamentária

Agora, a proposta da LDO seguirá para análise de deputados e senadores em uma sessão conjunta do plenário do Congresso Nacional. A expectativa é de que essa votação ocorra antes do recesso parlamentar, que começa na segunda quinzena de julho.

Após a aprovação da LDO, o governo terá que enviar ao Congresso, até 31 de agosto, o projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA), que tem de seguir as determinações da LDO. Enquanto a LDO estabelece as diretrizes para elaboração do Orçamento do próximo ano, incluindo as previsões de receitas e despesas e a meta fiscal, a LOA fixa quanto poderá ser gasto em cada um desses itens no próximo ano e diz de onde virão os recursos para bancar essas despesas. Essa votação, geralmente, ocorre no final do segundo semestre de cada ano.

Contudo, a oposição não descarta a possibilidade de travar a votação da LOA no segundo semestre deste ano por causa do cenário eleitoral. A ideia é votar o Orçamento de 2023 no início do próximo governo, já com os novos eleitos para o Congresso Nacional. "Nada mais justo do que esperarmos o novo governo para aprovarmos o Orçamento", diz o deputado José Guimarães (PT-CE). "O orçamento secreto já é um escândalo. Torná-lo obrigatório é um crime ainda mais grave. Essa emenda é, além de tudo, antidemocrática, pois burla a vontade das urnas, ao impor um orçamento ao presidente que será eleito em outubro", diz a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Se o Orçamento de 2023 não for aprovado até dezembro, algumas regras serão ativadas para limitar temporariamente os gastos do Executivo. O pagamento das emendas de relator, por exemplo, seria afetado até a conclusão da votação no Congresso.

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