Juntar limites de cartões é a nova moda no comércio
Agência O Globo
De olho no fôlego da nova classe média para o consumo, as empresas estão distribuindo o pagamento dos produtos em mais de um cartão de crédito para burlar o obstáculo da renda. Embora ainda seja uma modalidade desconhecida do grande público, a estratégia já é adotada nas lojas e sites de grandes redes varejistas como a Ricardo Eletro e o Ponto Frio, sobretudo na oferta de eletrodomésticos e eletroeletrônicos pela internet. A estratégia tem um alvo certo: pessoas que têm limite baixo no cartão e que precisam aumentar o poder de fogo na compras de produtos mais caros, como tevê, geladeira e fogão, os maiores sonhos de consumo da classe C.
A faxineira Raimunda Jucely Martim Marques, moradora da Rocinha, no Rio de Janeiro, não conhecia a opção. Com dois cartões de crédito com limite de até R$ 600, ela costuma recorrer a amigos com limite maior quando precisa comprar um bem mais caro. Neste Natal, Raimunda planeja comprar um armário de cozinha e já sabe como. "Sempre compro parcelado porque quando a gente paga aluguel fica difícil comprar de uma vez só", afirma.
A assessora executiva do Procon-SP Vera Remedi alerta, porém, que o consumidor deve redobrar o cuidado em compras com mais de um cartão. "Os maiores vilões [da inadimplência] são o cartão de crédito e o cheque especial. As pessoas não se dão conta de que, quanto mais parcelam, mais podem perder o controle. Todas essas facilidades no mercado têm de ser olhadas com muito cuidado", avisa.
Estratégia
Para a socióloga Leticia Veloso, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a classe C já estabelece suas próprias estratégias na compra de bens. "Esse público está diversificando as formas de consumo e a internet veio para facilitar. Muitos já usam mais de um cartão para compras ou é comum que vários membros da família se unam para comprar um bem juntos", afirma.
Para especialistas, a formalização do emprego, o maior acesso a ferramentas de crédito (como o cartão) e as medidas anunciadas em dezembro de redução do IPI sobre a linha branca devem turbinar o Natal deste ano. Para a advogada Ellen Gonçalves, do Pires & Gonçalves Advogados Associados, o fato de a nova classe média consumir um produto durável é uma amostra de cidadania. Ela frisa, no entanto, que é preciso que fornecedores, empresas e órgãos públicos desenvolvam uma educação para o consumo. "É preciso haver campanhas educativas para um consumo consciente. Existe uma demanda por crédito muito grande e é necessário que as pessoas não deem um passo maior que as pernas", considera.
Interatividade
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O volume total de cheques sem fundos emitidos no país subiu de 1,92% em outubro para 2,19% em novembro, segundo dados divulgados ontem pela Serasa Experian. Economistas da consultoria atribuem o aumento aos parcelamentos feitos com cheques pré-datados nas compras para o Dia da Criança e, segundo o professor de Finanças da Faculdade de Administração e Economia (FAE) Armando Rasoto, o cenário deverá se repetir nos próximos meses, com os excessos das compras de Natal. "Em fevereiro devem começar a cair os cheques pré-datados e a probabilidade de inadimplência é grande", diz.
No entanto, com exceção dos meses que concentram datas de grande consumo, a utilização do cheque vem caindo na preferência de consumidores e donos de estabelecimentos. Para o professor do Departamento de Economia da UFPR Luciano Nakabashi, a redução no uso dos cheques é reflexo do crescimento dos meios eletrônicos de pagamento, que se popularizaram rapidamente, sobretudo no comércio de bens e serviços. "Há algum tempo possuir uma máquina de cartões era um diferencial do estabelecimento. Hoje é uma necessidade, que, se não atendida, pode levar à perda de clientes", afirma o professor.
A substituição crescente dos cheques por cartões também é apontada em uma pesquisa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) sobre o mercado dos meios eletrônicos de pagamento. De acordo com o levantamento, o dinheiro ainda é preferido por 76% dos lojistas, mas os cartões de crédito e débito já representam mais da metade do faturamento dos estabelecimentos comerciais. Enquanto o dinheiro é responsável por um terço do faturamento dos estabelecimentos pesquisados, o cheque tem contribuição cada vez menos expressiva, cerca de 3% em 2011.
Golpes
Nos últimos dez anos, o número de transações e pagamentos feitos com cheques diminuiu 61%. Após um período de estabilidade, registrado entre os anos de 2001 e 2006, a quantidade de cheques devolvidos e sem fundo também vem apresentando queda constante, com pequenas variações em meses de datas importantes para o comércio. Nesse mesmo período de dez anos, de acordo com o Banco Central, aumentaram os valores dos cheques devolvidos e sem fundos. "Isso comprova que, cada vez mais, os cheques estão sendo utilizados por pessoas interessadas em dar calote e tirar vantagem das fragilidades a que estão sujeitos os estabelecimentos que aceitam os talões", afirma Rasoto.
No posto de gasolina em que Fábio Santana Augusto trabalha, os cheques ainda são aceitos, mas a consulta aos serviços de proteção ao crédito é um procedimento padrão. "Apesar das precauções, cheques devolvidos são comuns aqui no posto", diz. Para Luiz Felipe Pelanda, gerente da rede de postos de gasolina que leva seu sobronome e inclui o estabelecimento gerenciado por Augusto, o prejuízo com cheques sem fundos varia entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais, mas está mais restrito aos quatro postos da rede que ficam em rodovias. "Nos três postos da cidade, os cartões respondem por 90% do pagamento. Mas as empresas ainda utilizam muito o cheque", afirma Pelanda, justificando o motivo pelo qual o cheque ainda não foi abolido das formas de pagamento.
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O crescimento do poder aquisitivo das classes C e D e as facilidades para adquirir cartões de crédito são fatores que levam o professor de Finanças da FAE Armando Rasoto a afirmar que o dinheiro eletrônico é o dinheiro do futuro. Segundo ele, os cheques pré-datados estão sendo facilmente substituídos pelos cartões de crédito, cuja principal vantagem para os consumidores é a possibilidade de fazer compras sem a necessidade de dinheiro na mão.
Apesar de não estarem na preferência da maioria dos lojistas por causa das taxas e encargos, conforme apontou a pesquisa da Abecs, os cartões de crédito são responsáveis por grande parte do faturamento dos estabelecimentos pesquisados em dez capitais brasileiras. Para Rasoto, a tendência é que os cheques acabem ficando restritos a transações comerciais entre empresas de pequeno e médio porte, para a compra de produtos e matérias-primas que integram o processo de produção. Mas, ainda assim, não vê muito futuro para os cheques na era dos cartões e das maquininhas abundantes.
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