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Cheias no Rio Grande do Sul devem pressionar a inflação. Mercado e governo já revisaram para cima suas projeções para o ano.
Cheias no Rio Grande do Sul devem pressionar a inflação. Mercado e governo já revisaram para cima suas projeções para o ano.| Foto: EFE/Sebastião Moreira

As cheias no Rio Grande do Sul, que mataram 155 pessoas e até agora mantêm mais de 617 mil pessoas fora de suas casas, terão reflexo no bolso dos consumidores brasileiros devido à alta no preço dos alimentos. O estado é um dos líderes na produção agropecuária brasileira, contribuindo com 12,6% do PIB rural.

Analistas consultados pela Gazeta do Povo preveem que a tragédia cause um impacto de pelo menos de 0,2 ponto percentual na inflação deste ano. Eles alertam que o número pode ser maior, uma vez que ainda não se conhecem as reais dimensões do desastre natural.

Após duas semanas de alta, o ponto médio das expectativas do mercado para o IPCA de 2024 chegou a 3,8%, segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (20) pelo Banco Central.

Na última quinta (16), o Ministério da Fazenda reajustou sua projeção para a inflação anual de 3,5% para 3,7%, como reflexo justamente da tragédia no Rio Grande do Sul.

Participação do Rio Grande do Sul na produção nacional (fonte: Conab; elaboração: Bradesco)

Produção Participação do RS
Canola 99%
Aveia 73%
Arroz 71%
Trigo 45%
Centeio 40%
Cevada 24%
Milho (1.ª safra) 22%
Soja 15%
Suínos 12,5%
Frango 9%
Bovinos 5%

Sílvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria, avalia que é bem provável que, neste ano, o Brasil tenha uma inflação mais próxima dos 4%. “Há um claro choque de oferta vindo por aí”, diz.

A avaliação é compartilhada pelo economista Carlos Lopes, do banco BV. Ele também acredita que o IPCA deverá fechar o ano em torno de 4%. Antes do início das chuvas no Rio Grande do Sul, a instituição previa que havia uma possibilidade de a inflação ser menor. “O viés de baixa foi retirado”, afirma.

“O Brasil ficou mais distante da possibilidade de chegar ao centro da meta da inflação”, complementa Victor Arduin, analista da Hedge Point Global Markets. O Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou a meta em 3%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

A tragédia também foi mencionada na ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), divulgada na última terça-feira (14). O órgão avalia que a situação, além dos seus impactos humanitários, também terá desdobramentos econômicos.

Dificuldade de escoar produção pode contribuir para inflação

A logística é um ponto de preocupação para os produtores rurais. Boa parte da infraestrutura para escoamento da produção e fornecimento de insumos foi afetada. Importantes rodovias que cortam o estado, como as BRs 116, 290 e 386, foram afetadas. Outras preocupações são em relação à situação de silos e armazéns e ao restante da safra que precisava ser colhida.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) avalia que arroz, derivados do leite e frutas como uvas, pêssego e maçã devem ficar mais caros para o consumidor.

Além das perdas causadas pelas chuvas, esses produtos podem ter a produção e o escoamento afetados pela interdição de estradas, pelos estragos ou pelo deslocamento de caminhões que estão sendo usados para atender à população atingida.

Dados compilados pelo Itaú BBA apontam que, no momento da tragédia, já estavam colhidos 82% da safra de arroz, 79% da soja e 86% da primeira safra de milho. O trigo está na fase pré-plantio e a janela ideal para cultivo vai até julho.

Segundo estimativas do banco, as cheias têm impacto potencial de 1,3 milhão de toneladas de arroz, 5 milhões de toneladas de soja e 870 mil toneladas de milho – mas nem tudo isso deve ser afetado. “Acreditamos que as perdas serão bem menores do que o impacto potencial”, destaca a instituição financeira em relatório.

Arroz: preços devem continuar firmes

As maiores preocupações estão relacionadas ao arroz, devido à concentração de 71% da produção nacional no Rio Grande do Sul. O fenômeno climático “El Niño” fez com que o plantio e o desenvolvimento da lavoura atrasassem, o que acabou postergando a colheita em algumas regiões.

Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), até 8 de maio, 82% da área plantada tinha sido colhida. Dos 142 mil hectares que faltavam para ser colhidos, 23 mil hectares estão totalmente perdidos e outros 18 mil, parcialmente submersos. A maior parte se concentra no centro do estado.

A projeção do Itaú BBA é que haja 341 mil toneladas a menos na oferta gaúcha de arroz, o que reduzirá em 3,2% a produção nacional – que antes das enchentes era estimada em 10,5 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

A menor oferta fará com que os estoques finais de arroz diminuam 18,9%. Neste cenário, mesmo com menor disponibilidade, a instituição financeira considera improvável o desabastecimento de arroz no Brasil. “O cenário é de preços firmes para o cereal, sobretudo no curto prazo, diante dos desafios logísticos de mobilização da produção para outras regiões do país”, destaca o Itaú BBA.

A situação deveria ser de tranquilidade no mercado, mas essa foi afetada pela decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de importar 1 milhão de toneladas de arroz. O objetivo declarado foi o de “evitar especulação financeira e estabilizar o preço do produto nos mercados de todo o país”.

O efeito foi o contrário: em várias partes do país os consumidores correram às compras. A Associação Brasileira dos Supermercados teve de emitir nota assegurando que as operações de abastecimento estavam normais. A entidade apelou para que “as pessoas não façam estoques em casa, para que todos tenham acesso contínuo ao produto”.

Trigo: impacto deve aparecer só no 4.° trimestre

Outra fonte de preocupação é com o trigo. Ainda há tempo para que o plantio seja feito na janela ideal, que vai até junho, mas os danos no solo e as perdas dos produtores de soja, que muitas vezes cultivam o cereal na sequência, podem afetar a produtividade e reduzir a intenção de plantio.

O cenário de retomada da primeira posição do Rio Grande do Sul na produção nacional de trigo pode ficar incerto. Muitas regiões tiveram a camada fértil do solo lavada, o que aumenta o custo de implantação e fertilização. “Caso as precipitações não cessem nas próximas semanas, o momento ideal de plantio pode ficar comprometido, impactando a produtividade inicial”, destaca o Itaú BBA.

“Isto pode trazer impactos para os preços dos derivados do trigo, particularmente para o consumidor no quarto trimestre”, diz Alef Dias, analista do HedgePoint Global Markets. Nos 12 meses encerrados em abril, o preço da farinha de trigo acumula uma queda de 13,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Massas semipreparadas tiveram uma alta de 3,16% e panificados, 1,22%.

No caso do trigo, efeito das chuvas no Rio Grande do Sul devem aparecer somente nos últimos meses do ano.
No caso do trigo, efeito das chuvas no Rio Grande do Sul devem aparecer somente nos últimos meses do ano.| Wenderson Araujo

Soja: ainda é difícil estimar as perdas

Antes das chuvas, esperava-se que o Rio Grande do Sul retomasse a segunda posição no ranking nacional de produção de soja, ultrapassando o Paraná, que teve um desempenho inferior devido à falta de chuva e às altas temperaturas durante a safra.

De acordo com a Conab, até o momento, 79% da safra gaúcha foi colhida. O maior atraso ocorreu na região sul do estado, uma das mais atingidas pelas enchentes. O Itaú BBA estima que ainda haja 5 milhões de toneladas de soja no campo para serem colhidas. “É difícil estimar o que será colhido e o que será perdido”, ressaltam os analistas. A expectativa é de que essa redução fique entre 1 milhão e 2,5 milhões de toneladas.

Outras perdas podem ocorrer em silos localizados em áreas mais baixas. No entanto, assim como a situação no campo, só será possível verificar o dano e as perdas na estrutura de armazenamento nas próximas semanas.

Milho: impacto mínimo das perdas no RS

O impacto das perdas causadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul deve ser baixo para o milho. Já foram colhidos 86% da safra. Restavam cerca de 870 mil toneladas no campo, que estão sob algum risco.

Mesmo com problemas de falta de chuva em partes do Paraná e do sul de Mato Grosso, que estão levando a um desenvolvimento irregular da safrinha, o cenário não preocupa devido à expectativa de maior produtividade no principal produtor nacional, Mato Grosso. O estado foi favorecido com boas chuvas em março e abril.

Carnes: preços devem subir, mas impactos serão limitados

Outros alimentos também podem ser afetados, segundo a XP Investimentos. O principal desafio dos frigoríficos é a logística, tanto no transporte de animais e rações quanto nas vendas internas e externas. “É plausível imaginar que haja algum impacto nos preços da carne”, destaca a corretora.

Com as chuvas, dez plantas frigoríficas de aves e suínos suspenderam as atividades. Ao menos oito já as retomaram. A avaliação do Itaú BBA é de que a dimensão da redução da produção dependerá do reestabelecimento das estradas e dos acessos às propriedades.

Segundo a instituição financeira, caso uma desobstrução mínima da logística até as propriedades não ocorra nas próximas semanas, os fluxos de produção de proteínas animais poderão se complicar ainda mais, com impactos certamente maiores.

"Ainda não se conhece a dimensão das perdas dos rebanhos, que ainda poderão crescer. Embora seja muito relevante para os produtores afetados, o impacto em nível nacional deve ser limitado, com outros estados suprindo a redução de produção que ocorrerá no RS", diz o Itaú BBA.

Apesar de os gaúchos serem responsáveis por 5% da produção brasileira de carne bovina, não se espera altas de preços em outras regiões. A justificativa é o descarte de fêmeas, com grande disponibilidade de gado e pico de safra previsto para os próximos meses. O preço médio da carne bovina para o consumidor caiu 8,65% nos 12 meses encerrados em abril, segundo o IBGE.

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