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A sociedade até que se esforça para entender, ou melhor, compreender os critérios adotados pelo Palácio do Planalto na escolha das dezenas de ministros que integram o primeiro escalão do governo federal. A popularidade da presidente Dilma Rousseff não deixa de ser uma prova do voto de confiança da população em suas decisões, encaminhamentos e na maneira de governar, ou de garantir a governabilidade. Mas vamos parar de subestimar e abusar da boa vontade dos brasileiros. São raros os ministros indicados por competência, atuação profissional ou comprovada experiência na área. O que realmente importa é o partido ao qual ele pertence e quantos votos essa sigla tem no Congresso Nacional. Ganha cada vez mais espaço a indicação política, pouco ou quase nada a técnica.

Ratear os ministérios entre os partidos da base aliada é uma prática comum no sistema político do país. É a democracia, que garante a eleição do presidente no voto popular e soberania ao chefe do Executivo na tomada de algumas decisões, como na escolha dos ministros. Até aí, tudo bem, faz parte do jogo. O que se questiona são os extremos. O que se cobra é o bom senso, que está longe de ser um bispo no ministério da Pesca. Nada contra o senador Marcelo Crivella (PRB/RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Mas onde está a sua capacidade técnica, não política, de assumir o controle da pasta? Ele pode alegar, dos seus tempos de pastor, ser um pescador de homens e de almas. Sentido louvável, mas figurado e talvez o mais perto que já esteve da pesca e aquicultura.

Ele até que mandou bem em seu discurso de posse. Disse que desconhece a área para a qual foi indicado, mas que pode aprender rápido a colocar minhoca no anzol. Como um bom cristão, admitiu publicamente que não tem afinidade nenhuma com o setor. Sinceridade admirável, mas preocupante. Em ano de eleições municipais a composição e os interesses definem claramente que governo precisa de um ministro político – Crivella é o líder da bancada Evangélica, que não é pequena. Mas o que a pesca precisa é de um líder, de alguém comprometido e que olhe pelo potencial que o segmento espelha no Brasil como fonte de renda, trabalho e alimento. De desenvolvimento, econômico e social, além de gerar divisas e inverter a posição da balança comercial. Potencial para virar o jogo nós temos. O que falta é uma política pública capaz de incentivar a produção e exportação, na relação com as importações.

Contudo, ministro, mesmo sem ter a menor noção do tema e do que o ministério pode fazer, a vocação natural do país pode facilitar seu trabalho. Tenha certeza que uma dose de boa vontade pode fazer a diferença, até porque a atividade se expande no Brasil independente do apoio do governo. Imagine então se o governo resolver participar de forma ativa desse processo. Para se ter uma ideia, enquanto no mundo a aquicultura cresce a taxas em torno de 10% ao ano, no Brasil cresce acima de 20% (média dos últimos 10 anos). E não é para menos, a julgar um território com 8 mil quilômetros de costa e 5 milhões de hectares de lâmina d’água doce, distribuídos em rios e açudes.

Quando o ministério foi criado, em 2009, evoluindo do status de secretaria, o objetivo do governo era o de inserir a atividade à cadeia produtiva do agronegócio. O que ainda não ocorreu e só faz aumentar a responsabilidade do novo ministro, sua responsabilidade e comprometimento com o setor, que não pode ser confundido e vai muito além de sua lealdade com o partido, com a bancada Evangélica ou com a presidente Dilma. Pode ser a grande chance de se destacar como um ministro de habilidades políticas, mas que também soube ouvir, dialogar, compor e aprender a pescar junto com o Brasil. Ninguém espera que o senhor deixe de cumprir com suas obrigações políticas e partidárias. Apenas que, como ministro, o bispo e senador saiba equacionar demandas e se posicionar como instrumento político a serviço de um determinado segmento.

Parece simples, mas pode ser cruel. O último ministro que fez isso, embora tivesse maior afinidade com a pasta, foi o deputado federal Reinhold Stephanes. O paranaense foi um dos mais destacados, eficientes e relevantes ministros da Agricultura dos últimos tempos. Mas acabou por ficar sem o ministério. E ainda teve de mudar de partido, do PMDB para o recém-criado PSD. Pagou o preço, mas fez valer suas convicções, de que o ministério é do povo e do governo, não deste ou daquele partido. Ficou no comando da pasta por pouco mais de três anos. Assumiu indicado pelo PMDB em 2007 e deixou a Esplanada como ministro em 2010. Saiu para se candidatar a reeleição para a Câmara dos Deputados ciente de que seria difícil reassumir a pasta, a julgar sua postura, não como indicado do PMDB, mas como ministro de uma nação. Resultado: ficou sem o ministério, foi reeleito deputado federal e continua sendo reconhecido nas ruas pelo título de ministro da Agricultura.

Então senador Crivella, costas, rios e açudes não dão voto, mas podem ser a sua redenção como ministro, sua independência além do partido e da bancada Evangélica. O senhor está ministro por causa dessas variáveis. Agora, continuar e ser ministro, não do partido, mas do povo, vai exigir postura, posicionamento e comprometimento com a causa. Rezar ajuda, o senhor bem sabe. Mas não basta. É preciso trabalhar, fazer a sua parte. No caso, aprender a pescar, mas com quem pesca, que está muito longe dos gabinetes em Brasília.

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