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A presidente Dilma Rousseff não apareceu para o lançamento do Plano Safra da Agric­ultura Familiar, que ocorreria na sexta-feira em Francisco Beltrão, interior do Paraná. De qualquer forma, está oficialmente aberto o ciclo 2011/12. Na prática, a nova temporada tem início em 1.º de julho. Além disso, a versão empresarial do pacote de apoio à produção agrícola – que demanda a maioria absoluta dos recursos – foi apresentada há duas semanas em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Serão mais de R$ 123 bilhões de apoio a custeio, comercialização e investimentos às duas modalidades. A primeira fica com R$ 107,2 bilhões e a segunda com R$ 16 bilhões. Parte dos recursos será liberada a juros controlados, de 6,75%, e parte com taxas livres, que também não deixam de ser controladas, mas pelo sistema financeiro.

As cartas estão dadas e as regras definidas. O governo fez a sua aposta e aguarda agora para conhecer a estratégia do setor produtivo. Os recursos que vêm do governo são importantes e seguem crescentes ano a ano. Mas o financiamento da atividade ainda depende substancialmente de outras fontes, como recursos próprios e de terceiros, principalmente das tradings, que bancam os insumos e têm a produção como moeda de troca. Com os recursos oficiais batendo na casa dos 40% do volume necessário para colocar a safra para rodar, o governo tenta fazer a sua parte. Mas 30% ainda são de capital próprio e outros 30%, que deixam o produtor à mercê da especulação, ainda têm origem nas empresas que fornecem insumos ou até dinheiro em troca de parte da produção.

Nem o céu nem o inferno, entre o limite dos recursos controlados e o extremo da relação paralela com as tradings, feliz daquele que consegue aumentar a parcela de capital próprio, calcular melhor a margem de risco e reduzir o endividamento. Para isso é preciso se planejar, definir apostas e se preparar para novos desafios, tendo como objetivo minimizar os impactos das inúmeras variáveis que influenciam o desempenho do setor, como clima, mercado, tecnologia e infraestrutura que passam, necessariamente, pelo custo de produção. Apesar da dependência pouco saudável, as tradings desempenham um papel tão essencial quanto o crédito oficial.

Em determinadas regiões do país, devido ao grau de endividamento – o que impede o acesso ao recurso subsidiado –, ou simplesmente por causa da ausência do poder público, a multinacional que financia e recebe a produção não é mais uma, mas a única alternativa ao produtor. Isso significa que bem ou mal os sucessivos recordes na produção de grãos se devem à participação do capital privado, movido por interesses e oportunidades, que encontram espaço e respaldo na ineficiência e na falta de competitividade da estrutura brasileira. Uma realidade que está mudando e vai exigir mais compromisso com o capital produtivo e não mais especulativo. O capital e o investimento estrangeiro vão continuar a ser bem vindos, mas numa relação de parceria, de oportunidade e risco. Será do nosso jeito, com as nossas regras.

Os R$ 123 bilhões destinados no Plano Agrícola e Pecuário (PAP) 2011/12, por exemplo, não deixam de ser uma aposta do governo. Mas aposta maior é do produtor, que para cultivar os 50 milhões de hectares, de onde saem 160 milhões de toneladas de grãos, precisa investir duas vezes mais esse valor. É o milagre da multiplicação, uma analogia bíblica que, não à toa, retrata o universo da produção agrícola brasileira. Além de investir duas vezes o valor garantido pelo governo, a cadeia produtiva tem outras responsabilidades, econômicas e sociais, impostas naturalmente por um país que tem no agronegócio 25% do seu Produto Interno Bruto (PIB): alimentar a população, gerar riquezas e garantir divisas.

Para constar, o Valor Bruto da Produção Agropecuária em 2011 deve se aproximar de R$ 200 bilhões. Há 10 anos, era metade disso. Com exportações na casa dos US$ 70 bilhões e importações inferiores a US$ 10 bilhões, é o saldo do agronegócio que garante o superávit da balança comercial brasileira, acima de US$ 20 bilhões. Também são os embarques brasileiros que tem contribuição decisiva no equilíbrio dos estoques mundiais, controle dos preços e na ajuda humanitária internacional.

A referência então é grande e a responsabilidade também. Mas o Brasil ainda precisa evoluir, fazer a lição de casa se posicionar no mercado. Temos de modernizar nossa agricultura, mas em paralelo profissionalizar nossa gestão e consolidar uma nova política agrícola, que promova a sustentabilidade sócio-econômica e ambiental. Valorizar quem produz, sem distinção entre pequeno, médio ou grande produtor.

O Brasil é um dos únicos países que tem dois ministérios dedicados à questão agrícola, da Agricultura e do Desenvol­vimento Agrário. Apesar do apelo social que teoricamente justifica a distinção, o mundo não consegue entender. Na verdade, se nem mesmo nós entendemos isso direito, imagine então quem está de fora. Talvez esteja na hora de rever conceitos. Até porque, quando a produção sai do campo ela tem o mesmo custo, o mesmo valor e vai para o mesmo balaio.

Definir regras diferenciadas de acesso ao crédito a partir da realidade de cada produtor ou propriedade é questão técnica e deve ser contemplada. Dife­renciar quem produz é distinguir os iguais e pode ser contraproducente. Basta ver a realidade do Paraná, onde a maioria dos 370 mil produtores têm entre 50 e 80 hectares. Eles são enquadrados como pequenos agricultores, mas junto são grandes e fazem do estado o maior produtor de grãos do país.

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