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O governo pode sofrer maior ou menor estrago, dependendo da maneira como reagir. A melhor reação é corrigir as falhas da administração, torná-la mais eficiente, melhorar a gestão em todas as áreas, criar barreiras contra novos casos de desvio.

A sensação de governo funcionando, a economia em um bom ritmo e a ausência de novos escândalos podem ir isolando o mensalão no tempo. Isso não afasta os fatos do governo em que eles ocorreram, mas, pelo menos, localiza os ilícitos no tempo. O segundo governo não é a absolvição, mas pode vir a ser uma segunda chance bem aproveitada.

Há quem, no governo, queira ir nessa linha. A maioria prefere outra, de resultado mais discutível: alimentar o delírio persecutório que domina as hostes petistas.

A senadora do PT Ideli Salvatti, na quinta-feira, saiu daquela lamentável sessão do conselho de ética do Senado para defender, em plenário, um flagrante desse delírio. Protestou contra o fato de o jornal "Valor Econômico" não ter dado, em primeira página, que a pobreza havia caído. Ela está errada por, pelo menos, três motivos.

Primeiro, a pobreza caiu ao longo dos anos e dos governos. O tempo de comparação começa antes do atual governo, e a meta da ONU é de longo prazo exatamente porque quer medir o empenho do país.

Segundo, cada jornal faz a capa que quiser e um jornal econômico dá normalmente mais destaque às matérias exclusivas. Óbvio.

Terceiro, o que realmente desvalorizava o governo naquela tarde era, mais uma vez, Renan Calheiros e seu abusivo uso do Senado como se fosse sua fazenda. É espantoso que não se consiga perceber em Brasília que um governo ferido por um processo de corrupção e formação de quadrilha, no qual estão incursos ex-ministros, aliados e publicitários, deveria guardar a maior distância possível de um caso tortuoso como o de Renan Calheiros. Apoiá-lo e defendê-lo é confirmar o pior lado do governo Lula: o da leniência com fatos nebulosos. Deviam querer distância, antes que a memória coletiva resgate a lembrança de que o senador Renan era um apontador de ministros, até estourar o escândalo do uso de lobista de empreiteira para pagar contas privadas e de negócios pecuários suspeitos.

Há formas de atenuar os estragos do processo contra os 40 do mensalão, mas dificilmente o presidente conseguirá escolher a receita mais adequada.

O que provavelmente Lula vai fazer será oscilar entre suas várias inclinações: um, fazer-se de vítima; dois, acusar um ente incorpóreo, "eles", de tentar atingi-lo; três, criticar a mídia; quatro, dizer que é coisa da elite que governa este país há 500 anos; cinco, elogiar seu governo e se colocar de véspera no panteão da Pátria ao lado de quem estiver sendo comemorado. No mês de agosto, foi o de se comparar a Getúlio.

Enquanto isso, as notícias estarão ocupando os jornais; não por conspiração, mas por serem notícias. Novas denúncias da Procuradoria, o acórdão do ministro relator, os interrogatórios dos acusados, o andamento do processo em si, que vai durar todo o segundo mandato.

É da natureza do segundo mandato que o presidente vá perdendo poder e influência. Quem tiver dúvidas pense nestes dois últimos anos do presidente Bush. Cada vez mais desimportante. O poder se alimenta da expectativa de poder; por isso, na segunda parte do segundo mandato, o presidente americano é chamado de lame duck, pato manco. Os olhos já estão magnetizados por Hillary Clinton, Barack Obama e os que ascenderem na gangorra pré-eleitoral.

Enquanto mantiver altos índices de popularidade, o presidente Lula conservará influência na sucessão e o bom humor. Lula lida muito mal com o declínio.

Uma queda no ritmo de crescimento econômico, a alta dos preços dos alimentos encarecendo a cesta básica, um aperto no crédito podem tirar nacos de sua popularidade. Um novo escândalo será um grande desastre. Há o mito de que nada atinge a popularidade do presidente Lula. Na esteira do estouro do mensalão, sua popularidade despencou, sendo recuperada após todo o esforço publicitário para a reeleição.

O segundo mandato de Lula ainda está no começo, mas a inoperância gerencial, a crise de Renan Calheiros, os ecos do mensalão já queimaram os primeiros oito meses. Os últimos quatro meses do ano serão usados na luta para aprovar a CPMF e a DRU. E assim terá passado seu melhor ano.

No ano que vem, há eleições municipais. Neste contexto, ocorrerá um aprofundamento dos conflitos na base, pois os 15 partidos que formam a coalizão governamental estarão se organizando de acordo com as realidades políticas locais para disputar o poder municipal. Em 2009, já será o ano anterior a eleição presidencial.

Durante todo esse tempo, as sombras do processo no Supremo estarão sobre o governo e sobre o PT. O processo desarmou o ataque, e o governo será empurrado para jogar na retranca. A menos que tenha um plano, uma estratégia ofensiva que não seja a usual de acusar a mídia e os inimigos difusos ou a repetitiva auto-louvação. Se o governo quiser mesmo se defender, deve se dedicar ao trabalho de governar. Seu empenho em bem administrar o país pode afastar um pouco as sombras dos 40 réus.

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