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É hora de fazer a triste conta do custo da hecatombe das bolsas de valores, e os números que surgem parecem incompreensíveis. E são. Como podem desaparecer R$ 871 bilhões? Primeiro, é preciso se perguntar se eles realmente existiram. Num momento de bolha, a alta acelerada das ações cria preços completamente fora da realidade e ilusão de riqueza.

Segundo o levantamento da Economática, o Brasil perdeu o equivalente a duas Petrobras, aos preços de um ano atrás. Evidentemente, duas Petrobras não desaparecem em poucos meses. No mundo, o desaparecimento de riqueza chega a dois Estados Unidos, mais de US$ 30 trilhões.

Os preços estavam inflados no mundo inteiro e no Brasil, fruto de um prolongado período de crescimento do fluxo de capitais, que fez, em muitos casos, os investidores perderem qualquer parâmetro de preço. As empresas que tiveram queda mais fortes foram as do setor de construção. Um olhar ligeiro poderia sugerir que isso é causado pela crise imobiliária no mundo, mas o Brasil vive situação inteiramente diversa.

Aqui não houve nada parecido com a bolha de crédito duvidoso para a compra de casa própria, como nos EUA. O que houve é que, na febre dos IPOs, empresas do setor, até os segmentos que pela natureza do negócio não têm ativos, venderam suas ações a preços irreais. Esse mesmo descolamento da realidade aconteceu em vários setores. Novatos em bolsa, passaram a se sentir experts, como se fossem Warren Buffet, por fazerem transações de seus computadores em casa, com rendimentos sempre crescentes. A classe média se encantou. Os gerentes dos bancos empurraram nos mais incautos um volume imprudente de papéis de empresas. Tudo ocorreu da mesma forma que em todas as bolhas.

Esse valor que desapareceu seria dinheiro de fato se os detentores das ações vendessem pelo preço do começo do ano. Mas se todos tivessem tentado fazer ao mesmo tempo, o preço não seria aquele. Portanto, é valor ilusório.

Os poupadores que sempre estiveram em aplicações mais conservadoras hoje contam o que poderiam ter recebido se tivessem vendido no pico, e têm a sensação de empobrecimento, mas, em muitos casos, é apenas perda de oportunidade. Em outros, como os fundos do FGTS, a opção era perder da inflação, ou seja, ter perda no principal.

Investidores institucionais perderam bilhões do seu patrimônio, porque tinham pelo menos metade dele aplicado em ações. Como seus passivos são de longo prazo, o dano é menor do que parece. Mesmo assim, os fundos de pensão de estatais nos quais os trabalhadores se recusaram a sair do plano de benefício definido, para o de contribuição definida, podem ter desequilíbrios temporários que exijam capitalização do patrocinador. Em outras palavras, dinheiro público para beneficiar os funcionários das estatais.

Algumas empresas estão com preços irreais agora porque a queda foi grande demais, e não determinada por algum problema com a empresa, com seu potencial, com o valor dos seus ativos e passivos, mas porque foram apanhadas pela mesma maré de queda em dominó que atingiu as bolsas no mundo. Claro que a médio e longo prazo vão se recuperar, só não se sabe quando. A pergunta mais difícil de responder num momento como este é se o fundo do poço já chegou. Uma coisa é certa: preço muito baixo de ativos sempre estimula o outro instinto do capital, o da ganância. Ele está temporariamente desaparecido, porque cedeu lugar ao instinto do medo, mas voltará.

Grandes empresas tiveram desequilíbrios temporários com passivos em dólar, por terem feito apostas em derivativos. Elas correram risco de serem tragadas pelas apostas que fizeram, mas têm, a médio prazo, capacidade de geração de caixa, ativos e reputação para recuperar seu valor de mercado.

Nem tudo é só ilusório nesta perda, evidentemente. Quem já vendeu as ações por necessidade, por medo de elas virarem pó, por estarem cansados da sangria diária ou do nervoso sobe e desce, recuperou das aplicações um valor menor do que havia poupado. Perdeu mesmo. Quem ainda tem sangue frio e tempo poderá, em algum momento, recuperar o capital perdido.

Mas o importante neste momento de contabilizar as perdas e os danos do ano terrível nas bolsas de valores é ter a noção do tamanho dos números. As 323 empresas na Bovespa tinham um valor de mercado de R$ 2 trilhões no fim de 2007. Isso é quase o tamanho do PIB do Brasil na época, que era de R$ 2,6 trilhões. É claro que, por maiores que sejam essas empresas, elas não tinham esse tamanho todo. Da mesma forma que é ilusória a conta mundial de perda de riqueza de mais de dois EUA. Mesmo assim, houve perdas de fato, que geraram efeitos econômicos que vão persistir por muito tempo. As empresas perderam uma fonte de capitalização, os investidores perderam economias e têm que cortar consumo, impostos deixarão de ser pagos. Perdas e danos existem, só que é difícil mensurá-los, a não ser com os números do valor de mercado, que trazem seus enganos e volatilidade.

Com Leonardo Zanelli

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