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Míriam Leitão

Pista escorregadia

O Brasil largou tarde na pista e quer continuar acelerando quando a corrida acabou. No último boom, o Brasil cresceu menos que o mundo. Acelerou na última volta e quer manter o ritmo com manobras radicais. Uma delas: como a Nossa Caixa vai ser comprada pelo BB, o banco federal ficará com R$ 8 bilhões de risco das montadoras. Tudo para manter um ritmo de vendas que é insustentável.

O mundo está parando, não é sensato o Brasil achar que manterá um ritmo de vendas e de expansão de crédito que tinha antes. A venda de carros crescia a 25% ao ano; dobraram de 2004 para cá. O ritmo do crescimento de crédito pessoal estava acima de 30%. O governo acha que pode manter isso com liberação de recursos de bancos públicos. O Brasil vai desacelerar por vários motivos: porque o crédito ficou mais escasso no mundo inteiro; porque os Estados Unidos são o país de origem do maior volume de investimento no país e suas empresas estão entrando em crise; porque 40% das nossas exportações vão para os EUA e para a Europa, que estão entrando em recessão.

Que as autoridades tentem neutralizar parte do efeito da crise, é natural. Acreditar na ficção de que com liberalidade com o caixa de bancos públicos se manterá o país no mesmo ritmo de antes, é perigoso. Se, por acaso, o consumo fosse mantido no mesmo ritmo, o Brasil abriria um grande rombo nas contas externas, porque as importações continuariam crescendo, mas as exportações cairiam em volume e preços. O saldo comercial já caiu 40%. Outro efeito: se as empresas reduzirem suas margens para desovar estoques, isso ajudará a derrubar a inflação. Se o governo socorre os setores, para que eles mantenham o ritmo de crescimento, as empresas passarão o aumento do custo do dólar para o consumidor. O que vai produzir mais inflação.

As notícias ruins não dão descanso. O presidente mundial da Merrill Lynch, John Thain, disse ontem, segundo o Financial Times, que o mundo está diante de uma desaceleração econômica de proporções "épicas", que ele compara à Grande Depressão. Cobre, ouro, petróleo e bolsas caíram ontem de novo, na convicção de que a economia real está seriamente atingida.

– Não existe isso de decoupling – disse Thain, enterrando de vez uma idéia estranha que já foi moda entre os economistas do mercado: a de que uma parte do mundo cresceria sustentando a economia. A GM anunciou ontem mesmo que vai suspender a produção na Coréia, por duas semanas, que é uma das mais lucrativas unidades da empresa. A Peugeot-Citroen demitiu mil funcionários na China, por queda de vendas. A DHL, com as demissões que acaba de fazer, conseguiu emagrecer seu quadro de funcionários de 18.000 empregados, que tinha meses atrás, para 4.000 agora, e o Deutsche, dono da empresa, desistiu de concorrer com o Fedex e o UPS.

Que a GM ia mal das rodas, já se sabia há muito tempo. De 2004 para cá, a maior fabricante de automóveis do mundo acumulou um prejuízo de US$ 70 bilhões. E ele só tem sido atenuado pelo bom desempenho das operações em países como China e Brasil. Ou seja, o caso das montadoras americanas não é provocado pela crise em si. A GM estava no vermelho nos anos gordos.

A crise, claro, piorou tudo. No dia 1.º de julho, a montadora anunciou que teve queda nas vendas no mercado americano de 18% em junho, sobre o mesmo mês do ano passado. A ação naquele dia até subiu, porque se esperava uma queda maior. No mesmo dia, a Ford anunciou queda de 28% e a Toyota vendeu menos 21%. No dia seguinte, 2 de julho, a Merrill Lynch advertiu que uma moratória da GM "não era impossível" e que a montadora precisaria de US$ 15 bilhões para enfrentar bem as dificuldades financeiras, quase o dobro do inicialmente esperado. Neste dia, as ações da GM caíram ao menor valor desde setembro de 1954, a US$ 9,98. Na última segunda-feira, a ação estava sendo negociada a pouco mais de US$ 3, e a aposta agora é que pode chegar a US$ 1. A empresa, que chegou a valer US$ 100 bilhões nos anos 90, passou a ser avaliada em US$ 5,65 bi neste ano. E caindo.

A situação é tão grave que, na primeira visita ao presidente em exercício, o presidente eleito Barack Obama pediu que o governo Bush ajudasse as montadoras. Isso será feito via Congresso, como disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, através do pacote de resgate financeiro. Obama quer que a ajuda seja condicionada a um esforço das empresas para se ajustar a um mundo que consome menos combustível fóssil, e que usa outros combustíveis. Se não bater pé nisso, estará perdendo a primeira batalha e se entregando ao primeiro dos, como ele dizia na campanha, detestáveis lobbies de Washington.

Por aqui, as empresas estão sentindo apenas a primeira onda de queda de vendas. O país vinha crescendo muito quando começou o pior da crise. O crescimento neste ano não será os 24% previstos pela Anfavea, mas será significativo.

Há boas notícias no mercado brasileiro. Os setores têm pequenas reduções de venda, perto do que se vê em outros países. O Brasil está muito melhor do que outros países, mas se quiser crescer a qualquer custo, viverá uma crise pior mais adiante; como aconteceu no segundo choque do petróleo. Desaba uma tempestade, hora de trocar os pneus e redobrar o cuidado.

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