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Esta deve ser uma das histórias políticas mais engraçadas das últimas semanas: na terça-feira passada, 42 congressistas republicanos de primeiro mandato enviaram uma carta a Barack Obama na qual pediam que o presidente norte-americano abandonasse a tática do "Mediscare" (um trocadilho que mistura a palavra Medicare, programa de saúde pública dos Estados Unidos, com o verbo "assustar", em inglês). Eles querem que os aliados de Obama parem de afirmar que o projeto orçamentário republicano acaba com a atual estrutura do Medicare – mesmo que a tal proposta acabe de fato com a atual estrutura do Medicare.

As pessoas que assinaram a carta, no entanto, foram eleitas após adotar sua própria tática de "Mediscare". A diferença é que as afirmações feitas hoje pelos democratas são verdadeiras, enquanto aquilo que os republicanos diziam no ano passado (painéis da morte!) era completamente falso. Os signatários alegam que agora é hora de "jogar limpo". Que conveniente – e que patético.

A verdade é que os idosos norte-americanos devem mesmo temer as ideias orçamentárias dos republicanos, e não apenas porque elas preveem o desmonte do Medicare. Dada a situação do orçamento federal dos EUA, um partido que insista em não cogitar qualquer tipo aumento dos impostos – como faz o presidente da Câmara dos Deputados, John Boehner – é necessariamente um partido que exige cortes radicais nos programas voltados para a população mais velha.

Para explicar isso, deixem-me responder a uma pergunta retórica feita pelo professor John Taylor, da Universidade Stanford, num recente artigo publicado pelo The Wall Street Journal. Eis a questão: "Se o governo todo funcionava consumindo 19% a 20% do PIB em 2007" – ou seja, pouco antes da Grande Recessão – "por que é tão difícil que ele funcione com a mesma porcentagem em 2021?".

Taylor achou que esse era um bom argumento para não aumentar os gastos públicos. Mas qualquer pessoa que conhece um pouco o orçamento federal sabe de uma boa resposta para a pergunta – uma resposta que demonstra quão radical é o compromisso com o não aumento de impostos. Pois aí vai um resumo rápido e rasteiro das atribuições do governo dos EUA: a administração federal norte-americana é uma gigantesca companhia de seguros que atende principalmente os idosos – e que tem Forças Armadas.

O grosso dos gastos federais norte-americanos que não está relacionado à Defesa ou aos juros da dívida vai para a manutenção da Previdência Social, do Medicare e do Medicaid. Os dois primeiros servem especificamente aos mais velhos. O Medicaid é muitas vezes visto como um programa social, voltado aos pobres, mas hoje em dia ele se resume em grande parte a cobrir serviços de enfermagem, e dois terços de seus gastos seguem para o atendimento de pessoas idosas e/ou portadoras de deficiência. Pelas minhas contas, em 2007, os idosos consumiram, direta ou indiretamente, metade de todas as despesas públicas dos EUA. E logo haverá ainda mais velhos na população, afinal os baby boomers já começaram a atingir a idade da aposentadoria.

Eis os números: em 2007, havia 20,9 norte-americanos de 65 anos ou mais para cada 100 norte-americanos de 20 a 64 anos, a faixa populacional que está na idade economicamente ativa e que, por isso, proporciona a base de sustentação fiscal aos gastos do governo. A administração da Previdência Social estima que essa relação suba para 27,5 em 2020 e 31,7 em 2025. Muito mais gente dependerá dos programas de seguridade social dos EUA.

A demografia não explica tudo. No longo prazo, os gastos com saúde pública têm crescido invariavelmente acima da economia, aumentando o custo proporcional do Medicare e do Medicaid em relação ao PIB. Medidas de controle de despesas – exatamente aquelas demonizadas como painéis da morte pelos republicanos – podem ajudar a conter esse aumento, mas poucos especialistas acreditam que seja possível evitar um "crescimento excessivo de gastos" com saúde durante a próxima década.

Com o envelhecimento da população e o custo crescente da saúde, a preservação dos atuais programas de benefícios a idosos vai exigir um aumento significativo na despesa com esses serviços. A menos que cortes dramáticos sejam feitos no setor de defesa – alternativa que os republicanos recusam –, o resultado será um crescimento geral nos gastos públicos que só poderá ser absorvido com aumento de impostos. Portanto, quando pessoas como Boehner rejeitam de cara qualquer alta nos tributos, na prática elas estão declarando que os programas de atendimento à população mais velha dos EUA não serão mantidos da forma como existem hoje. É mera questão aritmética.

Isso nos leva de volta aos republicanos estreantes no Congresso. No ano passado, os eleitores mais velhos, que haviam dividido seus votos de forma mais ou menos igual em 2008, optaram de forma esmagadora pelos candidatos do Partido Republicano – que souberam se mostrar como defensores do Medicare. Agora os democratas mostram que os republicanos, longe de defender o Medicare, estão na verdade querendo desmantelar o programa. É compreensível que os novos congressistas de oposição estejam nervosos. Mas os democratas não usam uma tática de amedrontamento, eles simplesmente dizem a verdade. À parte os detalhes do mundo político, o rígido posicionamento anti-impostos torna o Partido Republicano obrigatoriamente num inimigo dos programas voltados para idosos, que respondem por boa parte das despesas públicas dos EUA. E isso é algo que os eleitores devem saber.

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