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A Netflix também precisa lidar com o encolhimento do seu acervo de conteúdo externo. A Disney e outros gigantes estão tirando séries e filmes da Netflix na medida que os acordos expiram, na esperança de monetizá-los em seus próprios serviços.  | Chris Ratcliffe/Bloomberg
A Netflix também precisa lidar com o encolhimento do seu acervo de conteúdo externo. A Disney e outros gigantes estão tirando séries e filmes da Netflix na medida que os acordos expiram, na esperança de monetizá-los em seus próprios serviços. | Foto: Chris Ratcliffe/Bloomberg

Em 2011, executivos da Netflix começaram formar o elenco de uma nova série chamada House of Cards, apostando que o conteúdo original de alta qualidade poderia ser produzido e distribuído totalmente à margem de Hollywood.

Sete anos depois, essa aposta se transformou em uma das grandes histórias de sucesso da história do entretenimento. A Netflix, na semana passada, teve mais indicações ao Emmy do que qualquer outra entidade — 112, de 40 séries diferentes. O que na época era uma base de clientes de 20 milhões de assinantes, a maioria deles nos Estados Unidos, hoje é composta por mais de 120 milhões de assinantes em todo o mundo. A empresa planeja gastar mais de US$ 8 bilhões em conteúdo somente este ano.

No entanto, o futuro da Netflix é inquietantemente mais incerto como há muito não era.

Na segunda-feira (16), a empresa informou que, nos três meses anteriores, adicionou apenas cinco milhões de assinantes globais, em vez dos seis milhões que os analistas esperavam. A notícia imediatamente provocou uma venda acelerada no after-hours, fazendo com que o preço das ações caísse mais de 13%.

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Um déficit de um milhão de assinantes pode parecer minúsculo para os observadores casuais, mas ele tocou em várias preocupações latentes. Com os rivais digitais como a Apple começando a investir em entretenimento e players do entretenimento, como a Disney, atacando o mundo digital, o rápido crescimento da Netflix e os grandes gastos de repente não parecem mais tão confiáveis. Os investidores se perguntam se um gigante rebelde está prestes a ser desbancado.

“A realidade é que, se qualquer rede tradicional aumentasse maciçamente os gastos, veria um enorme salto em sua audiência também”, disse Brian Wieser, analista de mídia e entretenimento da Pivotal, de Nova York, referindo-se à Netflix. “Só porque você está gastando muito, não significa que você tem um bom negócio.”

A Netflix, no momento, continua sendo a gigante das assinaturas de streaming. A empresa gerou US$ 3,91 bilhões em receita no último trimestre e um lucro de US$ 291 milhões. A coroa de indicações ao Emmy — a empresa a tirou da HBO, que liderou as indicações da premiação nos 18 anos anteriores — representou uma vitória simbólica fundamental.

E um aumento nas séries de originais em lugares como a Índia e a América do Sul deve manter o rápido crescimento dos assinantes fora dos Estados Unidos, mesmo quando esse crescimento desacelerar no país-sede da empresa.

“Estamos nos sentindo muito fortes com relação aos negócios”, disse o CEO da Netflix, Reed Hastings, em uma teleconferência com investidores na segunda-feira.

Ted Sarandos, diretor de conteúdo da empresa, acrescentou: “Sempre nos concentramos em manter as pessoas entretidas e satisfeitas de maneira absoluta, não relacionadas a qualquer competição. Ao ficar de olho em nossos membros e consumidores, somos melhor servidos do que hiperfocagem na competição”.

No entanto, isso não impedirá que os outros tenham esse foco.

A Disney lançará um serviço em 2019 para vender conteúdo diretamente aos consumidores. A empresa está perto de concluir a aquisição da 21st Century Fox, o que lhe daria acesso a unidades, como a FX e a divisão de filmes Fox Searchlight (de A Forma da Água), feitas sob medida para o mundo high-end do streaming, no qual prestígio e engajamento importam.

Como parte do acordo, a Disney também assumiria o controle majoritário do serviço de streaming Hulu, recém-saído do enorme sucesso The Handmiad’s Tale, e fortaleceria sua posição contra a Netflix dessa maneira.

Ao mesmo tempo, a operadora norte-americana AT&T recebeu permissão legal, ainda passível de apelação, para comprar a Time Warner e, por sua vez, a chance de despejar dinheiro na HBO para tornar a rede uma concorrente ainda mais forte da Netflix. O chefe nomeado da AT&T da recém-renomeada Warner Media, John Stankey, disse recentemente aos funcionários da HBO que gostaria de mais “engajamento”. De acordo com um executivo que esteve na reunião e falou sob condição de anonimato, isso foi interpretado na sala como um negócio de volume que concorre mais com a Netflix e suas 40 séries indicadas ao Emmy, com investimento de acordo.

Esse número provavelmente não será de US$ 8 bilhões, disse uma pessoa familiar à situação, que não estava autorizada a falar sobre isso publicamente, mas certamente mais do que US$ 1 bilhão que a empresa estima gastar atualmente.

As empresas de tecnologia também se juntaram à luta para derrubar o Netflix. A Amazon recentemente passou por uma mudança de gerenciamento que viu vários veteranos da NBC, incluindo Jennifer Salke e Vernon Sanders, assumirem o comando.

E a Apple se lançou de uma maneira grandiosa, assinando com criadores de conteúdo nos últimos meses, incluindo Oprah Winfrey e Steven Spielberg, cujos programas ela poderia distribuir através de uma plataforma de assinatura existente, como o Apple Music ou um novo serviço.

A Netflix acredita que esses concorrentes não são uma ameaça direta. Será?

“O mercado de entretenimento é tão grande que pode haver várias empresas bem-sucedidas”, disse o vice-presidente de relações com investidores da empresa, Spencer Wang, a analistas.

Talvez refletindo essa crença, os papéis se valorizaram um pouco na terça-feira (17), recuperando oito daqueles 13 pontos percentuais perdidos no after-hours, e segue rumo a 200 milhões de assinantes globais nos próximos anos.

Ainda assim, observadores apontam que a Netflix está em uma posição única: ela não tem outro negócio se o modelo de conteúdo por assinatura fracassar (ou cair em desgraça com Wall Street). Isso é diferente da Disney, da Apple e da Warner Media, que têm posições em outros ramos.

Um porta-voz da Netflix recusou falar para estar reportagem especificamente.

Mesmo analistas com uma visão mais otimista sobre a Netflix estão adotando uma abordagem contida em relação à empresa. Embora ele acredite que a Netflix “tomou uma série de medidas para evitar mudanças” e diga que a empresa tem um futuro brilhante, Tuna Amobi, analista sênior da CFRA Research, se preocupa com o que ele chama de “status de incumbente entrincheirado” da Netflix.

“É definitivamente algo que estamos observando em termos de mudança de cenário — daqui a dois ou três anos a paisagem será mais intensa”, disse Amobi. “Nós já estamos vendo isso.”

Uma das mais potentes ilustrações do que está acontecendo vem de um novo estudo da cg42, uma empresa de consultoria e estratégia de marca sediada em Nova York. A empresa entrevistou mais de três mil espectadores de TV e descobriu que os que cancelaram a TV por assinatura pagam, em média, 2,5 serviços de streaming de vídeo, enquanto os que nunca tiveram TV por assinatura pagam por uma média de 1,5 serviço.

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Isso sugere que a Netflix estava bem posicionada para continuar cobrando seus clientes, já que, entre os entrevistados, 93% deles disseram ter usado a Netflix nos últimos três meses de 2016.

Exceto por um problema: em 2017, esse número caiu para 73%.

“Isso não significa que a Netflix tenha um problema no que diz respeito a seus negócios agora”, disse Stephen Beck, fundador da cg42, referindo-se ao estudo. “Significa que o ambiente competitivo está rapidamente se tornando mais expansivo”. Se as pessoas pagam apenas por alguns serviços, mas há o dobro desses serviços, disse ele, a Netflix pode ter que trabalhar muito mais para atrair e reter assinantes.

É por isso que os observadores dizem que a empresa tem aberto seus cofres para criadores de alto nível. Na primavera, ela aceitou um acordo com o prolífico produtor Ryan Murphy (de GleePose) que pagará a Murphy até US$ 300 milhões para trazer suas séries da Fox. Shonda Rhimes, a mega-produtora da ABC por trás de séries como ScandalGrey’s Anatomy, recebeu cerca de US$ 100 milhões para se juntar à Netflix e acaba de se mudar seus escritórios para a sede da empresa, em Los Angeles. A Netflix também pagou Barack e Michelle Obama uma quantia não revelada para o casal produzir uma série de shows e filmes.

Mas simplesmente gastar muito dinheiro pode não ser uma boa estratégia. “É a teoria do espaguete”, disse Weiv Pivotal. “Apenas torre dinheiro para ver se algo ‘pega’”. A Netflix já está ciente disso; executivos falaram sobre o delicado equilíbrio das “margens operacionais” — basicamente, gastar o suficiente em conteúdo e marketing para atrair assinantes enquanto também não pagam demais por eles.

Acervo de conteúdo está encolhendo

A Netflix também deve lidar com o encolhimento do seu acervo de conteúdo externo. A Disney e outros gigantes estão tirando séries e filmes da Netflix na medida que os acordos expiram, na esperança de monetizá-los em seus próprios serviços. A Netflix sabe que este dia está chegando. 

“Nossa aposta é que, no longo prazo, eles vão querer todo o seu conteúdo em seus serviços”, disse Sarandos na segunda-feira. Mas, ainda assim, pode ser algo difícil de engolir. Os consumidores, há não muito tempo, dizem os analistas, estavam acostumados a assistir a programas principalmente na Netflix, que possuía uma grande quantidade de títulos licenciados porque as empresas preferiam licenciá-los, além de um ou outro sucesso próprio ocasional.

Agora, a Netflix tem um reservatório mais profundo de títulos próprios — e muitos serviços paralelos oferecendo seu próprio conteúdo.

“O mundo está se tornando mais fragmentado”, disse um executivo de marketing de Hollywood que pediu anonimato porque sua empresa compete e faz negócios com a Netflix. “A Netflix já se beneficiou disso. Agora, ela pode ser prejudicada.”

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