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Robinho com a camisa produzida em Capanema, no Paraná: negócio foi traumático para a Rocamp. | Bruno Cantini / Atlético MG
Robinho com a camisa produzida em Capanema, no Paraná: negócio foi traumático para a Rocamp.| Foto: Bruno Cantini / Atlético MG

O amor à primeira vista, com direito a casamento no calor do verão, mal suportou o outono e no inverno se acabou. Hoje em dia, a canadense Dryworld e a paranaense Rocamp só se falam por advogados.

A união entre as fabricantes de uniformes esportivos, formalizada em 4 de janeiro, marcou o início de um ambicioso projeto de expansão dos canadenses e prometia multiplicar o faturamento da empresa do Paraná. Mas a lua-de-mel durou pouco. Problemas de gestão levaram a dificuldades financeiras, dividiram os sócios e afetaram fornecedores e clientes – entre eles Atlético Mineiro e Fluminense, dois dos maiores clubes de futebol do país.

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O futuro da sociedade será decidido nos tribunais. Alegando desvios de finalidade e gestão temerária por parte dos canadenses, os sócios brasileiros, minoritários, recorreram à Justiça e conseguiram assumir a gestão do negócio no mês passado, mas a decisão judicial ainda não é definitiva.

O presidente global da Dryworld, Juan Claudio Escobar, foi afastado em 18 de agosto do comando da Dryworld Indústrias Américas, como a Rocamp passou a ser chamada. Para seu lugar, o juiz nomeou Matheus Campagnolo, que dirigiu a confecção nos três anos anteriores à aquisição. Ele é filho do fundador, Edson Campagnolo, presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).

Pouco em comum

As duas empresas tinham pouco em comum. Criada em 2010 pelos ex-jogadores de rúgbi Matt Weingart e Brian McKenzie, a Dryworld era desconhecida fora de seu país. Mas desembarcou no Brasil e no ramo do futebol fazendo alarde. Bancou a contratação de Robinho pelo Galo e ofereceu patrocínios recordes ao clube mineiro e ao Tricolor carioca, de R$ 20 milhões e R$ 13,5 milhões ao ano, respectivamente.

A Rocamp sempre foi mais discreta. Fundada há 26 anos em Capanema, cidade de 19 mil habitantes do Sudoeste paranaense, mal estampava seu nome nas peças que produzia para marcas como Mizuno, Penalty, Olympikus e Lupo e para as redes varejistas Decathlon e Centauro.

A aproximação se deu por interesses complementares: a Dryworld queria começar logo a produzir no país, e a Rocamp sonhava com uma marca própria, o que dobraria o faturamento por peça. “A gente se conheceu e já marcou data para o casamento. E só depois foi discutir a relação”, reconhece Edson Campagnolo.

Em troca do controle acionário da Rocamp, os canadenses licenciaram o uso da marca Dryworld em toda a América Latina à família Campagnolo por 20 anos, prorrogáveis por mais dez, e se comprometeram a investir US$ 10 milhões para ampliar a capacidade de produção. O faturamento seria dividido meio a meio.

Daniel Nepomuceno, presidente do Atlético Mineiro, com Matt Weingart eJuan Claudio Escobar, da Dryworld: acordo milionário.Bruno Cantini / Atlético

Relação estremecida

O estopim da crise foi aceso logo no início da parceria. O combinado era que os brasileiros ficariam à frente do desenvolvimento, produção e distribuição dos uniformes. Mas depois a Dryworld alegou que, nessas condições, os fundos de investimento que a apoiam não colocariam dinheiro no negócio. A multinacional assumiu, então, a gestão operacional. Mas jamais investiu o prometido, porque os fundos recuaram, culpando o cenário político e econômico do país.

Com recursos próprios, os Campagnolo haviam comprado, em dezembro, uma confecção que estava fechando as portas em Cascavel, a 120 quilômetros de Capanema. Mas não era o bastante. “Jamais seria possível produzir, sem o aporte de capital, o volume que a Dryworld assumiu”, diz o fundador da Rocamp. “Só para o Galo são 300 mil peças por ano para o mercado. De enxovais [uniformes para o clube], são cerca de 50 mil.”

Dona do slogan “dream, defy, deliver” (algo como “sonhe, desafie, entregue”), a Dryworld não conseguiu cumprir o básico: fabricar (e entregar) uniformes suficientes para os clubes, muito menos para a torcida. As categorias de base tiveram de usar peças antigas. Os times principais também foram afetados. “Quando assumimos a operação, em agosto, o Galo não tinha camisa número 1 para entrar em campo. O Goiás [outro parceiro] não tinha camisa nem calção”, conta Campagnolo.

Terra devastada

A matriz da Dryworld atrasou o pagamento do patrocínio aos clubes, e até hoje não remunerou a Rocamp pela produção dos enxovais. Os problemas no futebol contaminaram outras áreas: o fornecimento para redes varejistas começou a falhar, e por pouco não faltou uniforme com a marca da Olympikus para a seleção de vôlei na Olimpíada.

Mais grave era a situação financeira da confecção. “Todos os limites de crédito acabaram no fim de julho, tanto com bancos quanto com fornecedores. A empresa não estava no Serasa, hoje está. Não tinha protesto, agora tem”, diz Campagnolo. “Recuperamos o fornecimento aos clubes e estamos aos poucos tentando abastecer o mercado, mas com muita dificuldade. Continuaremos fornecendo ao Galo e ao Fluminense pelo menos até dezembro.”

O empresário diz ter ganho um voto de confiança de fornecedores e cooperativas de crédito para reerguer a empresa. Ela já fechou contrato com a Decathlon para 2017, e conversa com várias marcas, entre elas uma italiana, para substituir a Dryworld. “Estamos passando por um momento muito difícil, mas a recuperação é possível. Em médio prazo.”

R$ 25 MILHÕES

era o faturamento anual da Rocamp. Com a Dryworld, a confecção esperava triplicar esse valor ainda em 2016, em razão do aumento da produção e do faturamento por peça. A companhia, que chegou a ter 600 funcionários no começo do ano, agora tem 500, nas fábricas de Capanema, Planalto, Santo Antônio do Sudoeste e Cascavel.

ESCOBAR EM SILÊNCIO

Contatado pela Gazeta do Povo, o presidente da Dryworld, Juan Claudio Escobar, disse que não comentaria a parceria com a Rocamp. E avisou que comentários de outras pessoas “não refletem a opinião da Dryworld”.

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