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estímulos nos EUA
Redução de estímulos e perspectiva de elevação de juros nos EUA deve provocar saída de recursos de países emergentes, como o Brasil.| Foto: Pixabay

A decisão do Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, de reduzir o programa de estímulos à economia a partir deste mês deve trazer consequências para países emergentes, agravando ainda mais a situação do Brasil. Às projeções de estagnação do PIB e de alta inflacionária, devem se somar uma tendência de valorização ainda maior do dólar e a necessidade de elevação da taxa básica de juros, avaliam economistas.

O programa de estímulos foi adotado em resposta à pandemia do novo coronavírus e já injetou cerca de US$ 4,3 trilhões na economia norte-americana. Consiste basicamente na compra mensal de US$ 120 bilhões em títulos de bancos, fundos de investimentos e outros investidores. Com o aumento da demanda, o valor desses títulos sobe e os juros caem, tornando o crédito mais barato e estimulando o consumo.

A decisão do Fed, anunciada em comunicado na semana passada, é de reduzir as compras mensais de títulos em US$ 15 bilhões por mês, até que o programa seja encerrado em junho de 2022, caso não haja mudanças nessa dinâmica. O processo, chamado de “tapering”, retira liquidez do mercado, o que faz com que os juros subam, atraindo o capital de investidores que estão aplicados em países emergentes.

“É natural que no curto e médio prazo, os Estados Unidos mudem de um país onde se gasta muito, por causa dos estímulos, para um país que olha a renda fixa de longo prazo, porque sabe que os juros vão ser corrigidos a qualquer momento, e começa a ter menos liquidez no mercado”, explica Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos. “O dólar vai ficar mais escasso, e vai se valorizar perante as outras moedas, principalmente as emergentes.”

No primeiro momento, a decisão do Fed não chegou a gerar grande impacto na economia global. O coordenador do departamento econômico do Banco ABC Brasil, Daniel Xavier classifica o anúncio como um “não evento”, pois o desfecho e as sinalizações que dele decorreram vieram em linha com o que já vinha sendo sinalizado pela autoridade monetária.

“Foi muito bem-sucedido, no contexto atual, sob o ponto de visa da condução de expectativas e preços de mercado e teve assim efeito apenas marginal nas moedas de países emergentes”, diz Xavier, que classifica o processo como um “boring tapering”, como descreveu o presidente da distrital do Fed na Filadélfia, Patrick Harker.

A retirada dos estímulos já vinha sendo sinalizada pelo Fed diante de uma economia com problemas na oferta, em que a medida não é mais necessária. O programa é visto como um dos fatores que permitiu aos Estados Unidos enfrentar a pandemia com previsão de crescimento de 6% em 2021 e de 5,2% em 2022, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Efeitos devem aparecer ao fim do tapering

“Toda normalização de juros é, de alguma maneira, também uma elevação no valor global do dólar e isso atrai investimentos [aos EUA]”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.

“Em um contexto de dólar mais alto, ou seja, de retorno melhor de investimentos nos Estados Unidos, você tem, por parte dos investidores globais, um fluxo de capitais para o país, o que obviamente é um problema para os emergentes”, explica Vieira. “Mas não foi bem o que aconteceu; o mercado gostou de como o Fed promoveu o tapering e não desanimou muito. A primeira reação não foi tão ruim quanto se esperava.”

Para Vieira, o impacto nos países emergentes deve acontecer em médio prazo, a partir do momento em que o Fed efetivamente aumentar a taxa básica de juros, o que deve ocorrer ao fim do tapering. “É quando vamos ver a segunda reação”, prevê. Há uma expectativa do mercado de que a primeira alta ocorra a partir de julho de 2022, embora alguns analistas projetem o início do ciclo apenas para 2023.

O economista-chefe da Infinity considera, por outro lado, que o Brasil já tem afastado o investidor estrangeiro em razão de assuntos internos, como a mudança no arcabouço fiscal e a instabilidade política. “Se compararmos o Brasil com outros mercados emergentes, o único impacto ruim do tapering para a gente é o dólar. O resto, tanto faz quanto tanto fez”, opina.

“Neste momento, a questão local está se sobrepondo, senão nós estaríamos com bolsa subindo e aquela coisa toda. Estamos na contramão do globo neste momento. É chegar lá na frente para ver como vai estar a situação política no Brasil, no meio de um segundo turno eleitoral”, diz Vieira.

Alta nos juros e risco ao crescimento

Xavier, do Banco ABC Brasil, prevê um aumento da taxa de juros norte-americana ao ritmo de 0,25 ponto porcentual, em reuniões intercaladas, a partir do quarto trimestre de 2022.

“Ainda assim, ressaltamos que o balanço de riscos em torno da inflação, caso piore, pode motivar ações mais antecipadas por parte do FOMC [Comitê Federal de Mercado Aberto do Fed], tendo em vista os seus apontamentos recentes. Este caso pode implicar em pressões adicionais para a depreciação da nossa moeda, principalmente se o cenário fiscal seguir sob risco”, diz.

Para atrair o capital estrangeiro, países emergentes também acabam se vendo forçados a elevar as taxas. “A bem da verdade, você tem que ajustar um pouco antes”, diz Franchini, da Monte Bravo. “Não adianta subir juros depois dos Estados Unidos se nós já não somos atrativos.”

A consequência de subir os juros, por outro lado, é uma redução na busca por crédito, o que desestimula o consumo e consequentemente o crescimento econômico. O relatório Focus divulgado pelo Banco Central (BC) na última terça-feira (16) mostra que a projeção mediana de bancos e consultorias para a taxa Selic em dezembro de 2022, que há quatro semanas era de 8,75%, chegou a 11%. No mesmo intervalo, a expectativa do mercado para o PIB do ano que vem caiu de 1,5% para 0,93%, com alguns economistas prevendo estagnação e até mesmo retração.

“Vamos ter um crescimento menor do que o apurado e menor do que o esperado, até porque as empresas listadas na bolsa também vão crescer menos, já que o lucro operacional delas diminui”, diz Franchini. “Com a alta de juros, as companhias têm dificuldade de colocar novas vagas no mercado de trabalho, então naturalmente você ainda vai ter o porcentual de desemprego elevado, diminuição na renda ou um aumento mais lento do que deveria ser a realidade e, em consequência, a manutenção do programa assistencialista no médio prazo.”

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