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Como o crédito imobiliário pode ajudar a economia a se levantar
| Foto: Letícia Akemi/Arquivo/Gazeta do Povo

Em tempos como este, há que se defender o óbvio, parafraseando o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Na crise, a saída é o dinheiro. Mas, enquanto governo, BNDES e empresários se batem para fazer as linhas de empréstimo “chegarem à ponta” – ou seja, em quem precisa de fato – um outro tipo de crédito, destinado principalmente a pessoas físicas, pode dar um impulso fundamental à geração de renda e manutenção de empregos no país: o imobiliário.

Beneficiados pelas seguidas redução de juros e captação recorde nas cadernetas de poupança, os financiamentos de imóveis estão com condições “imperdíveis” na visão de diversos analistas. Um dinheiro que pode amenizar o impacto de uma economia com forte tendência de queda, já que a construção civil, por toda cadeia que movimenta, é um dos principais motores da saúde financeira do país. 

Na semana passada, em uma reunião virtual da comissão mista do Congresso que trata das ações de combate ao Covid-19, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, afirmou que o banco já emprestou mais de R$ 50 bilhões dos R$ 154 bilhões disponibilizados para o crédito imobiliário durante a pandemia. “Entendemos que estamos apoiando a retomada do crescimento”, disse.

Recentemente, o banco – que o é maior financiador de imóveis do Brasil – aumentou de três para quatro meses o período de pausa emergencial no pagamento do financiamento da casa própria. Uma forma de dar alguma segurança a quem financiou ou quer financiar. Com isso, os mutuários, que já podiam desde abril protelar os boletos por 90 dias, ganharam mais 30 para reorganizar as finanças.

Estima-se que estas medidas adotadas pelo banco tenham potencial de afetar 5 milhões de famílias e preservar 1,2 milhão de empregos na construção civil.

Tais políticas se somam à redução histórica na Selic, a taxa básica de juros. O último corte foi feito em abril pelo Banco Central. Hoje em 3% ao ano, a taxa pode cair mais 0,25% no curto prazo. O índice tem impacto direto na forma como os bancos cobram as prestações dos empréstimos imobiliários – ele afeta a Taxa Referencial (TR) e o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), que são valores somados nas mensalidades repassadas ao consumidor.

Para o economista e professor de Ciências Econômicas da Unicesumar Sidinei Silvério, são boas soluções. “As últimas medidas do Banco Central e da Caixa Econômica favoreceram as pessoas que têm uma renda estável e capacidade de pagamento. Essa crise econômica e financeira, se por um lado é terrível, para alguns pode ser um momento de oportunidade única. As condições de crédito imobiliário são excelentes se comparadas com o verificado em período de normalidade. Tem-se juros baixos, entrada facilitada, carência de seis meses para pagar a primeira parcela, possibilidade de uso do FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço]. Para ter uma ideia, a entrada [na compra de um imóvel] na normalidade é de 20% a 30% [do valor total]. Diante da epidemia, está em 5%”, diz o professor.

O custo efetivo total, considerando um financiamento de TR e juros para 35 anos, é de 0,62% ao mês. “Bem abaixo do que se cobra na normalidade”, indica o economista. Ter estes custos abaixo de 1% era impensável até alguns anos.

Os números são impulsionados também pelas captações recordes da caderneta de poupança – que é de onde vem parte do dinheiro emprestado pela Caixa e Banco do Brasil e pelos bancos privados aos compradores de imóveis. Em abril, de acordo com números do Branco Central, a captação líquida (que é o resultado do volume de recursos que entrou menos o volume de recursos que saiu) ficou em mais de R$ 30 bilhões, melhor performance dos últimos 25 anos. Em todo 2019, como comparativo, a captação líquida havia sido de R$ 13 bilhões.

Até o momento, a leitura é de que os brasileiros estão, neste momento, fugindo de investimentos mais voláteis, ainda que os rendimentos da poupança estejam cada vez menos atrativos – é que ela depende da Selic alta para melhor remunerar. Essa busca por segurança, em vez de aposta em ganhos maiores, significa, ao menos na teoria, mercado imobiliário inundado de dinheiro.

Risco de inadimplência

Para analistas, a grande preocupação é com que esse dinheiro chegue com facilidade ao comprador. Recentemente, o governo federal criou linhas de financiamento para que empresários de pequeno e médio porte honrem com seus compromissos – sobretudo de folha salarial. Boa parte deste empresariado reclama, porém, que os bancos, temendo inadimplência, estejam dificultando a concessão desses empréstimos.

Para Silvério, o mercado imobiliário está mais blindado contra isso. “A Caixa Econômica é responsável por operar a maioria dos financiamentos, que são subsidiados [nesse caso]. Como o governo tem interesse em retomar a atividade da construção civil o mais rápido possível para gerar emprego e renda, essas medidas facilitadoras devem seguir [disponíveis] mesmo pós-pandemia”, avalia o economista.

Para quem precisa contratar um financiamento via banco privado – Bradesco, Itaú ou Santander –, porém, a situação é diferente. “O receio da inadimplência para o setor privado bancário existe e é forte. O rigor na concessão de crédito aumentou a partir da pandemia nas linhas tradicionais. Acessar os créditos convencionais será muito mais difícil”, diz.

É uma posição semelhante à de Leonardo Pissetti, presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Paraná (Ademi-PR). Ele aponta que não vai haver bloqueio do crédito, mas uma espécie de afunilamento.

“A ‘fotografia’ que você tem para [conseguir] um financiamento muda. Geralmente o banco pede a sua arrecadação e vê o que tem de informal. No caso do rendimento informal, cada agente financeiro tem seu teto, até onde ele considera isso uma renda adicional. Para isso, pede a movimentação financeira, seus extratos, dos últimos seis meses. O que o banco vai alterar agora [é a concessão] para algumas profissões que podem ser afetadas com esse tipo de rendimento”, diz o dirigente.

Em um prazo médio, no entanto, Silvério aponta que os bancos privados tendem a seguir as regras da Caixa para fazer frente à concorrência. “Quando o governo da presidente Dilma [Rousseff], na caneta, reduziu os juros de crédito pessoal e cheque especial, afetando a Caixa e Banco do Brasil, em um primeiro momento os bancos privados não aderiram a essas reduções pelo medo da inadimplência. Em um segundo momento, verificou-se que a inadimplência não aumentou e os bancos privados tiveram que seguir o movimento”, diz o professor.

Menor oferta de imóveis

Apesar do tom otimista, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que reúne representantes de grandes bancos brasileiros, indica que haverá menos empréstimos neste ano, se comparado aos números dos anos anteriores. A entidade afirma que o cenário dos financiamentos vinha em recuperação nos últimos anos. Boletim referente a março aponta que, na comparação entre os primeiros trimestres de 2019 e de 2020, os empréstimos destinados à aquisição e construção de imóveis avançaram 29,8%, atingindo R$ 20,25 bilhões.

Os números de abril, que só devem ser fechados nas próximas semanas, deverão trazer uma reversão neste quadro. Segundo Cristiane Portella, presidente da Abecip, as entidades componentes da associação já registraram, no conjunto, queda na ordem de 35% nas entradas de pedido de crédito na última semana de março. “A partir de projeções, estimamos uma redução entre 7% a 25% [na concessão de crédito] neste ano”, diz a dirigente.

Ela atrela essa redução, no entanto, não à oferta de crédito, mas a uma redução nos lançamentos pelas incorporadoras.

De fato, o presidente da Ademi diz haver incerteza sobre o volume de construções nos próximos meses. “Hoje é tudo intuição, você vê pelo cenário desenhado pelos economistas. A gente não sabe quanto tempo durará a pandemia”, diz Leonardo Pissetti. Para ele, existem três modalidades para se analisar a questão: o imóvel pronto, o em construção e o lançamento. “O pronto já está na praça, não tem como mudar muito. O estoque é o que pode gerar liquidez para a necessidade de caixa de sua empresa. Como em uma loja: você pode ter uma promoção de TV para fazer caixa”, diz.

Para os imóveis em construção, ele indica que muitos têm prazos de conclusão que permitem passar esse momento e ganhar fôlego. O principal ponto de questionamento é em relação aos lançamentos. Caso a crise se resolva em poucos meses, pode ser que o cronograma do que se tinha programado para o segundo semestre avance. Caso contrário, os lançamentos serão protelados pelas construtoras para 2021.

O dirigente indica que os empresários estão cautelosos por conta do comportamento do consumidor em momentos de crise. “A compra de imóvel as pessoas protelam porque não é a compra de um bem usual de consumo. O comprador pensa mais. E isso baixa as vendas, mesmo em um cenário de ótima oportunidade. Considerando o mês de abril, as vendas foram reduzidas a 30% do que se tinha antes da crise [no Paraná]”, indica.

Segundo ele, as compras estão voltadas para itens essenciais e o comprador está buscando economizar. “Há mais cautela nos gastos. A pandemia está sendo um recado: tiramos a fartura em troca de mais saúde e segurança”.

A batalho do crédito pessoal

Além do crédito às empresas e ao mercado imobiliário, o crédito pessoal passa por momento de reestruturação. Mas esse processo delicado promete um longo embate entre agentes públicos e bancos. As instituições financeiras tentam, por exemplo, barrar projetos como a redução dos juros para cartões de crédito e cheque especial. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) vê as propostas como uma ameaça à estabilidade do sistema financeiro.

Até agora, o lobby funcionou. Três projetos no Senado que são considerados pautas-bomba para os bancos tiveram a votação adiada por tempo indeterminado.

As propostas buscam suspender o pagamento dos empréstimos consignados, limitar os juros que podem ser cobrados no cheque especial e no cartão de crédito e elevar o imposto que é cobrado sobre o lucro dos bancos.

Para acrescentar tensão a esta negociação, a Caixa disse que pretende diminuir “em breve” os juros cobrados no cheque especial. A informação foi dada em reunião no Congresso pelo presidente da instituição, Pedro Guimarães. Caso implemente a medida, o banco pode pressionar as outras instituições a reduzir seus juros.

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