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Plataforma P-70, da Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos: por falta de estrutura de escoamento, país reinjeta nos poços boa parte do gás natural que é extraído.
Plataforma P-70, da Petrobras, no pré-sal da Bacia de Santos: por falta de estrutura de escoamento, país reinjeta nos poços boa parte do gás natural que é extraído.| Foto: Marcelo Alves Vieira/Agência Petrobras

Por meio do Plano Nacional de Fertilizantes, lançado em março, o governo federal projeta reduzir a dependência brasileira da importação dos insumos dos atuais 85% para 45% até 2050. A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) acredita que essa meta poderia ser mais ousada e chegar aos 20%. O índice poderia ser atingido com a utilização de gás natural para a produção de intermediários nitrogenados utilizados na fabricação do chamado NPK (compostos fertilizantes de nitrogênio, fósforo e potássio).

Para isso, não seria necessário produzir mais gás natural, explica o presidente executivo da Abiquim, Ciro Marino. Bastaria utilizar o combustível que já é extraído, mas que acaba reinjetado por falta de infraestrutura de escoamento. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2021 cerca de 22,2 bilhões de metros cúbicos, o equivalente a 45% da produção brasileira do gás, foram devolvidos aos poços.

Quase três quartos do gás natural produzido no Brasil vêm do pré-sal por meio de plataformas offshore. Uma das moléculas que compõem o gás é o metano, que dá origem à amônia, base da ureia – que, por sua vez, é utilizada para produzir uma variedade de fertilizantes.

“Se tivéssemos a possibilidade de trazer esses 45% [que são reinjetados nos poços] para o continente para processamento, o Brasil seria autossuficiente em gás natural”, diz Marino. De fato, o volume total importado ao longo de todo o ano passado foi de 16,9 bilhões de metros cúbicos, 5,3 bilhões a menos do que o volume que foi reinjetado depois de já ter sido extraído.

E a tendência é que a importação do produto cresça, uma vez que o novo marco regulatório do setor quebrou o monopólio da Petrobras, abrindo a possibilidade de compra de gás do exterior em condições mais competitivas. “De tudo o que extraímos hoje, 45% é reinjetado, só que o custo dos 100% tem que ser pago pelos 55% [que são aproveitados]”, ressalta o presidente da Abiquim.

Para que o gás natural extraído do pré-sal pudesse ser integralmente aproveitado, seria necessária a construção de gasodutos que ligassem as plataformas ao continente ou a implantação de unidades de compressão do produto para que o gás liquefeito fosse transportado por navios.

“Vivemos o dilema do ovo e da galinha: a Petrobras diz que não vai trazer o gás se não tiver certeza do consumo, e a indústria diz que, se não tiver disponibilidade, também não investe”, explica Marino. “Em algum momento vamos precisar sentar em uma mesa e traçar um plano em paralelo. Trazer o gás e ao mesmo tempo realizar o investimento acreditando que o gás vai estar disponível quando necessitarmos.”

A demanda da associação será levada, entre outras pautas, a uma reunião que está agendada para o dia 5 de maio, em Brasília, com representantes dos ministérios da Economia, da Infraestrutura, de Minas e Energia, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Casa Civil. “Nada disso acontece em meses ou mesmo em poucos anos. Mas alguém tem que apresentar a visão e começar a fazer”, diz o empresário.

O Brasil é hoje o quarto consumidor global de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, e o maior importador do mundo de NPK. A dependência da produção estrangeira dos insumos vem aumentando, de acordo com indicadores da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). Em 2015, cerca de 70% dos fertilizantes consumidos no país vieram do exterior. Em 2020, o porcentual subiu para 83%, e em 2021 chegou aos 85%.

Com o início da guerra na Ucrânia e os embargos econômicos do Ocidente à Rússia, esse quadro se tornou problemático para o Brasil. O país do Leste Europeu é responsável por cerca de 20% da produção mundial de fertilizantes e origem de 28% das importações brasileiras.

Em março, o governo lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, com medidas que visam reduzir a dependência brasileira da importação dos insumos para 45% nas próximas três décadas. A maior parte das ações está concentrada no estímulo à mineração de compostos de potássio e fósforo, hoje pouco explorados no país. Para Marino, o investimento no transporte de gás natural para a fabricação de nitrogenados complementaria o plano.

A Petrobras já manteve três unidades de produção de fertilizantes nitrogenados, nas cidades de Camaçari (BA), Laranjeiras (SE) e Araucária (PR). Em razão de regras de "transfer price", a empresa precisava consumir o insumo pelo mesmo preço que oferece ao mercado, o que acabou tornando as operações inviáveis.

A Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR) está inoperante desde 2020, depois de amargar um prejuízo de R$ 250 milhões em 2019. As unidades do Nordeste, desativadas em 2018, foram arrendadas para o grupo Unigel, associada da Abiquim, que retomou a produção no ano passado.

“Pode ser que com essa volta da produção nacional a gente consiga mitigar parte da deficiência na importação russa. O problema é o custo”, diz Marino. “Se o preço da ureia voltar ao preço internacional de algum tempo atrás, provavelmente a gente não consegue viabilizar também essa produção no longo prazo.”

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