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Após pandemia, contas do governo só devem voltar ao azul em seis ou sete anos, no cenário otimista. Mas retorno pode ocorrer só na próxima década.
Após pandemia, contas do governo só devem voltar ao azul em seis ou sete anos, no cenário otimista. Mas retorno pode ocorrer só na próxima década.| Foto: Marcelo Andrade/ Arquivo/ Gazeta do Povo

Se antes da pandemia do novo coronavírus o governo sonhava em equacionar as contas públicas ainda neste mandato, agora a equipe econômica admite que não será mais possível – talvez nem no próximo.

O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirmou que o país só deve voltar a ter superávit primário em 2026 ou 2027. Ou seja, somente daqui a seis ou sete anos as contas devem fechar no azul, com as receitas superando as despesas, sem contar o pagamento dos juros da dívida. Até lá, devemos amargar sucessivos rombos nos cofres públicos.

A projeção do governo ainda é considerada otimista pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado e que acompanha as contas públicas. Segundo a IFI, em seu cenário base, o governo vai ficar no vermelho até 2030, último ano com dados projetados. Somente no cenário otimista o país voltaria a registrar superávit primário, no fim de 2027. Os dados são do relatório de setembro de acompanhamento fiscal da IFI.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, afirma que o governo está sendo realista, até mesmo otimista, em falar em fazer superávit em 2026 ou 2027. “Há muitas incertezas até para 2021, como por exemplo o custo e as formas de financiamento do Renda Brasil [que não se chamará mais Renda Brasil] e do Pró-Brasil [programa de obras públicas], que dirá para os próximos seis ou sete anos”, afirma.

Castello Branco acredita que, se o governo Bolsonaro adotar o "populismo fiscal", ou seja, passando a gastar dinheiro que não tem em ações e programas com vistas à reeleição, o equilíbrio das contas não será atingido antes do fim da década, o que bate com o cenário base da IFI.

Professor de Economia da Universidade de Brasília, Roberto Ellery lembra que o cenário fiscal brasileiro tem dois agravantes muito sérios. O primeiro agravante é a elevada dívida pública, que neste ano deve encostar em 100% do Produto Interno Bruto (PIB) por causa dos gastos extras para combater a pandemia.

“A dívida do Brasil é muito alta para padrão de país emergente. As vezes as pessoas comparam a dívida do Brasil com alguns países ricos, como Japão e Alemanha, mas a referência para o Brasil é país emergente. Poucos países emergentes tinham a dívida tão alta como a do Brasil antes da pandemia e agora, com a pandemia, ela deve estar chegando nos 100% do PIB nos próximos meses, o que é muito preocupante”, diz Ellery.

O outro agravante é a incapacidade do governo de controlar gastos, em especial os obrigatórios. “Já é o terceiro governo. Começou com a Dilma, depois com o Temer e agora Bolsonaro que não consegue resolver esse problema, em parte por falta de capacidade de articulação com o Congresso para modificar as leis necessárias, em parte por falta de disposição política. Há uma incapacidade crônica do governo em controlar gastos.”

Os sucessivos déficits primários, registrados desde 2014, são atribuídos por economistas ao descontrole do gasto público, que leva a aumento da dívida, e à recessão entre 2014 a 2016. Agora, soma-se mais um, até dois elementos: a pandemia, que aumentou os gastos extraordinários do governo e derrubou a arrecadação, e as dúvidas sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal.

Projeções antes da pandemia

Antes da pandemia de Covid-19, o governo acreditava que poderia zerar o déficit primário neste mandato. Primeiro, o ministro Paulo Guedes prometeu zerar o déficit logo no primeiro ano de governo, em 2019, por meio de receitas extraordinárias, em especial da cessão onerosa de campos de petróleo. Depois, a equipe econômica passou a falar em acabar com o déficit em 2022, garantindo a retomada do superávit primário no ano seguinte.

“O nosso trabalho interno é de redução ao máximo do déficit do primário e do déficit nominal. Entendemos que é possível que tenhamos o déficit primário zerado ainda em dezembro de 2022”, afirmou o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior, em café com jornalistas no começo de janeiro deste ano.

Desde 2014, o governo vem registrando sucessivos déficits primários – ou seja, as despesas superam as receitas antes mesmo do pagamento dos juros da dívida. Em 2018, as contas do governo fecharam com saldo negativo de R$ 120,3 bilhões. Em 2019, o déficit baixou para R$ 95 bilhões. Para este ano, a meta era ficar em -R$ 121 bilhões, mas com a pandemia o governo foi autorizado a gastar mais e a previsão é que o déficit chegue a R$ 866 bilhões.

A IFI projetava, antes da pandemia, que o governo poderia ter um superávit de 0,23% do PIB em 2026. Agora, no pós-pandemia, só vê saldo positivo em 2027, no cenário otimista, e depois de 2030, no cenário base. Para este ano, a instituição acredita que as contas públicas vão ter um rombo de R$ 877,8 bilhões (12,7% do PIB), ligeiramente acima do projetado pelo governo.

Para 2021, o governo espera déficit de R$ 233,6 bilhões. A IFI prevê rombo um pouco maior, de R$ 265,3 bilhões.

Consequências e o que pode ser feito

Segundo o professor Roberto Ellery, o reflexo na economia de tantos anos de déficit primário será uma pressão inflacionária e/ou monetária. “Vai ter uma pressão sobre juros ou inflação, dependendo de como o governo vai reagir. Vai ficando cada vez mais difícil financiar o governo, à medida que tem uma dívida alta e não tem perspectiva de superávit primário nem no médio prazo.”

Ele lembra que, recentemente, o próprio Tesouro Nacional admitiu problemas severos no financiamento da dívida, tanto que o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou o Banco Central a transferir R$ 325 bilhões de lucro cambial do Banco Central para a Conta Única do Tesouro, dinheiro que será usado para fazer a gestão da dívida.

Para Ellery, o governo não vai conseguir escapar de fazer algum ajuste no funcionalismo público, caso queira colocar as contas públicas em ordem. O funcionalismo é o segundo maior gasto do Orçamento federal, só perdendo para a Previdência, reformada em 2019.

“Vai ter que fazer algum controle. A reforma da Previdência a gente já fez e vai ser difícil fazer outra agora em curto e médio prazo. Tem que olhar pro funcionalismo. Eu entendo que vai ter resistências no Congresso, mas tem coisas que o governo poderia ir adiantando, como não fazer mais concurso e não dar mais reajuste. Se você for procurar, vai encontrar concurso federal aberto”, afirma o professor da UnB.

Ele também diz que o governo não poderia trabalhar para criar novas despesas permanentes. “O discurso do Ministério da Economia é inquestionável, mas a prática não mostra compromisso com ajuste fiscal. De fora, me parece que o governo pode fazer mais para controlar as contas públicas”, conclui.

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