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O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) encerra nesta quarta-feira (31) a reunião que definirá a taxa básica de juros, a Selic. A expectativa é de que a taxa seja mantida em 10,5% ao ano. A probabilidade de que isso ocorra, segundo os contratos de opção negociados na B3, a bolsa brasileira, é de 93%.
Uma série de preocupações está no radar dos diretores do BC: a deterioração da inflação e de suas expectativas, motivada pela atividade econômica resiliente, pelo mercado de trabalho aquecido e pela desvalorização do real, além das questões fiscais.
As discussões sobre a taxa de juros coincidem com a intensificação dos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. No dia 22, Lula afirmou: “Como pode um rapaz que se diz autônomo, presidente do Banco Central, estar incomodado com o fato de que o povo mais humilde está ganhando aumento de salário?”.
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Na sexta-feira (26), Lula questionou o “respeito” de Campos Neto pela população após citar uma declaração do dirigente do BC sobre a política de valorização do salário-mínimo.
“Recentemente, o presidente do Banco Central fez uma declaração que eu não quis acreditar. O cidadão, jovem e bem-sucedido na vida, disse o seguinte: ‘Esse negócio de aumento do salário-mínimo e a massa salarial crescendo pode gerar inflação’. Significa que, para não ter inflação, o povo precisa ganhar pouco? É necessário isso?”.
O presidente referia-se a uma entrevista de Campos Neto à CNN Brasil, realizada em abril, na qual o presidente do BC afirmou que “quando as empresas não conseguem contratar e têm que começar a subir o salário para o mesmo nível de produção, significa que você está iniciando um processo inflacionário”.
O Ministério da Fazenda, no entanto, reconhece que as incertezas que levaram o BC a interromper a redução da taxa de juros em junho ainda persistem. Em entrevista à agência de notícias Reuters, na sexta-feira, o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, afirmou que o ambiente não melhorou significativamente desde o mês passado.
Inflação e expectativas causam dores de cabeça ao Copom
Uma das principais preocupações da diretoria do BC é o avanço das expectativas de inflação. As projeções para o IPCA em 2024, que eram de 3,9% no início do ano, de acordo com o boletim Focus, agora estão em 4,1%, se aproximando do teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 3%, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
As expectativas para 2025 seguem um cenário similar. No início do ano, o mercado financeiro apontava para uma inflação de 3,5%. No final da semana passada, elas estavam em 3,96%, com tendência de elevação.
O cenário tornou-se mais conturbado desde a última reunião do Copom, realizada em junho. Segundo a XP Investimentos, desde então houve desvalorização do real frente ao dólar e dados de atividade econômica acima do esperado.
O Itaú considera que, apesar de alguma melhora no cenário externo, a percepção de risco se manteve elevada no Brasil, com os preços dos ativos passando por forte volatilidade. O banco aponta que os dados de atividade econômica mostram resiliência e o mercado de trabalho está aquecido, com salários sob pressão, o que é consistente com um aumento da inflação de serviços nos próximos meses.
“Após uma sequência de divulgações benignas, o IPCA-15 de julho trouxe uma surpresa relevante e preocupante neste componente”, destacam os economistas do Itaú.
Outra preocupação do banco refere-se aos preços dos bens industriais, com expectativa de aceleração da inflação desses bens, refletindo a desvalorização cambial.
Mercado de trabalho está bem aquecido
Estudo do banco Daycoval destaca que o mercado de trabalho em economias avançadas e emergentes tem registrado baixas taxas de desemprego, alta demanda por trabalhadores e aumentos salariais devido ao maior poder de negociação.
Segundo o projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os salários tiveram um reajuste mediano de 5% em 12 meses até junho, garantindo um ganho de 1,7% acima da inflação medida pelo INPC. Já são 19 meses consecutivos com reajuste mediano acima desse índice de inflação, utilizado para reajustes salariais.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no trimestre móvel encerrado em junho, a taxa de desemprego foi de 6,9%, o nível mais baixo desde dezembro de 2014.
Gastos do governo também causam preocupação para o Copom
A questão fiscal é outra preocupação para os membros do Copom, aponta Elson Gusmão, diretor de câmbio da corretora Ourominas. “Há críticas à gestão fiscal atual, com apontamentos de que o discurso político não se alinha com ações concretas para corte de gastos e responsabilidade fiscal.”
Números do BC mostram que, nos 12 meses encerrados em junho, o déficit primário (despesas, excluindo as com juros da dívida pública, menos a arrecadação) do setor público consolidado foi de 2,44% do PIB, o segundo maior índice desde agosto de 2021. O endividamento público está em 77,84% do PIB, o mais elevado desde dezembro de 2021.
“Os investidores começam a mostrar desconforto com o atual nível da taxa de juros”, afirma o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
Posicionamento do BC deve ser duro
A maioria das instituições financeiras avalia que a decisão deve ser pela manutenção da taxa em 10,5%. A XP também considera que o Copom deve enfatizar a necessidade de uma política monetária com juros em níveis elevados por tempo suficiente para consolidar o processo de queda da inflação e alinhar as expectativas com as metas.
É previsto também um comunicado mais duro por parte do comitê. A justificativa é que alguns determinantes da inflação futura — taxa de câmbio, expectativas inflacionárias e mercado de trabalho — sugerem maior pressão sobre o IPCA. “O Copom sinalizará que o balanço de riscos para o cenário de inflação piorou”, destaca a XP.
Não se espera uma indicação explícita sobre os próximos passos em relação aos juros, segundo as instituições. “O Comitê deverá reforçar que a direção da política monetária dependerá da evolução do cenário econômico, enfatizando o firme compromisso de convergência da inflação à meta”, aponta a corretora.
Isso deixaria as “portas abertas” para uma eventual elevação dos juros nas próximas reuniões ao longo do segundo semestre, sem, contudo, indicar que esse é o “plano de voo” do Copom.
Outra abordagem possível, de acordo com o Itaú, é o Copom dar um sinal mais firme, acompanhado da afirmação de que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste (para cima). “Uma minoria do comitê pode ter tal avaliação do balanço de riscos”, destacam os economistas da instituição.
Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos, acredita na possibilidade de que alguns membros votem a favor de uma alta. “Nas votações anteriores, não foi o dissenso que assustou o mercado, mas a percepção de que alguns membros votaram com viés político. Um dissenso agora, com membros votando a favor de uma alta de juros, sinalizará independência e ortodoxia ao mercado.”