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O que fazer para amenizar os efeitos do coronavírus na economia? Ampliar e direcionar o crédito e assistir os mais pobres são algumas das sugestões.
O que fazer para amenizar os efeitos do coronavírus na economia? Ampliar e direcionar o crédito e assistir os mais pobres são algumas das sugestões.| Foto: Max Peixoto/Estadão Conteúdo

O Brasil já era um país mal organizado. A pandemia do coronavírus apenas começou por aqui e a economia já ficou ainda mais desorganizada. As perguntas se multiplicam. Como ficamos? A seguir, alguns dos campos em que as incertezas se amontoam:

1. Emprego, salário, faturamento e renda

Com tanta gente dispensada, comércio fechado, ainda que temporariamente, e pequenas e médias empresas bloqueadas em seus negócios, o que fazer diante do inevitável colapso do caixa e dos resultados?

2. PIB e produção industrial

Estamos em março e, no entanto, as novas projeções são de queda do PIB em 2020, e não mais de crescimento de alguma coisa em torno de 2%. Se isso está assim na renda, imagine-se então o que vai acontecer na poupança e no investimento. E, quando vier, como será a recuperação? Terá formato de "V" ou será um "L"?

3. Crédito e liquidez

Mesmo com queda de custos e dos preços de insumos — como os do petróleo — muitas empresas e muitos endividados deixarão de honrar seus compromissos. Até que ponto os bancos conseguirão manter abertas suas linhas de crédito? E que tipo de cobertura exigirão do Banco Central?

4. Questão fiscal

As despesas do Tesouro, que já vinham disparando, agora enfrentam novas e inadiáveis demandas por verbas. São os organismos que cuidam da saúde, são os estados, os municípios, as empresas privadas mais atingidas, como as companhias aéreas. E há os desempregados. Com o colapso da produção, da renda e do consumo e com a incapacidade de pagar impostos, a arrecadação mergulhará. Felizmente, incontáveis vidas poderão ser salvas. Mas como serão os estragos nas finanças públicas?

5. Inflação

Fora alguns casos excepcionais, os preços vão mergulhar e a inflação irá junto. Ao longo de todo o ano, o avanço do custo de vida pode ficar abaixo dos 3%.

6. Aplicações financeiras

Os juros básicos, que estão nos 3,75% ao ano, devem cair ainda mais. O retorno das aplicações em renda fixa ficará ainda mais nanico. Enquanto isso, as aplicações em renda variável, especialmente ações, continuarão sujeitas a grande volatilidade. Tanto podem voltar a afundar como podem disparar. Numa hora dessas, até mesmo ativos considerados seguros estarão sujeitos a perdas: moeda estrangeira, ouro, imóveis.

7. Mais perguntas em busca de resposta

Como ficam a reposição das aulas suspensas nas escolas, as férias escolares, as viagens interrompidas, os pagamentos atrasados, dívidas não pagas, as competições esportivas interrompidas?

Com a palavra, os economistas

Obviamente, ninguém tem resposta nesse momento para tantas dúvidas. Mas perguntamos a um grupo de economistas o que o governo pode e precisa fazer neste momento para evitar uma catástrofe ainda maior que essa que se avizinha. A seguir, as respostas e sugestões dos economistas:

Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central

"País não escapará de transferir renda a quem for mais atingido."

"Dada a dimensão dos desafios que temos pela frente, estou plenamente de acordo com a proposta de nove pontos, que foi formulada em conjunto por Arminio Fraga (sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central), Vinicius Carrasco (economista-chefe da StoneCo) e José Alexandre Scheinkman (da Universidade Columbia, nos Estados Unidos).

Nessa proposta, eles dão alguns detalhes para uma linha emergencial a ser adotada pelo país neste momento, que prevê, entre outras medidas, um processo de concessões que seja o mais automático possível, para evitar lobby e possíveis pressões externas; um programa que seja focado em microempresas e também nas empresas de pequeno porte, que tenham folha salarial; concessão de crédito que seja condicional à manutenção dos empregos; previsão de um período de carência longo para os empréstimos nas linhas emergenciais diretas.

A recessão, que já está em curso neste momento, ainda vai ser profunda e a recuperação da economia brasileira vai ser lenta. O país, portanto, não vai poder escapar da necessidade de transferir renda para aqueles brasileiros que forem mais atingidos — e estes serão muitos. Inclusive, também é preciso considerar nessa conta as pequenas e as médias empresas, que vão sentir os efeitos dessa recessão.

O déficit público também vai aumentar nesse período e vai ser preciso elevar a dívida pública em alguns pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB).

Lá na frente, quando este momento difícil tiver sido finalmente superado, quem vai pagar por isso seremos nós mesmos, a sociedade.

No fim desse percurso, haverá um novo desafio pela frente: a necessidade de o País fazer, nos próximos anos, reformas muito mais profundas do que aquelas que se antecipava antes do início desta crise da pandemia do novo coronavírus."

Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda

"Medidas são corretas, mas insuficientes."

"O momento exige respostas rápidas e consistentes. O governo federal possui instrumentos para minimizar os efeitos da grave crise provocada pela pandemia do covid-19. Do lado do Banco Central, além do estímulo monetário, o objetivo deve ser assegurar a liquidez do sistema financeiro e o adequado funcionamento do mercado de crédito.

As medidas já anunciadas estão na direção correta, mas são insuficientes. A prioridade imediata deve ser a aprovação da proposta de empréstimo com lastro em letras financeiras garantidas por operações de crédito, tal como proposto pelo presidente do Banco Central e em linha com o que já foi adotado por outras autoridades monetárias.

Do lado do orçamento fiscal, além da ampliação dos gastos com saúde, o objetivo deve ser a preservação da renda das famílias por meio de ações que permitam a transferência imediata de recursos pela rede de proteção social já existente, utilizando programas como o Bolsa Família e o Auxílio Desemprego. No que diz respeito às pequenas e médias empresas, parece-me que a alternativa mais eficiente para surtir efeitos de curto prazo seria a suspensão temporária das obrigações tributárias, aliada a uma linha de crédito do BNDES, condicionada à manutenção do nível atual de emprego.

O arcabouço legal vigente já permite a elevação da despesa primária do governo federal via créditos extraordinários, cuja utilização é restrita a despesas urgentes, relevantes e não previstas no orçamento. É fundamental que a expansão fiscal seja restrita a gastos temporários e acompanhada de medidas legais que reforcem a situação fiscal de longo prazo, notadamente a aprovação da Emenda Constitucional n.º 186 (PEC Emergencial)."

José Luis Oreiro, economista da UnB

"Neoliberalismo será sepultado por um tempo."

"Hoje, o presidente não manda mais nada, mas o Congresso deve aprovar um programa emergencial de renda mínima para quem mais precisa. Além disso, os bancos públicos devem entrar com linhas de crédito para capital de giro das empresas, com prazo de carência e juros baixos, para que elas continuem pagando seus funcionários e para impedir demissões em massa. Isso seria urgente. O BNDES tem R$ 100 bilhões em caixa, que poderia usar rapidamente para esse socorro. Além disso, se a empresa receber dinheiro público, não vai poder demitir durante esse período.

Uma questão que agrava a crise atual é a falta de diálogo entre o presidente e o Congresso. O presidente deveria parar de querer atrapalhar o que os governadores e os parlamentares estão fazendo.

Acredito que, passada essa crise, o neoliberalismo, que estava ganhando um novo fôlego nos últimos anos, vai ser sepultado por um bom tempo tanto no Brasil quanto no mundo inteiro. O liberalismo clássico acabou depois das guerras mundiais, as funções do Estado na economia foram sendo ampliadas depois dos conflitos e foi preciso que os países montassem uma rede mínima de proteção individual. Nos anos seguintes, se começou a constituir de forma mais ampla o estado de bem-estar social e o Estado assumiu o papel de regulador da atividade econômica.

Houve um primeiro choque do pensamento neoliberal em 2008 e agora as sociedades vão aprender a importância dos serviços públicos e que "a mão invisível do mercado" não passa álcool em gel. Claro, vão sobreviver uns doidos gritando o contrário, mas serão minoria. A crise do coronavírus será para o neoliberalismo o mesmo que a queda do Muro de Berlim, em 1989, foi para o comunismo."

Pedro Fernando Nery, economista

"É preciso um dique contra a pobreza."

"O governo tem de erguer um dique contra a pobreza. Ele tem de fazer três coisas. Zerar a fila do Bolsa Família. Fazer transferências para os 'por conta própria' e informais impossibilitados de exercer suas ocupações. E preservar os empregos formais, permitindo que façam a travessia para o pós-pandemia - a recuperação da economia será pior se as empresas e as vagas forem destruídas nesse período de crise.

O ponto de partida é o Cadastro Único para Programas Sociais - CadÚnico, que conta com quase 80 milhões de brasileiros. Essa é a tecnologia base do Bolsa Família, que deve ser usada para transferir renda também para quem hoje não é pobre o suficiente para estar no programa. Podemos chamar isso de Bolsa Família ou não.

Muitos têm falado em renda universal, mas na verdade é uma renda garantida, porque não deve ser paga a todos os brasileiros, mas somente para os que precisarem para possuir um nível mínimo de renda. O CadÚnico também terá de acolher nos próximos meses novos cadastros, gente que não precisava de programa social antes. Podem ser dezenas de milhões, e pode ser que em tenhamos mais da metade da população brasileira nessa situação.

Isso exige recursos: emissão de dívida, corte de jornada e remuneração de servidores estáveis, novas fontes de arrecadação sobre os super ricos - para cobrar já agora ou pagar a conta da crise depois.

Para socorrer a folha de salário das empresas, podemos buscar recursos fora do orçamento: crédito dos bancos públicos e privados, ou o colchão do FGTS. São sobras de R$ 100 bilhões que não estão sendo usados agora e não pertencem a ninguém individualmente. Dá pra ajudar a pagar os salários dos celetistas mais pobres por dois ou três meses."

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central

"Objetivo é ganhar esta guerra e sobrevivermos como sociedade."

"Neste momento, estamos trabalhando com uma economia de guerra e o nosso objetivo é ganhar essa guerra, sobrevivermos como sociedade. O País vai precisar passar por esse período de quarentena e precisa gerar condições para que, depois dela, enfrente um choque na economia que, com sorte, seja temporário. Quem perder seu emprego e tiver queda de renda, quem não puder trabalhar de casa e não conseguir continuar recebendo seu salário terá dificuldade de consumir.

Os dados mais recentes de pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos são aterradores, ultrapassando os 3 milhões. No caso do Brasil, esse cenário ainda é agravado porque o País não tem um mercado 100% formal e não consegue corrigir essas distorções. O empregado formal que perder o emprego, ainda pode contar com estruturas que dão alguma proteção a ele. Neste momento de crise, é possível prolongar o período de recebimento do seguro-desemprego ou aumentar o valor do benefício. Só que trabalhador informal é difícil até de ser identificado. O governo vai precisar pensar em mecanismos de concessão de uma renda básica para esses informais. Nem o Cadastro Único consegue identificar todos esses trabalhadores. Um passo, portanto, é desenhar uma rede de proteção que funcione por alguns meses e que seja a mais extensa possível, para que esses brasileiros consigam se sustentar agora e tenham a oportunidade de se recuperar depois.

Outra questão que deve ser considerada é o que acontece com as empresas durante esse período, particularmente as pequenas e médias empresas. O dono do negócio não tem receita para se manter, muitos estão fechando as portas já nesses primeiros dias de quarentena. As empresas que não têm receita suficiente para se manter vão precisar de crédito em condições favoráveis para a realidade delas. É preciso desenhar um programa de crédito barato e que seja ofertado por um período longo. A fonte desse crédito necessariamente vai ter de ser o Tesouro, na linha proposta pelo (ex-presidente do Banco Central) Arminio Fraga. E precisa ser posto em operação por meio dos bancos, aproveitando a capilaridade deles. Estamos em mares nunca dantes navegados. O PIB pode cair 5%? Pode. Agora, é correr contra o tempo."

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos

"Empresas têm de ter um fundo garantidor."

"Tem uma coisa fundamental, que, em algum momento o Tesouro vai ter que fazer, que é montar um fundo garantidor de crédito para pequenas e médias empresas. Caso o contrário, os bancos não vão disponibilizar crédito para essas empresas. E essas empresas não conseguem suportar mais do que dez ou 15 dias paralisadas", afirmou Camargo, ressaltando que, as demais medidas já anunciadas pelo governo para mitigar a crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus estão no sentido correto. A seguir, os principais trechos do comentário de Camargo:

"Se você quiser evitar uma falência generalizada de pequenas e médias empresas, vai ser muito importante o Tesouro montar algum fundo garantidor de crédito para essas empresas, para que os bancos disponibilizem recursos para elas passarem esse período de recessão. (Se não), o dinheiro vai ficar empoçado.

O Banco Central (BC) já tomou uma série de decisões que aumentam a liquidez (de crédito) na economia, mas uma boa parte desse dinheiro vai ficar empoçado. Se os bancos (em geral) não tiverem garantia lá na frente, não vão emprestar. E com toda a razão, porque se o banco emprestar, e a empresa não pagar, o banco vai à falência. O fundo garantidor tem que ser bem desenhado, para não dar problema no futuro (...). Tem que estudar com cuidado para ver se vale a pena introduzir algo excepcional (por causa da crise), mas o problema fundamental é a falta de garantias.

É fundamental restringir os gastos públicos e o déficit a 2020. Quando a epidemia e a crise passarem, voltamos à trajetória de austeridade fiscal na qual vínhamos desde 2016. É muito importante não flexibilizar ou suspender o teto do gasto público. O teto do gasto é a nossa âncora fiscal. No dia em que cair o teto, as perspectivas mudam completamente, de forma negativa. Vamos ter taxas de juros altas, vai ser outra conversa. Este aumento de gastos (em 2020, com saúde e para mitigar a crise) todo mundo está esperando, não vai ter nenhuma expectativa negativa em relação a isso. A dívida vai aumentar, mas, se voltar na trajetória de austeridade a partir de 2021, sabemos também que a dívida vai voltar a cair.

Claro que se tiver um déficit de R$ 1 trilhão vai ser difícil, mas estamos falando de um déficit controlado. É perfeitamente razoável (dobrar o déficit primário de R$ 124 bilhões, antiga meta fiscal deste ano, para um rombo de R$ 250 bilhões)."

Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda

"Falta garantia do Tesouro para totalidade ou parte do crédito."

"Além de reforçar recursos para a área de Saúde, há um arsenal de medidas que dependem muito da inventividade da equipe econômica. Mas basta olhar o que o mundo está fazendo. Há medidas, por exemplo, como dispensar o pagamento de contribuições previdenciárias pelos trabalhadores de menor renda. Um problema que o governo tem de resolver é que, nessa situação de crise, aumenta a percepção do risco de crédito pelos bancos.

Mesmo que tenham maior disponibilidade, porque liberou o compulsório e flexibilizou exigências de capital, vão perceber que o risco de não receber aumentou. Nesse caso estão faltando duas medidas: algum tipo de garantia do Tesouro para a totalidade ou parte do crédito; a outra é encontrar mecanismos para induzir os bancos a buscarem os clientes. Há vendedores ambulantes, por exemplo, que nem tem conta em banco. É um desafio que tem de ser feito pelos bancos públicos."

Elena Landau, economista e advogada

"A prioridade é criar uma rede de proteção."

"Acho que ideias não faltam e já estão todas na mesa. O que falta é a implementação e agilidade do governo. Na pasta da Economia também falta uma coordenação, a exemplo do que há no Ministério da Saúde com o ministro Henrique Mandetta. Em resumo, acho que a prioridade é a criação de uma rede social de proteção à população mais vulnerável.

Já se falou muito sobre isso, como ampliar o Bolsa Família, Bolsa Família de emergência, mas não está acontecendo. Nem sequer os parcos R$ 200 para trabalhadores informais de baixa renda foram viabilizados. É preciso criar uma linha de crédito com sistemas de garantia, flexibilização dos contratos de trabalho com suporte do governo em complementação de renda e apoio aos informais. Eu liberaria o FGTS, lógico que com cuidado para não interromper as linhas de financiamento imobiliário. O Tesouro Nacional também tem de afirmar que não vai faltar recursos para a saúde e o pacto com Estados e Municípios."

Samuel Pessôa, pesquisador do IBRE/FGV

"Informal deve ter renda garantida."

"O governo, a meu ver, deve tomar importantes medidas. A primeira é um programa para a sustentação da renda dos trabalhadores informais. Como o Congresso tem pensado, R$ 500 por mês enquanto durar o estado de calamidade está na direção correta; outra medida é a redução dos salários para o empregador em 50%, com o seguro-desemprego assumindo 25 pontos porcentuais da queda. De sorte que o trabalhador experimenta queda de 25%, como permitido pelos artigos 501-503 da CLT. Os empregadores teriam que manter todos os contratos de trabalho no período de vigência do programa, e, adicionalmente, as empresas seriam desoneradas da contribuição da folha para a Previdência. Para que o déficit público não suba muito, os salários do setor público também seriam cortados em 25%.

O terceiro ponto a ser abordado é a criação de um amplo programa de crédito para as empresas terem capital de giro".

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