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Retomada de negócios após a pandemia da Covid-19 exige reinvenção, como é o caso dessa exposição de arte em São Paulo
Retomada de negócios após a pandemia da Covid-19 exige reinvenção, como é o caso dessa exposição de arte em São Paulo| Foto: Nelson Almeida / AFP

Após se acostumarem a liderar milhares de funcionários de casa, executivos de grandes empresas enfrentam agora um outro – e talvez maior – desafio: traçar estratégias para suas companhias praticamente no escuro, com pouquíssima previsibilidade do que acontecerá na economia do país nos próximos meses, enquanto durar a pandemia da Covid-19.

Diante dessa nova realidade, a rotina corporativa mudou. Planejamentos deixaram de ser feitos para os próximos seis meses e passaram a ser para três.

Os cenários com os quais as empresas trabalham se tornaram mais variados e a velocidade com que eles são substituídos por outros aumentou. Resiliência, adaptabilidade e flexibilidade viraram palavras-chave. “Os negócios precisam ter resiliência para os novos desafios, que são intermináveis e frequentes, e flexibilidade para se reinventar”, diz o presidente da Natura, João Paulo Ferreira.

Retomada não linear impede planejamento para longo prazo

A retomada econômica não será um gráfico linear e as empresas terão de se adaptar ao “abre e fecha” da economia, tendo uma estratégia para cada momento, diz a diretora geral da Uber no Brasil, Claudia Woods. “Em uma semana, vou ter um pico de demanda grande; na outra, a cidade pode voltar ao isolamento social. Eu preciso me adaptar também a essa queda de demanda”, diz.

Claudia tem se dedicado a entender o que funcionou e o que não funcionou com a Uber em outros países durante a pandemia para identificar alguns padrões de comportamento do consumidor e procedimentos que a companhia pode adotar localmente. “Seria engano achar que a gente sabe o que fazer em qualquer situação, mas temos algumas coisas mapeadas para não sermos pegos de surpresa se uma cidade começa a se comportar como no cenário X, por exemplo.”

A executiva também está encurtando os ciclos dos projetos, que, agora, foram feitos para o terceiro trimestre – e não para o segundo semestre, como ocorria. “Neste momento, se você olhar para um horizonte distante, a sua chance de errar é muito grande”, destaca. “É importante garantir que o projeto que estamos executando é realmente prioridade para o que está acontecendo.”

Para ter essa garantia, diz a executiva, é preciso que os funcionários estejam bem conectados. “Porque tem um componente dessa falta de previsibilidade que não é só de trabalho: o componente humano.” Segundo Claudia, como as pessoas têm reagido de diferentes formas ao isolamento social, os líderes têm de saber como está cada funcionário, pois problemas emocionais podem prejudicar o desempenho.

Uma das iniciativas adotadas por Claudia para contornar esse problema foram reuniões matinais em que qualquer assunto é bem-vindo e a presença não é obrigatória. “É um momento de se sentir acolhido e com suporte para conseguir executar uma tarefa.”

Digitalização para aproximar

Num mundo que ficou muito mais digital durante a pandemia, os desafios de uma empresa de telefonia e internet aumentaram. Para o presidente da Vivo, Christian Gebara, o coronavírus obrigou todos a usar a digitalização como única maneira de aproximação. “Tudo passou a ser feito de forma remota: trabalho, estudo e até reuniões familiares em vídeos ou áudio.”

Nesse novo universo, diz ele, o propósito da empresa – que é possibilitar o acesso das pessoas ao mundo digital – foi ainda mais reforçado. O desafio da companhia daqui para a frente será continuar crescendo, investindo em infraestrutura para garantir o acesso a locais que ainda não têm internet e melhorar a qualidade dos serviços.

Hoje, a empresa tem uma rede de fibra com potencial para atender 13 milhões de domicílios. “Em mais um ano, queremos chegar a 14 milhões e, daqui a dois ou três anos, 20 milhões de domicílios. Além disso, temos de avançar no serviço móvel, com o 5G.” Durante a pandemia, a empresa bateu recordes de vendas de pacotes de internet.

Para Gebara, o novo normal vai depender muito mais de conexões digitais e isso abre muitas oportunidades de negócios para a empresa, como parcerias para distribuir serviços associados à internet (Netflix, Spotify, etc) – o que a companhia já começou a fazer.

Na avaliação dele, a digitalização saltou algumas fases de mudanças nos costumes da população e veio para ficar. “Talvez a gente nunca mais deixe de fazer algumas coisas que aprendemos durante a pandemia, como fazer compras e estudar de forma online.”

Outro desafio, na opinião do executivo, será superar as questões econômicas. Os dados que virão pela frente sempre são uma fonte de preocupação, como o desemprego e o número de empresas fechadas. “Isso tem impacto no consumo e também nos afeta.”

Comunicação com empregados

Para o presidente da BRF, Lorival Luz, o maior desafio para as companhias agora será lidar com as incertezas que permanecerão na economia até que haja uma vacina contra o novo coronavírus. Ele destaca, porém, que, no caso do setor alimentício, o impacto deve ser menor, por se tratar de produtos de primeira necessidade.

Outra dificuldade, segundo ele, é assegurar o sentimento de equipe entre os funcionários que estão trabalhando de casa. A BRF tem mais de 90 mil empregados, sendo que 10 mil estão atuando remotamente. “Para manter o sentimento de pertencer a uma empresa, o trabalho de comunicação tem sido bastante intenso.”

Luz, no entanto, acredita que os maiores desafios estão ficando para trás. No início da pandemia, uma operação complexa foi necessária para manter toda a empresa funcionando, com os trabalhadores com equipamentos de proteção e garantindo o abastecimento de alimentos em todo o País, enquanto Estados e municípios adotavam medidas diferentes para combater o vírus.

“A gente sabia que não podia parar. Imagina uma população já na incerteza em relação ao vírus e ainda sem alimento”, diz Luz. Ele acrescenta que o desafio de manter a distribuição e garantir a proteção dos funcionários continua, mas a intensidade já é menor.

Ainda em janeiro, a BRF montou um comitê e contratou uma consultoria para monitorar o que acontecia na Ásia e preparar a empresa para lidar com a crise. No início da quarentena no Brasil, os líderes da companhia se reuniam duas vezes ao dia por videoconferência para debater a situação. Hoje, os encontros ocorrem apenas duas vezes por semana.

A empresa ainda contratou infectologistas e instalou 10 mil metros quadrados de acrílico para proteger os funcionários uns dos outros nas fábricas. “Houve um momento em que trocamos o pneu com o carro em movimento. Agora, já temos os procedimentos.”

Flexibilidade para pensar nos novos hábitos

“Afinal, o que é o novo normal?”, questiona o presidente da Natura & CO, João Paulo Ferreira. Na avaliação dele, só o tempo dirá que mudanças a pandemia e o isolamento social vão provocar nos hábitos da população. Essa incerteza e insegurança do que vem pela frente são vistos pelo executivo como um dos maiores desafios a serem encarados pelas empresas no atual cenário.

Para tentar antecipar esse movimento, o conselho executivo da companhia – que no ano passado comprou a Avon – tem se reunido, pelo menos, três vezes por semana para reprogramar todo o negócio na América Latina. “Não há nada que não tenha sido tocado, desde o fornecedor até a representante de vendas”, diz Ferreira. Segundo ele, tudo precisará passar por mudanças para se adequar a esse novo normal.

“Uma das maiores competências que os negócios precisam ter é resiliência para receber os novos desafios, que são intermináveis e frequentes, e flexibilidade para se reinventar continuamente.” Ele conta que essas características já foram importantes para manter a operação durante o período mais crítico do isolamento social, iniciado em março.

Líder em venda direta, com 6 milhões de consultoras, Ferreira conta que a área de tecnologia foi essencial para amenizar o impacto da pandemia na vida das vendedoras. A empresa auxiliou e facilitou ferramentas para que as consultoras passassem a vender nas redes sociais.

“Demos treinamentos e cuidamos dessas profissionais.” Na outra ponta, a empresa teve de se reinventar para resolver restrições dos fornecedores. Num determinado momento, diz Ferreira, a companhia se viu na situação de ter de colocar sua equipe dentro da planta de um dos fornecedores para fabricar insumos necessários à produção.

O desafio de reconquistar o cliente

Convencer os clientes e operadores de ônibus de que o “novo normal” exigirá medidas inéditas de segurança para os passageiros será um dos principais desafios no pós-pandemia, avalia o presidente da multinacional brasileira Marcopolo, James Bellini. Para ele, assim como o 11 de setembro estabeleceu protocolos de segurança que se tornaram padrão e corriqueiros, a Covid-19 também promoverá transformações na mobilidade mundial.

“As pessoas não vão andar de ônibus [sobretudo de turismo] se perceberem que não há segurança adequada à sua saúde”, diz o executivo. Na avaliação de Bellini, no entanto, esse é um processo que envolve o entendimento dos clientes. Alguns já perceberam a importância dessas mudanças para garantir o bem-estar dos usuários e, para surpresa do executivo, estão comprando veículos dentro das novas configurações. Outros querem aguardar mais um tempo até o cenário ficar mais claro.

Bellini conta que a grande sacada da empresa foi criar um time para desenvolver estratégias para o pós-crise. O objetivo era definir como manter a empresa no novo normal e convencer os passageiros de que andar de ônibus é seguro.

Foi aí que o executivo decidiu criar uma divisão de biossegurança, que permitiria transformar o ambiente interno do veículo e dar mais segurança, com maior distanciamento das poltronas e cortinas de proteção antimicrobianas.

“Os novos tempos, os novos horizontes vão depender de tomadas de decisão mais ágeis”, diz o presidente da Marcopolo. Ele conta que, quando a pandemia atingiu o Brasil, a empresa estava num ritmo acelerado, produzindo cerca de 70 carros por dia e planejando contratações. De repente, teve de reduzir o nível de produção em 50%.

Comportamento do consumidor mudou

O dia a dia do presidente da C&A, Paulo Correa, tem sido repleto de questionamentos, ainda sem respostas: “Qual será o comportamento dos consumidores daqui para a frente? Quanto tempo vai levar para eles se sentirem novamente seguros para voltar às lojas? O que tudo isso vai significar para a dinâmica de negócios?” Na avaliação do executivo, essa é a parte mais desafiadora do cenário atual, o que acaba impondo mudanças na rotina de trabalho.

Um exemplo, diz ele, é o planejamento da empresa, que exigirá mais flexibilidade comparado ao passado. “Neste momento, não dá mais para ter aquele planejamento anual engessado, com definições para o ano seguinte. O agora tem mais a ver com a filosofia digital, mais ágil.” Nesse novo universo, explica o executivo, é preciso definir qual o seu propósito, onde quer chegar e quais as alavancas para atender melhor seus clientes e criar novas soluções de negócios.

Correa conta que a pandemia obrigou a rede a virar a chave rapidamente e de forma radical. Antes do isolamento social, 95% das compras eram feitas nas lojas físicas da empresa. Com o fechamento da economia, veio a preocupação com o caixa e com a gestão financeira. A única forma de continuar faturando era apostar no mundo digital, que já era explorado, mas não na dimensão exigida na pandemia.

“Hoje temos uma multiplicidade de canais para atender os clientes, desde o WhatsApp até aplicativos e site”, diz o executivo. Para isso, no entanto, foi preciso fazer muitas mudanças, preparar equipes, espaços e mexer em todo o sistema. O sistema Clique & Retire Drive Thru, lançado em maio para o Dia das Mães, deu tão certo que foi expandido. O marketplace da empresa também foi ampliado.

Correa diz que, passado o susto inicial com preocupações relacionadas ao caixa e com o faturamento voltando, é hora de olhar a questão estrutural e avaliar os investimentos necessários para melhorar todos os produtos e novos canais de vendas. “Agora, o desafio é garantir a velocidade e qualidade das novas iniciativas, avaliar o potencial de cada uma delas e ver como se comportam no médio e longo prazos.”

Adotar postura de startup é preciso

O momento é de incertezas e de perguntas sem respostas. Ninguém sabe quando a vacina contra o novo coronavírus vai chegar nem quais mudanças nos hábitos dos consumidores vão permanecer no pós-pandemia.

Isso tem obrigado as empresas a serem mais flexíveis e, em muitos casos, a seguirem uma postura semelhante à das startups, que costumam dar guinadas rápidas conforme as demandas do mercado se alteram.

Agilidade e capacidade de se reinventar são as palavras do pós-pandemia, avalia a presidente da Microsoft Brasil, Tânia Cosentino. “O desafio nesse novo normal será ter mais aquela mentalidade de startup para pivotar dar uma guinada o negócio de acordo com a nova demanda do mercado.”

“Na minha lista, outros aspectos que também ganham relevância para os negócios são empatia, diversidade e inclusão”. Na avaliação de Tânia, tudo estará interligado, pois para fazer leituras rápidas, os líderes precisarão conhecer e saber escutar seus clientes. “Preciso me conectar com esse público para entender a necessidade real dele e redirecionar a oferta. Essa conexão é importante para ter agilidade.”

Para Tânia, durante a pandemia, um dos principais desafios foi garantir a saúde mental dos funcionários. Embora o trabalho remoto seja algo normal dentro da companhia, o isolamento criou situações difíceis. De repente, diz ela, todos estavam dentro casa trabalhando, estudando e tendo de fazer as atividades domésticas. “Isso provocou uma sobrecarga emocional muito grande que precisou ser tratada.”

Empresa precisa antever vários cenários

Até questões que eram simples antes da pandemia, como as funções dos escritórios, se tornaram complexas e agora exigem reflexão. “Reabrimos o escritório em fase inicial para testar o protocolo de segurança e aprender e definir o novo valor do escritório. Sei que vamos ter de mudar coisas lá”, afirma a presidente da P&G no Brasil, Juliana Azevedo.

A P&G reabriu seu escritório em São Paulo na semana passada. No local, chegavam a trabalhar 800 pessoas. Por enquanto, são 60, ou 7,5% da capacidade. Os funcionários que voltaram vão testar o novo protocolo de segurança e também tentar entender quando o escritório ainda é necessário.

“Sei que vamos ter de mudar coisas. Várias salas de reunião que antes cabiam três pessoas agora cabem uma. Hoje, precisamos estar no escritório para um treinamento ou uma reunião grande. Então, vamos estudar isso.”

Em momentos de incerteza e volatilidade como o atual, diz ela, é preciso ter capacidade de fazer leituras rápidas para adaptar novas estratégias. Nesse cenário, a cultura da companhia também tem de estar na mesma sintonia, pois ela pode derrubar qualquer estratégia se não estiver bem reforçada.

“Entre os músculos novos que temos de valorizar estão a adaptabilidade e o trabalho com vários cenários. Antes, a gente valorizava muito e queria ter ‘o’ plano. Agora, as variáveis externas são grandes e incontroláveis. Temos de ter planos e flexibilidade para nos movermos entre eles.”

A executiva afirma que já era comum traçar diferentes cenários para a empresa, mas a velocidade de mudar de um panorama para outro completamente diferente aumentou. Antes da pandemia, por exemplo, a companhia trabalhava com variações de vendas inferiores a 10%. Hoje, para determinados produtos, elas podem chegar a 30% de um mês para o outro.

Para Juliana, conseguir focar nos projetos certos, em um momento em que há muitos para desenvolver, também tem sido importante. “Criamos um comitê de crise que se desdobrou em outros para ter agilidade. Pedimos para todos pensarem nos projetos que seriam cancelados, parados ou iniciados. Esse reflexão ajudou a traçar as prioridades.”

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