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Pequenos e médios empresários tiveram de correr atrás de crédito para sobreviver durante a crise da Covid
Pequenos e médios empresários tiveram de correr atrás de crédito para sobreviver durante a crise da Covid| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A agência de viagens da empresária Andrea Sutil trabalha com vendas de pacotes de excursões e para um público a partir de meia idade, incluindo os idosos. O negócio foi fortemente afetado pela pandemia da Covid-19 e o setor turístico deve ter uma recuperação ainda mais lenta que os demais – se a situação parece estar declinando no Brasil, a segunda onda já está promovendo fechamentos na Europa. Com a queda abrupta nas receitas, ela não teve alternativa a não ser procurar por crédito. E não foi nos "bancões" que ela encontrou.

“Foi uma situação em que eu não sabia o que fazer e foi a cooperativa que me trouxe tranquilidade”, conta a empresária, que tem uma agência de viagens em Curitiba desde 2012. Desde o início da crise, preocupada com a continuidade dos negócios, ela buscou informações sobre linha de crédito lançadas pelos governos estadual e federal. Não obteve o crédito: seu pedido foi recusado depois de quatro meses de análise por um banco de fomento.

Uma conversa com o gerente do Sicredi, cooperativa da qual faz, parte solucionou esse impasse. Ela já havia sondado outras opções, mas as taxas de juros assustaram. Ela acabou fechando uma linha de crédito no valor que precisava e com uma taxa bastante razoável. Além disso, terá carência para começar a pagar daqui a seis meses.

“Sou MEI, não tenho um faturamento estrondoso. Eu ainda não sei o que vai ser de mim neste ano, ano que vem. O dinheiro que eu consegui supre este ano. Mas o dinheiro acaba e não tenho por onde andar”, conta, preocupada com a retomada do seu setor.

A situação vivida por Andrea é um exemplo de como muitos empresários, principalmente de pequenos e médios negócios, precisaram buscar alternativas de empréstimos e crédito fora dos grandes bancos, seja pela procura por melhores taxas de juro ou pela falta de oferta das instituições financeiras tradicionais. Precisando de crédito e não conseguindo obtê-lo, a saída foi procurar cooperativas e até mesmo fintechs – startups que se destacam pelo uso de inovação e tecnologia em serviços financeiros.

A oitava edição da pesquisa “O impacto da pandemia de coronavírus nos pequenos negócios”, realizada pelo Sebrae e a FGV e referente ao fim de setembro, ajuda a compor esse cenário da busca pelo crédito. Entre os mais de 6 mil entrevistados, 33% disseram não ter dívidas ou empréstimos em aberto. Os demais se dividem entre os que estão com as contas em dia (36%) e os que estão atrasados (31%).

Desde o começo da crise, metade dos empresários buscaram empréstimos. A oitava edição da pesquisa foi a segunda em que houve uma redução na proporção de empresas que buscaram crédito – essa procura variou de 30% de procura em abril e chegou a 54% em julho.

O problema é que os empréstimos aprovados são minoria – a taxa variou entre 11% e 22% dos pedidos entre abril e agosto e chegou a 31% em setembro. Na última edição da pesquisa, a maioria dos empresários não conseguiu o crédito (55%), e 14% ainda aguardavam uma resposta da instituição.

Entre os principais motivos para a não obtenção dos recursos de empréstimos estão CPFs e CNPJs negativados ou com restrições, que juntos somam 24% das razões. A negativa sem justificativa do banco foi a situação enfrentada por 21% dos entrevistados. Os dados sobre as razões da negativa são da sétima edição da pesquisa – a oitava não trouxe esses números.

Sem bancões, empresários miram cooperativas e fintechs atrás de crédito

A pesquisa de Sebrae e FGV mostrou quais bancos foram mais procurados pelos empresários e quais liberaram mais crédito, proporcionalmente ao número de pedidos.

Até pelo fato de serem públicos e gigantes, Caixa (citada por 41% dos empresários) e Banco do Brasil (19%) foram os mais procurados para a obtenção de empréstimos. Mas o desempenho de cooperativas de crédito chama atenção. O Sicoob, citado por 9% dos empresários, foi tão procurado quanto Itaú e Bradesco. E o Sicredi, com 5%, igualou-se ao Santander.

As cooperativas e alguns bancos regionais se destacaram na lista dos que mais aprovam crédito. Os gigantes do setor privado, por sua vez, aparecem entre os mais restritivos.

O Banpará lidera com folga nesse critério: 31% dos financiamentos solicitados ao banco foram liberados. No Sicoob, o porcentual foi de 25% e no Sicredi, de 21%. Caixa e Banco do Brasil atenderam a, respectivamente, 25% e 21% dos pedidos. Conseguir empréstimo nos grandes bancos privados foi bem mais difícil: a taxa de aprovação de financiamentos no Bradesco, Itaú e Santander foi de 15%, 13% e 10% das solicitações, respectivamente, segundo os empresários ouvidos pela pesquisa.

Essas taxas de aprovação foram um pouco melhores que as verificadas em meses anteriores. Com a retomada das atividades em muitos locais, que deu algum horizonte aos negócios, os bancos provavelmente se sentiram mais confortáveis em emprestar.

Cooperativa de crédito foi o caminho escolhido pelo empresário Fernando Magalhães, sócio de uma loja especializada em moda praia feminina, e que relatou que teve o negócio afetado de forma avassaladora pela pandemia.

A opção da loja, localizada em Curitiba, é de trabalhar com peças para um público mais elitizado e manter estoque o ano todo. Com as restrições de circulação, fechamento do comércio e diminuição do número de viagens, ele viu as vendas despencarem – em abril, a queda de faturamento foi de 96% em relação ao mesmo mês de 2019.

Ele conta que aproveitou todas as oportunidades para não demitir os funcionários – da equipe de seis funcionárias, conseguiu manter cinco, com antecipação de férias e rodízio da suspensão de contrato. Renegociou vários contratos com fornecedores diversos e quando precisou de crédito, várias propostas apareceram.

“Trabalhávamos com a antecipação de recebíveis de cartão de crédito, que era a única coisa em que tínhamos taxas razoáveis. Mas com empréstimo, era sempre impraticável e agora surgiram taxas razoáveis”, conta.

Magalhães tentou recursos da primeira edição do Pronampe, mas enviou a papelada um dia depois da abertura da linha de crédito e já não havia mais nada – a opção era aguardar para ver se algum pedido seria negado e ele poderia se qualificar. Acabou fechando o crédito com o Sicoob, que ofereceu a melhor taxa dentre as pesquisadas pelo empresário.

“Nossa recuperação tem sido meio que uma gangorra. Agora estou no período de carência [do empréstimo], estamos nos reorganizando, vendo em que medida será esse retorno”, relata.

As cooperativas não foram a única saída buscada por esses empresários: eles também foram atrás das fintechs. Um levantamento da GYRA+, uma das maiores plataforma on-line de concessão de crédito, mostrou que as pequenas e médias empresas estão buscando empréstimos com ticket médio entre R$ 10 mil e R$ 100 mil e quase metade precisa desse recurso para capital de giro.

Rodrigo Cabernite, CEO da Gyra+, conta que essa procura aumentou nos últimos 18 meses, mas a crise veio intensificar esse movimento. “Na virada do ano, quando a taxa de juros no Brasil caía com velocidade muito forte, os bancos estavam cada vez mais ativos no ramo de micro e pequenas empresas. Eles tiveram de buscar clientes de empresas menores para operar com taxa alta. Com a crise, os bancos tiveram impacto muito grande nas carteiras de crédito. Hoje já sabemos que provisionaram [reservaram] bilhões de reais [contra eventual inadimplência]”, diz.

A busca pelas fintechs, para ele, ocorre pelo fato de os grandes bancos interromperem uma parte dessas linhas de crédito para avaliação e demorarem muito tempo para avaliar os pedidos, além de pedir garantias físicas para esses pequenos negócios como contrapartida de empréstimos.

“As empresas que usam tecnologia conseguem trabalhar num cenário mais adverso, porque estão plugadas em sistemas que as pequenas empresas usam. Conseguem monitorar e precificar esses créditos de forma muito precisa. Isso explica porque as fintechs estão pegando esse mercado dos bancões”, afirma.

Na GYRA+, a análise para concessão de crédito é rápida e as liberações ocorrem em até 24 horas. “O que a gente está fazendo hoje é o que os bancos vão fazer daqui a dois ou três anos. Com toda a tecnologia, a gente consegue oferecer condições melhores. O banco vai pedir garantias físicas diversas – veículos, imóveis, recebíveis. Aqui, só precisa do aval do sócio. O banco precisa de garantia porque é um risco que ele não sabe mensurar ainda”, explica.

Linhas de crédito do governo foram insuficientes

O Sebrae está buscando junto ao governo alternativas para ampliar a concessão de crédito as micro, pequenas e médias empresas. Elas cresceram durante a pandemia – passaram de cerca de 30 para 180, mas ainda não foram suficientes.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente do Sebrae, Carlos Melles, adiantou que as conversas estão em andamento e visam soluções em relação ao Pronampe e ao Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), em que o Sebrae pode ser avalista complementar de financiamentos para pequenos negócios.

A avaliação de Melles é de que o Pronampe é qualitativamente bem-feito, mas pequeno perante as necessidades das empresas, e por isso os recursos colocados sumiram “como névoa”.

Com as prerrogativas de o setor ser responsável por 30% do PIB (cerca de R$ 2,3 trilhões) e gerar 50% dos empregos no país, a expectativa é que uma terceira linha de crédito do programa seja mais robusta. Pelo Pronampe, podem ser oferecidos até 30% do faturamento anterior para capital de giro.

Melles frisa que cerca de metade dessas micro e pequenas empresas não busca crédito, mas o restante está precisando e nem sempre obtém os recursos. “Estamos falando de R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões de oferta de crédito para um certo conforto nessa retomada”, avalia.

Outra opção é alocar recursos no Fampe. A proposta do Sebrae é que o governo alavanque o fundo entre três e cinco vezes. “Se o Fampe tivesse recursos de R$ 50 bilhões, alavancado de três a cinco vezes, poderíamos oferecer de R$ 150 bilhões a R$ 250 bilhões em créditos. Existe uma sinalização de que o governo pode disponibilizar mais R$ 10 bilhões para o Fampe agora”, comenta.

O Sebrae ainda se preocupa com o quadro de CPFs e CNPJs negativados no Brasil. A estimativa da instituição é de que há 63 milhões de brasileiros negativados – e, portanto, sem acesso a crédito. “Estamos olhando para que o governo estude como voltar esses 63 milhões de brasileiros negativados pra a ativa. Temos a percepção clara de que a retomada passa pela micro e pequena empresa”, afirma.

Rodrigo Cabernite, da GYRA+, lembra que o nome sujo foi a razão para inúmeras empresas não conseguirem obter crédito, especialmente no Pronampe, que foi a tábua de salvação para muitos.

“Para conseguir, tem que estar com o nome limpo, e algumas empresas durante a crise não pagaram nada e agora precisam limpar o nome. Tem algumas coisas acontecendo ao mesmo tempo nesse mercado de crédito. O mal que veio para o bem é que o pequeno empresariado passou por uma crise muito forte e quem sobreviveu saiu mais resiliente e vai sobreviver, sabendo que tem muita incerteza da Covid para os próximos nove meses ainda”, diz.

Crédito precisa ser alavancado para retomada

O Sebrae olha com atenção os próximos passos para alavancagem de crédito porque acredita que isso proporcionará um impulso para esses pequenos negócios aumentarem a produtividade. Carlos Melles, presidente do Sebrae, defende que o negócio de micro e pequena empresa é puro e simples entusiasmo, já que aqui no Brasil as dificuldades de acesso ao crédito são muito limitantes.

Ele acredita que, ao estimular o Fampe, e fomentar parcerias com instituições financeiras, haverá mais espaço para a concessão de crédito, especialmente para as empresas e empresários do Simples, porque os riscos serão mitigados. Nesse sentido, a busca por cooperativas faz sentido para o pequeno negócio. “As cooperativas de crédito tem uma performação maior, porque elas vivem a realidade do pequeno negócio. Isso vai ser um componente que vai ajudar muito, é um crédito fortalecido pela confiança”, diz.

Esse é o caso do empresário Fábio Balen, dono de uma empresa de hortifrutigranjeiros no interior do Paraná. A crise da pandemia afetou seu negócio, mas de uma forma positiva: ele precisou expandir a operação. Para dar conta da quantidade de entregas, precisou comprar mais um caminhão e obteve crédito via Sociedades Garantidoras de Crédito (SGC) – uma iniciativa do Sebrae que coloca empresários locais em parceria com agências de fomento e entidades de apoio para o desenvolvimento regional – e cooperativa.

“Estamos partindo para a compra de mais um caminhão, porque o que a gente conseguiu expandir na pandemia já ficou pequeno e a demanda está crescendo”, conta. O primeiro empréstimo foi rápido e não alienou nenhum bem de Balen, que vai procurar novamente a cooperativa para essa nova linha de crédito que consolidará o crescimento da empresa, mesmo em um ano tão adverso.

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