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Semicondutores
Indústria automotiva é o segmento mais impactado pelo desequilíbrio global entre oferta e demanda de semicondutores.| Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro

A indústria automotiva é o segmento mais impactado pelo desequilíbrio entre oferta e demanda de semicondutores, crise que se arrasta desde 2020. Estudo global da consultoria KPMG estima que as perdas das montadoras por causa da escassez chegam a US$ 100 bilhões em vendas perdidas. O valor equivale a 80% dos prejuízos totais da indústria mundial, apesar de as linhas de montagem de veículos absorverem apenas 10% de todos os chips fabricados no mundo. Sem perspectiva de solução no curto prazo, o setor busca como contornar o problema — e uma das soluções pode ser a produção própria desse tipo de componente.

Depois de paralisações totais de cerca de três meses provocadas pela crise sanitária, as montadoras foram surpreendidas por redirecionamentos feitos pelos fornecedores. No escuro sobre a retomada da indústria automotiva naquele período, as fabricantes de semicondutores deslocaram estoques e produção para segmentos como smartphones, eletroeletrônicos, computação e telecomunicações, que tiveram aumento de demanda apesar da pandemia do coronavírus.

"O encolhimento [nas indústrias] não foi uniforme. Quando a área de eletrônica de consumo cresceu 10%, 15% em cima de uma fatia que já era a maior parte do volume original [de semicondutores fabricados], ela quase engoliu a capacidade que [antes] era voltada para a área automotiva", resume Flávio Sakai, diretor de Eletroeletrônica da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva. Como a oferta é limitada, faltou produto.

A crise de fornecimento se tornou um gargalo para as fabricantes de automóveis em todo o mundo, com redução e novas paralisações na produção, desta vez pela falta dos componentes. No Brasil, empresas como a Volkswagen suspenderam atividades em parte das plantas.

Dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) indicam que a produção alcançou uma espécie de "teto técnico". Entre janeiro e maio de 2021, o nível de produção flutuou entre 190 mil e 200 mil veículos ao mês, andando de lado apesar de haver demanda pelos novos, que não podem ser montados sem os processadores de dados. Um modelo médio fabricado hoje chega a ter 300 semicondutores, que respondem por inúmeras funções, desde a ignição até sistemas de segurança, como freios ABS e airbags.

O presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, reafirmou que "existe o risco de novas paradas nas montadoras aqui localizadas. As empresas, como sempre, buscarão usar todos os mecanismos de flexibilidade na gestão da mão de obra para poder gerir mais essa crise", pontuou, ao comentar o risco de fechamentos e demissões.

Apesar desse cenário, a associação dos fabricantes mantém, por enquanto, a projeção de produção para o ano, feita em janeiro, segundo a qual 2,5 milhões de veículos leves e pesados sairão das fábricas brasileiras até dezembro.

Demanda crescente por semicondutores já seria problema

O problema, que já se estende por mais de um ano, deve se prolongar além das expectativas iniciais, que eram de indícios de normalização ainda em 2021. Conforme avaliações atualizadas, entretanto, a capacidade de produção prevista para este ano não cobre a demanda e não há perspectiva de que a poeira assente antes do segundo semestre de 2022.

Essa demora em uma resposta para a crise dos chips se deve a entraves no aumento da capacidade, já que fábricas do tipo levam entre dois e quatro anos para se tornarem operacionais, sem chances de uma solução de curto prazo. Assim, a indústria deve sofrer com os efeitos da escassez até um reequilíbrio que estará, ainda, sujeito a mudanças importantes dentro das diversas linhas de montagem, inclusive a de automóveis.

“Mesmo que a gente não tivesse tido esse problema tão grave com semicondutores, já teria dificuldades para lidar com a demanda [pelos componentes] porque o embarque de tecnologia nos carros novos vai aumentar muito”, pondera o líder do setor de Industrial Markets e Automotivo da KPMG no Brasil, Ricardo Bacellar.

Conforme projeção feita pela consultoria, a demanda por semicondutores no mercado automotivo deve crescer entre 6,4% e 7,8% ao ano até 2040, avanço que pode extrapolar 150% no acumulado do período. O número é puxado principalmente pelos carros elétricos e autônomos, com demanda que é, respectivamente, duas vezes maior que nos movidos a combustão. A diferença chega a dez vezes nos veículos com altos níveis de autonomia.

Saídas para a dependência

Em paralelo, outros setores também evoluem rapidamente e necessitam cada vez mais de componentes de última geração, acirrando a briga por espaço junto ao mercado de tecnologia. É o caso da área de telecomunicações, que tem todo um parque de equipamentos a ser trocado para a chegada do 5G.

Na avaliação de Bacellar, o prolongamento da crise de fornecimento deve levar compradores de chips a ajustes de rota pensando nesse futuro cada vez mais dependente dos processadores. Conduzida pela consultoria, a pesquisa Surviving the silicon storm ("Sobrevivendo à tempestade do silício", em tradução livre) aponta para a necessidade urgente de reavaliação do modelo de negócios das montadoras para evitar novos problemas com abastecimento. Entre as saídas indicadas está o investimento direto na capacidade de fabricação dos componentes.

Internalizar a produção seria uma saída análoga ao que montadoras mais tradicionais (como Volkswagen, Ford e GM) já pretendem no que se refere a baterias, seguindo os passos da Tesla e sua fábrica própria na China. “Obviamente não vai ser algo do dia para a noite, mas uma hora tem que começar. Avaliar qual a possibilidade de absorver parte dessa produção, talvez elementos mais simples como sensores, para que a dependência seja menor e a montadora administre melhor essa oferta e demanda”, completa.

Anfavea defende produção nacional de chips

Com produção de semicondutores quase inteiramente concentrada na Ásia, a crise levantou cobranças para uma nacionalização da produção. Para o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, “a pandemia mostrou que a cadeia global e a sua logística têm fragilidades”. Ele diz que o modelo poderia ser revisto, abrindo uma janela de oportunidades para fornecedores locais, contanto que o Brasil oferecesse condições de custo aceitáveis e um ambiente de negócios que estimule investimentos.

Para Flávio Sakai, diretor da AEA, a nacionalização desse tipo de componente é um processo de longo prazo. Há entidades trabalhando junto ao governo na tentativa de viabilizar algumas nacionalizações ou localizações desse tipo de componente, mas são processos que levam alguns anos. Segundo Sakai, o objetivo nesse cenário seria aumentar competitividade e garantir mais segurança em outras crises, “mas isso não resolve a nossa vida hoje nem para o ano que vem”, completa.

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