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Governadores se reúnem com Rodrigo Maia: eles têm interesse em novo pacote de auxílio aos estados, mas medidas podem apenas postergar a crise fiscal
Governadores se reúnem com Rodrigo Maia: eles têm interesse em novo pacote de auxílio aos estados, mas medidas podem apenas postergar a crise fiscal| Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Antes mesmo da pandemia, União, estados e municípios já enfrentavam uma situação fiscal delicada. A elevação dos gastos com pessoal e aposentadoria exigia providências, como reformar a Previdência, para evitar um comprometimento ainda maior das contas públicas. A crise do coronavírus agravou ainda mais a situação, e motivou a análise de projetos para socorrer os entes subnacionais. Uma proposta, em substituição ao Plano Mansueto, já foi aprovada e sancionada. Mas há outra para ser analisada pelo Congresso, e um estudo alerta: o novo auxílio aos estados deve apenas postergar a crise fiscal.

Trata-se do projeto de lei complementar (PLP) 101/2020, que cria o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, além de promover outras alterações.

O texto permite oferta de crédito aos estados com aval da União, incluindo aqueles com baixa capacidade de pagamento ou que estão em uma situação “pré-falimentar”. Em contrapartida, os estados que aderirem ao programa deverão adotar algumas medidas para promover um ajuste fiscal de caráter estrutural, o que inclui restrições de gastos com servidores.

Governadores têm interesse na aprovação da proposta ainda neste ano – e foi para demonstrar isso que, no início de novembro, os mandatários ou vices de dez estados se reuniram com o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como resultado do encontro, o autor do projeto, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), anunciou que ele entraria na pauta após o primeiro turno das eleições.

A avaliação do deputado é que a aprovação do texto beneficiará todos os entes, especialmente Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que têm situação fiscal pior e poderão aderir a um regime de recuperação por dez anos.

De acordo com o jornal "O Estado de S. Paulo", uma ala do governo quer incluir nesse projeto parte dos gatilhos de contenção de gastos previstos na proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial. Por ser um projeto de lei complementar, é mais fácil de aprovar: precisa dos votos de 257 deputados e 41 senadores, bem menos que uma PEC (308 deputados e 49 senadores).

Mas, segundo o "Estadão", a ideia de incluir os gatilhos nesse projeto não é consenso no governo. Quem é contra teme que a manobra atrapalhe outros projetos e acabe esvaziando a PEC Emergencial, que é mais ampla e "potente".

Pedro Paulo também é contra a ideia, segundo a reportagem. Avalia que a mistura de propostas pode causar ruído num projeto já negociado com o Ministério da Economia, parlamentares e governadores. E que os gatilhos exigem mesmo mudança na Constituição, não podendo ser implementados por lei complementar.

Apesar da expectativa de votação após o primeiro turno das eleições, o PLP 101 não foi incluído na pauta do plenário da Câmara desta quarta (17). E, de todo modo, partidos de oposição e do Centrão prometem continuar obstruindo votações, como fazem há semanas, enquanto suas demandas não forem atendidas: opositores querem votar a MP 1000/2020, que prorroga o auxílio emergencial; e o Centrão quer definir o comando da Comissão Mista de Orçamento.

Novo auxílio só retarda crise fiscal, diz estudo

Mas a proposta não é consenso. Uma análise publicada neste mês pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa alerta para o risco de a proposta servir apenas para postergar o problema fiscal e virar uma nova maneira de flexibilizar regras vigentes.

“Em vez de contribuir para o equacionamento da crise fiscal que assola estados e municípios, corre-se o risco de que haja uma mera postergação do problema, com a União sendo obrigada a socorrer esses entes sucessivas vezes”, alertou o consultor legislativo Alexandre Amorim Rocha, responsável pela análise.

Rocha ainda frisa que essa não é a primeira iniciativa voltada para a recuperação dos estados, e que propostas vêm sendo sistematicamente apresentadas nos últimos governos, com orientações ideológicas e bases parlamentares diferentes.

“Ainda assim, nenhuma criou as condições para o reequilíbrio das contas públicas dos entes subnacionais no futuro próximo. A estratégia dominante dos governos estaduais e municipais para fazer frente às suas dificuldades financeiras, especialmente dos primeiros, tem sido buscar o cancelamento, a suspensão ou o alongamento de suas obrigações junto à União por meio dos Poderes Legislativo e Judiciário, combinada com a extração de novas transferências”, escreveu.

Discussão fiscal será relevante

A avaliação de Rocha é de que, ainda que promova uma flexibilização muito ampla, a proposta acerta ao recolocar “questões-chave do federalismo fiscal brasileiro no centro dos debates sobre políticas públicas”. De modo geral, o PLP 101/2020 altera algumas regras em vigência, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal, e estabelece outras para o acesso ao auxílio.

Entre as ações que poderão sofrer mudanças estão as que integram o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal (PATF), que, além da transparência, busca compatibilizar os modelos seguidos por estados com o que faz a União.

A adesão a esse programa se torna mandatória para acesso ou repactuação dos Planos de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF) e do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o que também considera o refinanciamento de dívidas junto à União.

O PEF é uma ação de curto prazo, com foco no socorro aos entes subnacionais em situação menos grave, estabelecendo um conjunto de metas e compromissos. A partir da adoção de, ao menos, três dessas medidas é possível aderir ao RRF. Esse regime, por sua vez, passará a vigorar por até dez exercícios, em vez dos três atuais. O estado pode solicitar a saída desse regime a qualquer momento e também há um mecanismo de extinção automática para casos de inadimplência superior a dois anos, com restrições para novas operações de crédito.

Rocha destacou oito pontos do RRF que explicitam essa preocupação em ser um mero instrumento de flexibilização das regras:

  1. não aplicação, por tempo indeterminado, da exigência de que a receita corrente líquida (RCL) anual seja menor que a dívida consolidada (DC);
  2. substituição do nível de comprometimento da RCL com despesas com pessoal de 70% para 60%;
  3. ampliação do prazo de duração de três para dez anos;
  4. exclusão apenas em caso de inadimplência por dois anos seguidos;
  5. não incidência dos encargos por inadimplemento em caso de exclusão;
  6. permissão para que as alienações de participações societárias não resultem na perda de controle;
  7. substituição da exigência de redução dos incentivos ou benefícios tributários em 10% anuais por três anos pela simples redução em 10%;
  8. permissão para que práticas vedadas pelo RRF sejam excepcionalizadas pelos respectivos planos de recuperação.

Além desses pontos, o autor alerta para o fato de que a proposta exclui os excedentes as despesas de saúde e educação do teto corrigido pela inflação. O problema não envolve os gastos mínimos, que são definidos pela Constituição e seguiriam mantidos. O risco é que o avanço dessas despesas obrigatórias acabe estrangulando outras.

Rocha explica que essa regra é um tipo de proteção para o caso de que os tributos que compõem base de cálculo dos gastos sejam superiores à taxa de inflação. “Embora seja uma precaução, a exclusão proposta não concorre para o ajuste das contas públicas estaduais e municipais. O teto pretende forçar o ente a adotar medidas que limitem as suas despesas vis-à-vis às suas receitas. Qualquer exclusão contribui para o prolongamento do período de ajuste, podendo, sob certas condições, até inviabilizá-lo”, alerta.

Nessa situação, o consultor explica que seria preferível até mesmo buscar formas de conter os gastos de saúde e educação, o que só seria possível com uma emenda constitucional. “A ampla disparidade nos resultados auferidos pelos entes subnacionais nessas áreas deveria bastar para demonstrar que há sim espaço para aprimoramentos sem novos gastos”, argumenta.

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