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Bolsonaro discursa na Esplanada dos Ministérios em 7 de setembro: críticas ao STF tornam mais distante acordo com Judiciário para parcelamento de precatórios.
Bolsonaro discursa na Esplanada dos Ministérios em 7 de setembro: críticas ao STF tornam mais distante acordo com Judiciário para parcelamento de precatórios.| Foto: Alan Santos/PR

As declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na terça-feira (7) podem comprometer de vez o acordo que vinha sendo costurado entre o Poder Judiciário e o Executivo para um possível parcelamento dos R$ 89,1 bilhões em precatórios – dívidas já reconhecidas pela Justiça e não mais passíveis de recurso – que a União tem a pagar em 2022.

Em seus discursos em Brasília e São Paulo durante as manifestações no 199 º aniversário da Independência, o chefe do Executivo dirigiu críticas ao Supremo Tribunal Federal e principalmente ao ministro Alexandre de Moraes, e disse que cabe ao chefe do Judiciário – no caso, Luiz Fux, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – enquadrar o colega "ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos".

Em resposta, Fux disse na quarta-feira (8), na abertura da sessão do Supremo, que "ofender a honra dos ministros, incitar a população à propagar discurso de ódio contra o STF e incentivar descumprimento de decisões judicias" são práticas "antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis".

A proposta que estava sendo discutida entre o Executivo e Judiciário era de limitar o pagamento de precatórios à mesma regra de correção usada no teto de gastos. Isto é, a inflação medida pela correção do IPCA acumulada em 12 meses até junho.

Pelo modelo proposto ao CNJ pelo vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, seriam quitados em 2022 apenas R$ 37,8 bilhões dos R$ 89,1 bilhões em precatórios emitidos para o ano. Nos anos seguintes, seriam somados ao "saldo devedor" parte dos novos precatórios emitidos, que também seriam parcelados.

Segundo alguns interlocutores do STF, a proposta já havia perdido força antes mesmo dos atos de 7 de Setembro. Isso porque não havia unanimidade entre os ministros do Supremo com relação à solução via CNJ.

O cientista político Cristiano Noronha, sócio e vice-presidente da consultoria Arko Advice, não vê a situação como definida. Em sua opinião, as declarações de Bolsonaro apenas retardam uma negociação que poderia ocorrer de forma mais rápida.

"As declarações atrapalham, atrasam uma solução, mas não inviabilizam. Neste momento, a temperatura está mais elevada. Mas, eventualmente, em outubro, essa crise pode arrefecer. A temperatura pode baixar e, assim, termos uma solução via CNJ", diz.

Noronha lembra que outros interlocutores, que não necessariamente estão em conflito com o Judiciário, podem endereçar a questão, a exemplo dos presidentes da Câmara e Senado e a equipe econômica.

"Não é uma solução que seja coisa de interesse pessoal do presidente da República. É possível que a gente veja alguma resposta mais dura do Judiciário em temas relacionados à bandeira do presidente. Contestações sobre decretos de armas, MP do marco civil da internet, por exemplo. Há ouros temas mais simbólicos da pauta do presidente que podem ser barrados", afirma Noronha.

Por outro lado, as negociações podem azedar definitivamente se o presidente confirmar as ameaças dadas nos discursos. Ele afirmou, por exemplo, que não cumpriria decisões de Alexandre de Moraes. Se de fato houver uma decisão por parte do Supremo com relação ao chefe do Executivo e ele, eventualmente, descumpri-la, a situação poderá ser enquadrada como crime de responsabilidade.

"Essa ameaça excita e motiva os eleitores. Se isso se cumprir, poderia, sim, inviabilizar [o acordo dos precatórios]. Porque vai vai haver uma pressão muito maior por impeachment, cria-se um argumento jurídico incontestável", afirma o cientista político.

Alternativas para precatórios são parcelamento mais brando e aprovação da PEC

Se a solução via CNJ realmente fracassar, o governo tem ainda duas vias possíveis para enfrentar a questão dos precatórios. A primeira delas – e que demandaria menos articulação política – seria se aproveitar de um dispositivo já permitido pela Constituição e que aliviaria ao menos parte do Orçamento.

Segundo a Carta Magna, podem ser parcelados em até seis vezes os chamados "superprecatórios" – aqueles que, individualmente, ultrapassam em 15% o valor de toda despesa com precatórios. Isso não daria todo o alívio pretendido pelo governo, mas já liberaria alguns bilhões de reais para outras despesas. Porém, a própria equipe econômica já disse entender que essa medida se tornou defasada diante do aumento dos precatórios nos últimos anos.

Uma segunda opção seria aprovar a PEC dos precatórios, que prevê duas regras para o parcelamento, uma temporária e a outra permanente.

A primeira, cuja vigência terminaria em 2029, prevê o parcelamento de dívidas cuja soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida (RCL) dos 12 meses anteriores. Segundo a Economia, atualmente 8.771 dos precatórios se enquadram nessa situação. A PEC prevê o pagamento inicial de 15% do valor e o parcelamento do restante em nove anos.

A segunda regra, de caráter permanente, prevê o parcelamento de todo precatório que for superior a R$ 66 milhões. Da mesma forma que na regra temporária, 15% do valor seria pago à vista e o restante, em nove prestações. De acordo com o governo, 47 precatórios a serem pagos em 2022 se enquadram nessa regra.

Relator na Câmara diz que PEC dos precatórios tem apoio da maioria dos parlamentares

Na perspectiva do deputado Darci de Matos (PSD-SC), relator da PEC dos precatórios na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara dos Deputados, embora os acontecimentos do 7 de Setembro dificultem a solução via CNJ para os precatórios, há maioria no Parlamento para a aprovação da proposta de emenda à Constituição.

"O acordo apenas cortaria caminho. Mas a PEC está andando, e ela resolve a situação, independente de acordo via CNJ. Ela vai ser aprovada. E cria condições legais e jurídicas para fazer o parcelamento das dívidas e para resolver um problema que surgiu", disse o deputado à Gazeta do Povo. "Temos maioria na Câmara [para aprovar a PEC]. Temos deputados que não são da base do governo mas que são pela agenda, que é necessária e que vai dar condição para manter as políticas públicas."

Noronha, da Arko Advice, também vê cenário favorável para a PEC no Congresso. Segundo ele, o mundo político também quer encontrar uma solução para os precatórios já que, no limite, resolver essa questão também ajudaria a viabilizar emendas parlamentares.

"Ano que vem, sobretudo, é um ano estratégico para parlamentares do ponto de vista eleitoral. Portanto, também interessa aos parlamentares a resolução do problema", afirma.

*Colaborou Renan Ramalho, de Brasília

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