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Hugo Chávez e Lula, então presidentes, num encontro no Palácio do Planalto em abril de 2010: Venezuela abandonou sociedade na refinaria Abreu e Lima e Petrobras teve de arcar sozinha com a obra, que já consumiu mais de US$ 18 bilhões.
Hugo Chávez e Lula, então presidentes, num encontro no Palácio do Planalto em abril de 2010: Venezuela abandonou sociedade na refinaria Abreu e Lima e Petrobras teve de arcar sozinha com a obra, que já consumiu mais de US$ 18 bilhões.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Um dos projetos mais ambiciosos do PT na infraestrutura brasileira era a ampliação do parque de refino da Petrobras. Em 2008, a petroleira projetava chegar à marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia em 2015, o que colocaria o Brasil entre os cinco países com maior produção de derivados de petróleo. Essa marca nunca foi atingida e não consta dos planos atuais: em 2021, as refinarias da Petrobras processaram 1,9 milhões de barris por dia, volume próximo do registrado em 2008.

Entre aquele momento de euforia e a realidade atual ocorreram problemas de gestão, atrasos nas obras e denúncias de superfaturamento e corrupção levantadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Operação Lava Jato. Confira a seguir o que aconteceu com cada refinaria que havia sido planejada quando o acionista majoritário – o governo brasileiro – era comandado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco

Obra: Pedra fundamental lançada em dezembro de 2005; início das obras em setembro de 2007.

História: A Refinaria Abreu e Lima foi um projeto que marcou a ascensão da esquerda na América Latina, tendo como “padrinho” o presidente venezuelano Hugo Chávez, morto em 2013. Foi ele quem batizou a unidade, tendo como referência o general José Inácio Abreu e Lima (1794-1869), brasileiro que teve papel de destaque no movimento de libertação dos territórios hispânicos na América, liderado por Simón Bolívar.

A admiração que Chávez nutria pelo general Abreu e Lima era notória. Ainda na posse de Lula, em 1.º de janeiro de 2003, o venezuelano afirmou: “Há 200 anos outro Inácio, também pernambucano, lutava ao lado de Bolívar”.

Já em seguida a Petrobras e a PDVSA aceleraram as negociações para definir um investimento conjunto na área de infraestrutura energética no Brasil, com preferência pelo estado de Pernambuco. A princípio, a estatal venezuelana teria participação majoritária, e por isso opinou na escolha do local e do nome Abreu e Lima, escolhido por Chávez.

Entretanto, a parceria com a PDVSA nunca prosperou. Chávez participou dos eventos de lançamento da pedra fundamental e do início das obras de Abreu e Lima, mas o acordo era apenas informal.

Em outubro de 2009, a Petrobras comunicou que ela e a PDVSA “concluíram com êxito as negociações para a constituição da empresa que vai construir e operar a Refinaria Abreu e Lima, localizada em Pernambuco. A participação acionária na empresa será de 60% para Petrobras e 40% para PDVSA”. Passaram-se dois anos sem que fosse celebrado o contrato efetivo, mas a Petrobras ainda informava que as negociações estavam em andamento. Foi só em 2013 que a empresa brasileira deu por encerrada a proposta de sociedade.

Desse modo, a Petrobras teve que arcar sozinha com todos os recursos, que foram mal orçados. O projeto inicial previa investimentos de US$ 2 bilhões, mas quando as obras tiveram início, em 2007, o custo pulou para US$ 4,05 bilhões. O plano era refinar 200 mil barris por dia, que contribuiria para atender a demanda crescente de derivados no Nordeste a partir de 2011.

O custo final, porém, bateu na casa dos US$ 18,5 bilhões, e a unidade entrou em operação apenas no fim de 2014 com apenas 64% da capacidade. Em 2020 a produção chegou a 111,9 mil barris por dia, mas em 2021 caiu para R$ 72,5 mil, por causa de uma parada de manutenção por um mês e meio. Embora esteja em operação há pouco mais de sete anos, a refinaria até hoje não foi concluída; apenas parte do projeto ficou pronta.

Abreu e Lima foi a primeira refinaria construída no Brasil desde 1980. Em 2014, o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli disse que a unidade de Pernambuco “era pioneira” e por isso o custo foi “um pouco mais alto”.

O problema de superfaturamento foi detectado cedo. As obras começaram em setembro de 2007, e já no ano seguinte o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios de superfaturamento, exigindo prestação de contas da Petrobras. Esses assuntos foram tema de uma primeira CPI da Petrobras em 2009, mas os governistas dominaram o colegiado e o relatório final afastou a possibilidade de superfaturamento, indicando apenas a necessidade de uma nova metodologia para calcular obras de grande porte e com alto nível tecnológico.

O TCU continuou com as auditorias e recomendou a paralisação das obras na Lei Orçamentária de 2011, medida acatada pelo Congresso mas vetada na sequência por Lula, que passou a criticar o tribunal por querer “paralisar o país”.

Em 2014, a Operação Lava Jato começou a desvendar uma série de irregularidades em contratos da Petrobras, o que motivou a criação de uma nova CPI no Congresso. O ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa foi preso logo na segunda fase da operação, em março. Sob seu comando estavam as obras de refinarias como Abreu e Lima. Mas a unidade de Pernambuco foi investigada mais a fundo na 20.ª fase da Lava Jato, em novembro de 2015, sob suspeita de corrupção e desvio de dinheiro. Várias ações relacionadas ao pagamento de propinas na Refinaria Abreu e Lima continuam a tramitar na Justiça Federal.

Em fevereiro de 2021, o juiz da 13.ª Vara da Justiça Federal em Curitiba Luiz Antônio Bonat – substituto de Sergio Moro – condenou cinco pessoas pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em contratos firmados para a construção da Refinaria Abreu e Lima entre 2009 e 2014.

Como está hoje: A Petrobras ainda não conseguiu vender a refinaria, como previsto em acordo firmado em 2019 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). No fim de 2021, a diretoria da estatal decidiu que vai investir mais R$ 5,6 bilhões para concluir a unidade, de forma a deixá-la mais atraente para os compradores.

Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj)

Obra: Pedra fundamental lançada em junho de 2006; início das obras em março de 2008.

História: O Comperj também foi lançado para ser símbolo do desenvolvimentismo pregado pelo PT, favorecendo regiões até então “esquecidas” pelo poder público. Em discurso em 2006, no lançamento da pedra fundamental, Lula disse que o empreendimento iria “fazer com que São Gonçalo deixe de ser o patinho feio do estado e Itaboraí de ser uma cidade de interior", em referência às duas cidades que abrigariam o polo petroquímico e o centro de capacitação de mão de obra.

Na época, Lula também exaltou o avanço tecnológico que se buscava com o complexo e o licenciamento ambiental para a obra. "O Comperj é uma conquista tecnológica histórica, talvez, só comparada à tecnologia desenvolvida pela Petrobras em águas profundas", disse.

O Comperj foi orçado inicialmente em US$ 6,5 bilhões, mas em 2008, quando as obras começaram, o projeto já custava US$ 8,4 bilhões. A meta era refinar cerca de 150 mil barris por dia a partir de 2013. O Comperj não foi concluído e gerou prejuízo de pelo menos US$ 14,3 bilhões à Petrobras, conforme levantado em 2015 durante CPI no Congresso.

As obras do Comperj também foram alvo de auditorias do TCU e depois foram investigadas na Operação Lava Jato. Em junho de 2017, o então juiz Sergio Moro, na 13.ª Vara Federal de Curitiba, condenou o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A condenação foi confirmada no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região), mas os defensores de Cabral tentam reverter a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), utilizando os mesmos argumentos de Lula a respeito da anulação das condenações no âmbito da Lava Jato. Outras ações envolvendo o Comperj continuam a tramitar na Justiça Federal.

Em dezembro de 2019, depois de uma avaliação técnica, a Petrobras anunciou que desistiu de concluir as obras do Comperj depois de um estudo de viabilidade econômica feito com empresa chinesa CNPC.

Como está hoje: Em 2020, a petroleira renomeou a unidade como Polo GasLub Itaboraí e iniciou estudos para produção de gás natural no local – os testes de produção tiveram início em 31 de janeiro de 2022. Nos próximos anos deve ser feita a integração com a Refinaria de Duque de Caxias, visando a produção de lubrificantes e combustíveis, além de estudos para construção de uma termelétrica.

Refinaria Premium 1, no Maranhão, e Premium 2, no Ceará

Obra: Anunciadas em 2008, nunca saíram do papel.

História: Dentro do planejamento de ampliar a capacidade de refino do Brasil, o então presidente da Petrobras Sergio Gabrielli lançou em 2008 os projetos das refinarias Premium 1, no Maranhão, e Premium 2, no Ceará. Na época, o anúncio também foi visto como afago do ex-presidente Lula a governadores do Nordeste que lamentaram ter ficado de fora do grande investimento feito na Refinaria Abreu e Lima.

Pelo anúncio feito em 2008, as usinas seriam as maiores do Brasil, com capacidade de refino de 600 mil barris por dia na Premium 2 e 300 mil barris por dia na Premium 2.

Logo os planos foram revistos. Com a crise econômica mundial de 2008, a demanda por petróleo caiu e os preços baixos da commodity desestimularam investimentos na área. Em dezembro daquele ano, o barril do petróleo caiu a US$ 40, o menor valor em anos. Hoje o preço está próximo de US$ 120.

As pedras fundamentais das refinarias foram lançadas em 2010. No Maranhão, o terreno escolhido passou por terraplanagem, mas as obras não evoluíram mais do que isso. Em julho de 2011, a Petrobras suspendeu oficialmente as obras das duas refinarias por problemas de caixa. Naquela ocasião, a interferência do governo federal, que vetou reajustes nos combustíveis, levou a companhia a postergar investimentos de R$ 44 bilhões.

Em 2012, Graça Foster assumiu o comando da Petrobras e as refinarias Premium entraram no rol de projetos em avaliação, para verificar as despesas já feitas e refazer o orçamento. O escândalo do aumento de custos da Refinaria Abreu e Lima, detectado pelo TCU, tinha afetado as decisões de negócio da Petrobras. Ainda assim, o governo fazia afagos aos governadores do Maranhão e Ceará – Roseana Sarney e Cid Gomes, respectivamente – comprometendo-se a construir as refinarias no futuro.

Ao longo de 2013, foram feitas negociações com empresas chinesas e sul-coreanas na tentativa de atrair um sócio privado para ajudar a Petrobras a tirar as obras do papel. Naquele ano, auditoria do TCU apontou irregularidades nos gastos com a terraplanagem no Maranhão.

Em 2014, a recessão econômica no Brasil provocou queda na demanda por combustíveis, e de novo a companhia brasileira precisou rever os planos de investimento. A Operação Lava Jato já estava em curso, mas foi só em outubro daquele ano, quando o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa prestou depoimento sobre um esquema de corrupção e desvio de recursos, que a estatal começou a analisar a fundo a viabilidade dos projetos das refinarias.

No início de 2015, a Petrobras reconheceu que os projetos Premium 1 e 2 tinham gerado perdas de R$ 2,7 bilhões. Em novembro de 2015, o TCU deu continuidade às investigações sobre as unidades, exigindo esclarecimentos sobre gastos com todas as refinarias ao Conselho de Administração da Petrobras. Acórdão aprovado em 2018 fez uma série de recomendações à empresa e aos órgãos de controle para estabelecer novas regras de governança.

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