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Sede da Vivo, em São Paulo: mercado brasileiro é visto como estratégico para amenizar os problemas econômicos enfrentados pelos países ibéricos | Nacho Doce/Reuters
Sede da Vivo, em São Paulo: mercado brasileiro é visto como estratégico para amenizar os problemas econômicos enfrentados pelos países ibéricos| Foto: Nacho Doce/Reuters

Perspectivas

Ascensão social atrai investimentos

Não é apenas a crise que respalda tamanho interesse dos europeus pelo Brasil. Espanha e Portugal são países com perspectivas econômicas de longo prazo menos auspiciosas que as do Brasil. A popu­­lação é a primeira diferença: o número de espanhóis é um pouco maior que o de habitantes do estado de São Paulo e Portugal tem um número semelhante ao do Paraná.

Além disso, esses países experimentaram um período de crescimento econômico e enriquecimento das famílias nas últimas décadas. Assim, essas sociedades atingiram níveis elevados de consumo e desenvolvimento, o que reduz a capacidade das empresas de expandir seus negócios. "Enquanto isso, grande parte da população brasileira só experimenta agora o acesso ao consumo básico. Estávamos em situação de subconsumo", diz André Sacconato, professor da FGV e analista da Tendências Consultoria.

No mercado de telefonia, esse cenário é ainda mais evidente. O Brasil hoje tem mais de 180 milhões de linhas de celular ativas, cerca de uma por habitante. Elia San Miguel, analista da consultoria Gartner, observa, porém, que há um potencial enorme de crescimento, já que boa parte desses números se refere a pessoas que têm mais de uma linha.

Banco e aviação

Outros setores fazem o mesmo caminho

O segmento de telefonia não é o único em que a remessa de lucros das operações brasileiras tornou-se vital para o país de origem. No banco espanhol Santander, antes do agravamento da crise, em 2008, o Brasil contribuiu com 12% do lucro mundial do grupo no primeiro trimestre daquele ano. Um ano depois, no meio do nervosismo global, a fatia aumentou para 17%.

Nos três primeiros meses de 2010, quando o Brasil estava com a economia a todo vapor e a Espanha ainda patinava, o lucro da filial respondeu por 21% de todo o resultado do grupo no período ou 465 milhões de euros. Com esse desempenho, o Santander Brasil superou o lucro gerado pela unidade do Reino Unido, que respondeu por 16% do ganho.

A presença de investimentos portugueses em território brasileiro aumentou expressivamente nos últimos anos. A companhia aérea portuguesa TAP é um dos exemplos mais emblemáticos. De janeiro a maio deste ano, o número de passageiros das linhas do Brasil aumentou 31% sobre 2009, totalizando cerca de 546 mil passageiros.

A queda de braço entre Tele­fónica e Portugal Telecom pela Vivo – maior operadora de telefonia celular do país – revela o "peso de ouro" que o Brasil passou a ter para as economias da Espanha e de Portugal. Num momento em que os dois países enfrentam dificuldades econômicas, o Brasil, em franco crescimento, tornou-se estratégico para sustentar os resultados não só desses grupos de telecomunicações, mas também da economia dos dois países.

Se não fosse assim, a Telefónica não estaria disposta a pagar mais de 100% de ágio para adquirir o controle total da Vivo, nem a Portugal Telecom estaria tão resistente em vender o ativo, usando inclusive o polêmico instrumento da golden share para impedir o domínio dos espanhóis na operadora brasileira – apesar de 74% dos acionistas terem votado a favor do grupo espanhol na assembleia realizada no último dia 30. Hoje as duas operadoras dividem o controle da Vivo.

Remessas

Dados do Banco Central (BC) revelam que a dificuldade econômica europeia tem sugado lucros de multinacionais instaladas no Brasil, para cobrir prejuízos das matrizes. E o centro desse fenômeno envolve, justamente, os países que estão se digladiando pela Vivo. Filiais brasileiras de companhias espanholas, por exemplo, aumentaram a remessa de lucros em 39% no último ano. Esse comportamento fez com que a Es­­panha ultrapassasse os Es­­tados Unidos, ficando em segundo lugar no ranking de países que mais recebem lucros do Brasil. De janeiro a maio, foi US$ 1,16 bilhão.

Em Portugal, a situação é semelhante: em todo o ano de 2009, o país ocupava a modesta posição de 16.º destino das transferências brasileiras. Em 2010, o volume cresceu 1.320%, para US$ 142 milhões entre janeiro e maio. Com isso, Portugal é o 11.º destino das remessas. "O Brasil já era importante para esses países. Mas o peso relativo cresceu muito porque a crise ainda está longe de ter solução e as matrizes dessas empresas estão em situação muito ruim", diz o professor da Fundação Getulio Vargas e analista da Tendências Consultoria, André Sacconato.

Inversão

Para a Portugal Telecom (PT), o Brasil já é mais importante que a própria operação portuguesa. No primeiro trimestre de 2010, o Brasil contribuiu com 51,7% das receitas globais da companhia. No mesmo período, a matriz respondeu por 45%. Um ano antes, a situação era inversa: 51% da receita foi gerada em Portugal e 45,8% no Brasil. Além da Vivo, a PT controla a Dedic, empresa de setor de call centers, no país.

Números tão expressivos são um bom argumento para o governo português tentar impedir, a qualquer custo, a venda da fatia na Vivo. É o que sustenta Julio Püshel, analista sênior da Informa Telecoms & Media. "O governo português tem um argumento forte: a Vivo representa mais de 50% do faturamento da Portugal Telecom. Apesar de os acionistas receberem muito dinheiro nesse primeiro momento, isso não significa um aumento de receita no longo prazo, pois a principal fonte vai secar", afirmou.

Oi

Por essa razão, se fortalecem a cada dia no mercado os rumores de que a PT estaria em negociações com a Oi. Assim, o grupo usaria o dinheiro da venda da Vivo para manter operações no Brasil e garantir lucros oriundos do país. Um fator que pesa contra esse negócio é a declaração polêmica do empresário brasileiro Carlos Jereissati em 2007, um dos controladores da Oi. Quando questionado sobre o interesse do grupo português em participar da supertele brasileira, ele afirmou que a PT "não tem musculatura" para entrar em uma grande empresa de telecomunicações. O empresário também afirmou que "se é para ter um sócio desnecessário, prefiro os anglo-saxões ou os franceses, para acrescentar charme à companhia".

Fontes do governo português sustentam que a Vivo e o Brasil têm uma importância afetiva para Portugal, fruto da colonização portuguesa. Representa também a luta histórica dos portugueses contra o domínio espanhol. Assim, abrir mão da Vivo seria reconhecer uma derrota.

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