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No início do mês, Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Paulo Guedes se reuniram para tratar dos preços dos combustíveis. Os três defenderam nesta semana discutir a privatização da Petrobras| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

A disparada de 39% no preço da gasolina em 12 meses acendeu o alerta do Palácio do Planalto, que passou a tratar a questão do preço dos combustíveis como prioritária nas últimas semanas. Depois de a Câmara dos Deputados aprovar, com apoio do governo, mudanças no cálculo do ICMS para reduzir o valor dos produtos nos postos, o presidente Jair Bolsonaro disse na quinta-feira (14), “ter vontade” de privatizar a Petrobras. Outras medidas, como a criação de um fundo para amortecer os reajustes dos derivados do petróleo, também estão em discussão no Legislativo.

Com impacto relevante sobre toda a economia, principalmente em razão dos custos do frete, o preço dos combustíveis tem também forte apelo eleitoral. Desde o início do ano, Bolsonaro tem tentado se desvincular da responsabilidade pela inflação dos combustíveis, atribuindo a culpa aos governos estaduais, responsáveis pela cobrança do ICMS sobre os produtos.

Em fevereiro, sob pressão de grupos de caminhoneiros, Bolsonaro partiu para cima do então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, anunciando sua substituição pelo general Joaquim Silva e Luna, então diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional.

Embora estivesse no fim de sua gestão, Castello Branco ainda poderia ser reconduzido ao cargo por mais dois anos. O movimento foi visto pelo mercado como uma interferência do chefe do Executivo na companhia, o que fez com que o valor da estatal na B3 caísse mais de 20% em um pregão.

Na sequência, o governo publicou decreto obrigando postos a exibirem a composição dos preços e os tributos que incidem sobre os combustíveis.

Em março, Bolsonaro editou decreto zerando as alíquotas de PIS e Cofins sobre o diesel por dois meses e sobre o GLP de forma permanente. Para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma medida provisória aumentou a CSLL sobre instituições financeiras, encerrou o Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e alterou regras do IPI para a compra de veículos por pessoas com deficiência.

Meses depois, o próprio presidente disse que a medida “não adiantou porra nenhuma”, durante um evento de entrega de terrenos rurais no Mato Grosso do Sul. Um único reajuste do óleo diesel “anulou” o impacto do corte dos tributos, que correspondem hoje a R$ 0,35 por litro do produto.

Preço do combustível é influenciado por cotação do barril de petróleo e pelo câmbio

Entre os principais fatores que tem levado à alta nos preços dos combustíveis estão o aumento na cotação do petróleo no mercado global, uma vez que a Petrobras adota o chamado preço de paridade internacional (PPI), e a desvalorização do real, já que esse valor de referência é precificado em dólar.

Para se ter uma ideia, o valor do barril brent fechou a quinta-feira (14) acima de US$ 83. Em abril de 2020, com a queda na demanda em razão da pandemia do novo coronavírus, a commodity chegou a ser cotada a US$ 23,34. E o dólar, que estava cotado a R$ 3,71 no início do governo Bolsonaro, fechou a quinta-feira a R$ 5,51, uma alta de 48,5%.

Embora a alíquota do ICMS não tenha sofrido alterações relevantes nos últimos anos, o tributo incide sob a forma de um porcentual do preço final. Assim, o valor nominal correspondente ao imposto estadual cresce proporcionalmente aos reajustes feitos pela Petrobras.

Presidente da Petrobras diz que ICMS é o que mais impacta no valor dos combustíveis

No dia 14 de setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), transformou o plenário da Casa em comissão geral para ouvir o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, a respeito do preço dos combustíveis. Em uma rede social, o deputado fez cobranças à empresa: “Tudo caro: gasolina, diesel, gás de cozinha. A Petrobras deve ser lembrada: os brasileiros são seus acionistas.”

Na audiência, no entanto, Silva e Luna repetiu o discurso de Bolsonaro de que o ICMS é o que mais impacta no valor cobrado dos consumidores nos postos. A fala do general foi criticada por deputados da oposição, que questionaram a política de composição de preços da Petrobras.

No fim de setembro, durante evento na cidade de Teotônio Vilela (AL), ao lado de Bolsonaro, Lira também incorporou o discurso do presidente de que seriam os estados os responsáveis pela alta no preço dos combustíveis. “Sabe o que é que faz o combustível ficar caro? São os impostos estaduais. Os governadores têm que se sensibilizar”, falou o parlamentar.

Após críticas de governadores, o deputado classificou o tributo como um “primo malvado” na formação do preço final dos combustíveis. “Nós nunca dissemos que é o ICMS que ‘starta’ o aumento do combustível. Para que isso fique claro.”

Câmara acelera alteração na cobrança de ICMS sobre combustíveis

O desgaste que o preço dos combustíveis tem causado fez com que a busca por uma maneira de conter as altas se tornasse urgente para o governo, que obteve o apoio do Legislativo no tema. O substitutivo ao projeto de lei complementar (PLP) 11/2020, que promove mudanças na base de cálculo do ICMS sobre combustíveis, entrou em pauta e foi aprovado na Câmara dos Deputados a toque de caixa.

Outras matérias importantes, como a PEC dos Precatórios e a criação do Auxílio Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família, acabaram ultrapassadas na fila de prioridades.

O projeto aprovado pelos deputados, que ainda precisa do aval do Senado e da sanção do presidente da República, prevê que o ICMS passe a ser cobrado na forma de um valor fixo por litro de gasolina, etanol e diesel, que será reajustado uma vez por ano. Na prática, o imposto fica invariável durante o ano frente às variações do preço do combustível ou de mudanças no câmbio.

Além disso, o cálculo desse valor leva em consideração a média dos preços dos combustíveis praticados ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores, e não pode exceder a alíquota aplicável em 31 de dezembro do último ano. Hoje, o cálculo é feito com base no chamado preço médio ponderado ao consumidor final (PMPF), levantado a cada 15 dias.

O efeito da mudança deve ser limitado. No relatório do projeto, o deputado Dr. Jeziel (PL-CE) argumenta que com a entrada em vigor das novas regras o preço final praticado ao consumidor deve cair, em média, 8% para a gasolina comum, 7% para o etanol hidratado e 3,7% para o diesel B.

No último dia 8, dias antes da votação, a Petrobras anunciou reajuste de 7,9% no preço da gasolina vendido às distribuidoras, acumulando alta de 31% em 2021. No fim de setembro, a estatal já havia elevado o valor médio do diesel em 8,89% (28% no ano).

Por outro lado, a medida deve gerar perda de arrecadação para estados e municípios. Estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) estima em R$ 24,1 bilhões a queda anual na receita dos entes federativos, sendo R$ 12,7 bilhões da gasolina, R$ 7,4 bilhões do diesel e R$ 4 bilhões do etanol.

Além disso, uma eventual queda futura no valor dos derivados de petróleo no mercado internacional poderia gerar efeito inverso: o ICMS continuaria a ser cobrado sobre uma base maior, deixando de refletir as reduções em curto prazo.

O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) criticou as alterações. A entidade defende que a solução para o problema passa por uma mudança na política de preços da Petrobras e pela reforma de todo o sistema tributário.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), prometeu “boa vontade” na apreciação do PLP 11/2020 na Casa. “Precisamos estabilizar o preço dos combustíveis, tornar o preço mais palatável para o desenvolvimento do país. Não tem como desenvolver o país com este preço. O Senado está muito aberto às boas propostas”, disse Pacheco.

Ele disse ainda que a Petrobras “precisa ter elementos para colaborar com um preço mais acessível”, lembrando que a empresa tem “uma função social”.

Deputados discutem outras medidas para conter alta de preços

Enquanto isso, a Câmara trabalha em outras frentes para atacar os preços. Nesta sexta-feira (15), a Comissão de Finanças e Tributação aprovou parecer sobre o PLP 10/2020, que impõe um limite às alíquotas do ICMS sobre combustíveis.

De acordo com o texto, o tributo incidirá, no máximo, em 20% para a gasolina, 10% para o diesel e 15% para o etanol. Caso entre em vigor juntamente com o PLP 11, este será o teto a ser considerado na definição do valor fixo do ICMS a partir de 2022. Hoje os estados têm autonomia para definir as alíquotas. No caso da gasolina, por exemplo, o tributo vai de 25% a 34%, dependendo da unidade federativa.

Outra proposta que está à mesa é a da criação do chamado Fundo de Estabilização dos Preços dos Derivados do Petróleo (FEPD), que seria abastecido por um imposto cobrado sobre a exportação do petróleo bruto. A ideia é que os recursos dessa reserva sejam utilizados para subsidiar o valor dos combustíveis, contendo as altas no curto prazo.

A alternativa consta do projeto de lei (PL) 750/2021, do deputado Nereu Crispim (PSL-RS) e que está em análise na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. Em uma audiência no colegiado, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) se manifestou contrariamente à ideia, que, segundo a entidade, afastaria investidores e contrariaria princípios de livre mercado e livre concorrência.

Representantes de caminhoneiros e o ex-consultor legislativo Paulo César Lima defenderam o modelo. Apesar disso, o relator Geninho Zuliani (DEM-SP) apresentou parecer preliminar pela rejeição do projeto.

Custo elevado de combustíveis reacende discussão sobre privatização da Petrobras

No dia seguinte à aprovação do PLP 11/2020, Bolsonaro disse, em entrevista à Rádio Novas da Paz, de Pernambuco, que o texto não é o ideal, mas parabenizou Lira por ter conseguido encaminhar a votação. E citou a possibilidade de privatizar a Petrobras como uma forma de conter os preços.

“É muito fácil: aumentou gasolina? Culpa do Bolsonaro. Eu já tenho vontade de privatizar a Petrobras. Tenho vontade. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. O que acontece? Eu não posso melhor direcionar o preço do combustível, mas quando aumenta, a culpa é minha”, disse.

Uma eventual venda do controle acionário da Petrobras, que tem capital aberto, mas tem a União como sócia majoritária, precisaria do aval do Congresso Nacional. O assunto já havia sido levantado por Lira em uma entrevista no dia anterior à CNN Rádio.

“Há uma política que tem que ser revista, porque hoje ela [Petrobras] não é pública nem privada completamente. Só escolhe os melhores caminhos para performar recursos e distribuir dividendos. Então não seria o caso de privatizar a Petrobras? É hora de discutir qual é a função da Petrobras no país. É distribuir dividendos?”, questionou.

A ideia de desestatizar a companhia petrolífera é defendida também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Em um evento promovido pela International Chamber of Commerce – Brasil (ICC-Brasil) há duas semanas, ele defendeu que a Petrobras “entrasse na fila” de vendas. “Qual o plano para os próximos dez anos? Continuar com as privatizações: Petrobras, Banco do Brasil, todo mundo entrando na fila, sendo vendido e isso sendo transformado em dividendos sociais”, afirmou.

Esta semana, em entrevista a jornalistas em Washington, nos Estados Unidos, Guedes voltou a falar sobre o assunto. “Quando o preço do combustível sobe, os mais frágeis estão com dificuldade, não estão? Que tal se eu vender um pouco de ações da Petrobras e der para eles esses recursos?”, sugeriu.

“Se a gente fizer um fundo, colocar lá umas ações da Petrobras, da Caixa Seguridade, de empresas estatais que a gente queira. Se não quiser privatizar, tudo bem, paga dividendos sociais. Agora, se quiser privatizar, aí sim, vende.”

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