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Dólar sobe acima das expectativas em 2020
Cotação do dólar subiu mais de 8% em 2020.| Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo

O dólar está muito alto? Vai subir ainda mais ou vai cair? Por que subiu tanto neste ano? A taxa atual de câmbio está fazendo com que exportadores lucrem muito e importadores percam dinheiro? Quem perde e quem ganha com a cotação atual da moeda norte-americana, acima de R$ 4,30? Essas são algumas das perguntas que muita gente tem feito nos últimos dias diante da escalada do dólar frente ao real.

No último dia 12, o ministro da Economia, Paulo Guedes, saiu em defesa do atual patamar da taxa de câmbio. E fez uma declaração que causou polêmica ao apontar o desincentivo ao turismo interno com o dólar baixo. "Todo mundo indo pra Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia. Uma festa danada. Peraí. Vai passear ali em Foz de Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, cheio de praia bonita. Vai pra Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que tá cheio de coisa bonita pra ver", afirmou ao acrescentar que a taxa de câmbio alta é “bom para todo mundo”.

No dia seguinte, 13, o presidente Jair Bolsonaro evitou comentar as declarações de Guedes, mas disse que a cotação da moeda norte-americana está alta. "Eu, como cidadão, [considero que] está um pouquinho alto, está um pouquinho alto o dólar", declarou o presidente.

As declarações de Bolsonaro e Guedes vieram depois de um período contínuo de queda do real diante do dólar. Só neste ano a alta da moeda norte-americana chegou a 8%. Saltou de R$ 4,02 no dia 2 de janeiro para R$ 4,35 nesta terça-feira (18), valor muito acima das projeções feitas por grande número de instituições financeiras. Essa escalada se dá em um cenário de inflação baixa – em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, ficou em 0,21%.

Nas falas de Guedes, além da defesa do dólar alto, há também sinalizações de que valorização da moeda norte-americana veio para ficar. Mas, afinal, o que levou à desvalorização do real e quais os efeitos para os diversos setores da economia diante da possibilidade de esse cenário permanecer nos próximos meses?

Juros e coronavírus

Nesta terça-feira (18), durante evento promovido pelo BTG, em São Paulo, o diretor de política econômica do Banco Central (BC), Fabio Kanczuk, não soube explicar o que está acontecendo com o dólar. “É difícil saber o que está acontecendo. A única razão mais clara é a mudança nos juros. O real deixou de ser uma moeda especulativa e agora é uma moeda de funding, que se compra para especular com outras moedas”, disse Kanczuk.

Diferentemente do diretor do Banco Central, Roberto Dumas, professor de Economia Internacional do Ibemec-SP, aponta vários fatores para o que está acontecendo com o dólar. "Um dos fatores que podem explicar essa alta é o diferencial de juros. O Brasil hoje está pagando menos juros que anteriormente. Então, chega um momento em que não é mais interessante ao investidor internacional dado o nosso nível de risco. E quando eles decidem tirar o dinheiro do Brasil eles vendem reais e compram dólar, por isso tem essa depreciação cambial. Mas não é só isso. O segundo fator é o coronavírus. Com a economia chinesa crescendo menos, significa que a entrada de dólares de exportação no Brasil será menor. E tem ainda um terceiro motivo, que também está relacionado ao coronavírus, que é a expectativa de menor crescimento da economia mundial como um todo", avalia.

Michael Viriato, professor de finanças do Insper, afirma que não existe nada de errado com o Brasil. “O negócio é que lá fora está muito melhor, ou seja, no relativo o Brasil está pior. Tem países que estão mais baratos, mais atrativos. A situação do Brasil está melhorando, mas não melhorou tão rápido quando se esperava”, diz.

Bom para quem?

A tese de que com a cotação atual só exportadores ganham e importadores perdem não é compartilhada por todos. “O ministro Paulo Guedes demonstra que não tem preocupação com o dólar alto porque está com a inflação controlada. Para nós, o dólar está muito alto. Para qualquer empresário, uma variação cambial como a que ocorreu neste ano, de 8% em pouco mais de um mês, machuca. Você não consegue mudar seus preços diariamente, então essa oscilação de curto prazo, tão agressiva como está ocorrendo, machuca muito”, diz Adilson Carvalhal Junior, presidente da Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (Abba).

Para Carvalhal, todo mundo foi pego de surpresa. “Você pega o relatório Focus, por exemplo, fala em câmbio a R$ 4,10 para este ano. Nós estávamos esperando um dólar entre R$ 4,10 e R$ 4,20, que seria um patamar aceitável. Mas a cotação atual está exagerada.”

Como atua tanto com empresas de exportação e também de importação, Carvalhal considera um pouco fora da realidade as avaliações de que o dólar alto favorece quem exporta em detrimento de quem importa. “Você tem uma série de insumos, de gastos, dívida no exterior, compra de equipamentos, que são cotados em dólar. É óbvio que o dólar muito barato é prejudicial ao exportador, mas a cotação muito alta, a médio prazo também pode trazer problemas”, diz.

Para o professor Roberto Dumas, alguns exportadores estão felizes e muitos importadores, infelizes. Do lado feliz ele cita quem exporta commodities, como carne, soja, minério de ferro. Do lado triste está quem trabalha com turismo para o exterior, quem importa trigo e, claro, aqueles que querem viajar para fora do país.

“É preciso olhar para a população. Uma depreciação cambial torna os produtos importados mais caros e tende a ter um impulso inflacionário”, observa ao acrescentar que a população tem que pagar mais por produtos como gasolina e pão, entre outros. Dumas frisa, no entanto, que em termos reais o câmbio não está tão alto se comparado com 2002. “Em termos nominais o dólar nunca esteve tão alto, é verdade, mas em termos reais, não. Se fosse ajustado pelo diferencial de inflação Brasil-EUA, o câmbio [de 2002] equivaleria a mais de R$ 7 atuais”, calcula.

De outro ponto de vista, o professor Michael Viriato diz que sempre vai haver perdedor e ganhador, mas defende que a alta do dólar neste momento pode ser benéfica para a economia do país.

“O efeito da desvalorização, neste momento, pode ser muito bom. A indústria brasileira fica mais competitiva, vários problemas que temos podem ser minimizados por que nossa moeda está desvalorizada. Se nós conseguirmos exportar mais, isso vai gerar mais emprego e aquecer a demanda interna. Vale lembrar que nós temos uma capacidade ociosa de produção hoje por falta de demanda interna”, avalia.

O que esperar do dólar?

"A tendência do câmbio, na minha avaliação, é depreciar um pouco mais. Isso porque existem dúvidas sobre as reformas administrativa e tributária. É um ano eleitoral e a partir do segundo semestre a tendência é parar tudo lá em Brasília. Nesse caso, o dólar deve subir ainda mais. Outro problema é que a expectativa para a economia mundial mudou, o cenário ficou mais nebuloso. O mundo está pior hoje do que estava no final do ano passado", prevê Dumas, sob o argumento de que, nesse cenário, os investidores tendem a retirar dinheiro de países com maior risco.

Adilson Carvalhal Junior, da Abba, não tem uma projeção para os próximos meses. “A gente esperava que a cotação ficasse entre R$ 4,10 e R$ 4,20, mas estamos no começo do ano e o câmbio está muito acima disso. Tem questões externas relacionadas ao coronavírus, que não sabemos as consequências. As incertezas aumentaram, mas existe também os planos de investimentos do governo, de venda de empresas. Isso pode proporcionar a entrada de um pouco mais de capital estrangeiro, o que ajudaria a segurar o dólar”, diz.

Segundo Viriato, do Insper, é muito difícil fazer previsões. “Tudo depende de condições externas, mas é muito difícil que o real se desvalorize mais do que está agora. Para que ocorra uma valorização do dólar ainda maior vai depender do ambiente global”, diz. Na opinião dele, é muito improvável que o dólar chegue a patamares muito superiores ao atual, como R$ 5. “Também é improvável que caia a R$ 1. Não existe conjuntura para isso”, observa.

Para Fabio Kanczuk, do BC, “o câmbio vai para onde tiver de ir. O BC só intervém para evitar problemas de funcionamento no mercado”.

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