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Os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Paulo Guedes (Economia): relação cordial, mas com divergências em questões estratégicas.
Os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Paulo Guedes (Economia): relação cordial, mas com divergências em questões estratégicas.| Foto: Anderson Riedel/PR

A nova lei do gás natural, em tramitação no Senado, é uma das prioridades dos ministérios da Economia e de Minas e Energia (MME) pelo potencial que tem de fomentar a indústria e baratear a energia. Só que as duas pastas, autoras do projeto, divergem sobre um importante ponto: garantir ou não demanda através da contratação do combustível por usinas termelétricas?

O texto foi enviado ao Congresso sem a garantia de demanda, o que pode ser visto como uma vitória da Economia, que conta com o apoio da indústria nacional. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados sem grandes modificações, como queria a equipe econômica, mas quando chegou ao Senado o impasse foi criado. Líderes avisaram ao governo que só votarão o texto se houver a garantia de demanda via térmicas, o que voltou a deixar o governo dividido.

Segundo o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), o Ministério de Minas e Energia concordou em usar a contratação de gás por térmicas para estimular a expansão da rede de gasodutos, em especial para o interior do país. A sugestão foi do senador Eduardo Braga (MDB-AM), ex-ministro de Minas e Energia. Eles acreditam que, sem essa garantia de demanda, não haverá interesse na iniciativa privada em levar os gasodutos para o interior, devido aos altos custos envolvidos. A garantia de demanda seria feita via decreto presidencial, para evitar modificações no projeto.

O Ministério da Economia é contra porque considera que o projeto por si só atrairá empresas para expandir a malha de gasodutos. Eles afirmam que obrigar usinas termelétricas a contratar o combustível, em contratos fechados, para expandir a rede configuraria subsídio cruzado e poderia encarecer a energia elétrica ao consumidor final. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem o mesmo posicionamento.

O MME, oficialmente, nega divergências com a equipe econômica sobre o projeto e a expansão da oferta de energia elétrica no país. Diz, ainda, que é a favor da aprovação integral do projeto, sem modificações. Porém, não informou se é ou não a favor do decreto de estímulo à demanda via térmicas.

Impasse na privatização da Eletrobras

O impasse técnico em torno da nova lei do gás natural não é o primeiro entre os dois ministérios. O projeto que prevê a privatização da Eletrobras também motivou divergências.

O MME não concordou em aproveitar o projeto do governo Temer e quis elaborar um plano do zero. Isso fez com que o texto só fosse enviado à Câmara em novembro de 2019, após quase onze meses de discussões internas. Na época, questionado sobre a demora, um interlocutor do MME disse à Gazeta do Povo que era normal que o novo governo quisesse se aprofundar sobre a questão e negou que houve demora no envio do projeto.

A demora se deu, entre outras coisas, porque o MME e a Economia discordavam sobre manutenção ou não de uma "golden share" com a União. A golden share é uma ação especial que dá à União o direito a veto a questões estratégicas, mesmo após a empresa ter sido privatizada. É o caso da Embraer, que foi privatizada na década de 1990: até hoje o governo pode barrar determinadas decisões da fabricante de aviões.

A Economia era contra a exigência, pois entende que ela reduziria o valor de mercado da Eletrobras. O MME era a favor, com o argumento de que o setor é estratégico e ações dessa classe são comuns nesse caso. No final, venceu a tese da Economia e o projeto foi encaminhando sem a golden share.

Só que, até o momento, a proposta não tramitou na Câmara dos Deputados. Para tentar destravar a votação, o governo voltou a negociar a inclusão de uma golden share. A sugestão foi do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que alertou o governo que reduziria as resistências principalmente em relação às bancadas do Norte e Nordeste, contrárias a venda da estatal. Houve um acordo preliminar entre o MME e o ME para incluir a ação no projeto, mas a votação acabou ficando para o ano que vem.

Impasse na privatização da PPSA

A possível privatização da PPSA – a estatal que gere os contratos de exploração dos campos do pré-sal e faz a comercialização do óleo-lucro que cabe à União – também vem opondo tecnicamente a equipe econômica e o MME.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, defende publicamente a venda da companhia para abater parte da dívida pública, enquanto o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) é contra a ideia e aceita somente estudar outras formas de comercializar o óleo-lucro da União.

Bento declarou a jornalistas que “não existe nenhum trabalho para privatizar a PPSA” e que “não se fala em privatizar a PPSA, porque não é uma empresa que possa ser privatizada, as atividades dela deverão ser sempre feitas pelo governo ou por órgão governamental”.

Guedes, por outro lado, afirma que a PPSA é uma das quatro grandes privatizações que queria anunciar ainda neste ano. As outras seriam as do Porto de Santos, dos Correios e da Eletrobras. As três estão em andamento, mas dependem da aprovação do Congresso.

A privatização da PPSA também depende do Legislativo, mas o governo ainda não enviou projeto ao Congresso. Segundo apurou a Gazeta do Povo, a equipe econômica ainda não desistiu de privatizar a estatal do pré-sal, e outras possibilidades estão sendo estudadas para reduzir as resistências no MME.

Uma delas seria abrir capital da empresa e oferecer ações na Bolsa. A ideia teria a simpatia do senador Eduardo Braga, líder do MDB (maior bloco da Casa) e que acaba exercendo forte influência no Congresso quando os assuntos são relacionados à pasta de Minas e Energia. Ele é quem normalmente fica com a relatoria dos projetos.

Divergências técnicas, não pessoais

Apesar das divergências técnicas sobe projetos importantes, os ministros Paulo Guedes e Bento Albuquerque mantém um relacionamento cordial nos bastidores. As pastas por eles chefiadas acabam tendo que atuar em parceria em diversos projetos, por isso o dialogo é constante entre os ministros e os técnicos. Os embates ficam no campo técnico, já que o MME tem um viés mais desenvolvimentista e a Economia, liberal.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) é presidido pelo ministro Bento, mas conta com a participação de Guedes. É o órgão responsável por aprovar formulação de políticas e diretrizes de energia. A nova lei do gás natural passou por crivo do CNPE.

O leilão da cessão onerosa, realizado no ano passado, também foi um trabalho em conjunto da Economia com Minas e Energia. Porém, o certame acabou sendo considerado um fracasso, com somente duas das quatro áreas sendo arrematadas.

Nesse caso, as duas pastas concordaram com o motivo para o fracasso: o regime de partilha para explorar áreas do pré-sal, que tem regras duras, além do ágio elevado pedido pelo governo.

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