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Huawei
Protagonista da guerra comercial entre China e EUA, a Huawei é motivo de pressão do governo Donald Trump sobre a gestão Jair Bolsonaro por causa do leilão do 5G, previsto para 2021.| Foto: AFP

Importantíssimo player mundial e segundo maior mercado global – nos calcanhares do número um –, a China ganhou em anos recentes um reforço no seu papel de antagonista dos EUA, em uma disputa geopolítica que provocou tensões para além dos dois países. A "guerra" tem como um dos seus protagonistas a gigante tecnológica Huawei e, nesta semana, teve novo capítulo que pode influenciar a relação entre Brasil e China.

Autoridades norte-americanas, em visita a Brasília, prometeram US$ 1 bilhão às teles brasileiras para que contratem outros fornecedores, como a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia. Antes, voltaram a afirmar que a Huawei representa risco para a soberania e a segurança nacional e uma ameaça para a cooperação entre Brasil e EUA.

O governo de Donald Trump defende que a Huawei teria ligações com a administração chinesa e seria responsável por espionagem, repassando informações sigilosas ao governo chinês. A empresa nega.

A oferta dos EUA dirigida ao Brasil aumenta com a aproximação do leilão do 5G no país, previsto para ocorrer em 2021, mas não é caso isolado. O governo norte-americano vem trabalhando junto a diversas nações na tentativa de tirar a Huawei do páreo nas tratativas para a implantação da quinta geração da internet móvel.

Na esteira da ação norte-americana para evitar o avanço da Huawei no território do 5G, alguns países já decidiram por deixar a empresa de fora, proibindo a chinesa de fornecer equipamentos para a nova tecnologia. Um deles foi a Austrália. Como consequência, a companhia retirou laboratórios e unidades do país, com o fechamento de postos de trabalho e fim de investimentos anteriores.

O que acontece se o Brasil barrar a Huawei?

A proximidade do presidente Jair Bolsonaro com o governo Trump gera preocupações de que ele possa decidir pela exclusão da Huawei do leilão brasileiro do 5G por afinidade com os EUA.

Segundo Nestor Forster, embaixador do Brasil em Washington, a decisão só sai no ano que vem e será tomada de modo a "atender ao interesse nacional". Em setembro, Bolsonaro chegou a afirmar que a escolherá pessoalmente os parâmetros para a adoção do 5G.

Esse possível cenário é criticado pelo economista Roberto Dumas, mestre em economia chinesa pela Fudan University, de Xangai. Para o especialista, é necessário um parecer técnico para a definição, de modo a preservar o melhor interesse do Brasil no caso.

"Não defendo a Huawei, defendo que todos participem do leilão, baseado em argumentos técnicos e legais, não como um processo de subserviência. Se é 'America first', é 'Brasil first'", afirma, parafraseando slogan de Donald Trump.

Dumas destaca o tamanho da fatia de exportações brasileiras que têm o país asiático como destino – 40% das commodities agrícolas – ao afirmar que o Brasil tem muito a perder numa eventual escolha por ficar ao lado de Trump por ideologia.

O especialista diz ter certeza de que o Brasil pode ser retaliado caso a Huawei seja escanteada pelo governo Bolsonaro. Segundo ele, a China não explicitaria a relação causa/consequência, mas poderia tornar a vida do Brasil “mais difícil” nas suas relações comerciais.

O cofundador e CEO da consultoria especializada Inovasia, André Inohara, por outro lado, não acredita que a China retaliaria o parceiro comercial.

"O Brasil é um importante mercado mundial. Aqui temos que modernizar nossa infraestrutura logística, o que inclui telecomunicações e rede de banda larga e o mundo sabe disso. Nenhum país que quer expandir seus mercados pode considerar não estar aqui. Somos o quarto maior país usuário de internet, temos 134 milhões de usuários", pondera.

Essa percepção, entretanto, não descarta outros riscos. "O que vai acontecer é uma percepção, para o empresariado chinês, de que o Brasil é um mercado importante, mas difícil de entrar. E ele vai buscar oportunidades de investir em outros países com ambiente de negócios mais favorável. É o que ela [a China] está fazendo na África e outros países da América do Sul, como a Colômbia. Então os recursos chineses que poderiam vir para cá vão para outros lugares", conclui.

Neste cenário, mesmo que o Brasil não saia perdendo no que diz respeito aos negócios já firmados, pode fechar portas para outros acordos e a prospecção de investimentos para o desenvolvimento de áreas e tecnologias nas quais o país não tem tradição – encarecendo o acesso e esticando a demora até sua disponibilidade para a população, com prejuízo para o consumidor e a indústria.

"Nós temos que lembrar a importância crescente da China no mercado, em apresentar soluções disruptivas e desenvolvimento de novas tecnologias, seja em meios de pagamento, seja em e-commerce, por exemplo, que são as áreas mais evidentes. E hoje você tem novas soluções de healthech, telemedicina, diagnóstico por inteligência artificial que se desenvolveram muito por causa da pandemia. Teremos dificuldade em obter tecnologias de última geração, como o próprio 5G, no qual a China está muito adiantada. Nesse caso, tempo é dinheiro", arremata Inohara.

A tecnologia da Huawei é largamente utilizada pelas operadoras brasileiras no 4G, e elas esperam poder manter a rede existente como atalho para expandir para o 5G. Uma proibição obrigaria a substituição de equipamentos e poderia, então, aumentar a conta da quinta geração de telefonia móvel por aqui, conforme destacou o presidente da companhia chinesa no Brasil, Sun Baocheng, em entrevista à "Folha de S.Paulo".

O que uma eventual retaliação causaria à relação Brasil-China?

Uma escolha entre China e Estados Unidos poderia deixar o Brasil suscetível a reações. Supondo que o governo federal de fato opte por impedir a participação da Huawei, uma reação chinesa teria potencial para colocar em risco uma relação positiva.

O Conselho Empresarial Brasil-China observa que o país asiático é um dos poucos para os quais as exportações brasileiras cresceram durante a pandemia.

"No período de janeiro a setembro, as vendas do Brasil à China tiveram alta de 14%, enquanto as exportações totais (incluindo China e todos os demais destinos) recuaram 7,7%. Como resultado, a participação da China nos embarques nacionais subiu de 27,6%, nos nove primeiros meses de 2019, para 34,1% em igual período de 2020", destaca a embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, Presidente do CEBC.

Sobre a disputa em si, o embaixador pontua que "certamente os que forem preteridos numa eventual escolha brasileira podem ter a tentação de adotar medidas retaliatórias" contra o Brasil. "No caso da China, que é hoje o nosso mais importante parceiro comercial e grande investidor em setores importantes de nossa economia, a imposição de medidas retaliatórias poderiam ter consequências muito mais danosas para a economia brasileira do que eventuais sanções impostas por outros países", avalia Castro Neves.

O segmento brasileiro com potencial de prejuízo é o agronegócio, que ocupa no topo da lista de produtos mais exportados para a China. Aqui entram commodities como soja e açúcar, que poderiam encontrar competidores caso os chineses decidissem colocar o Brasil em segundo plano e comprar de outros países, como nossos vizinhos Paraguai e Argentina.

Sobre os riscos de se dispensar a China, Inohara avalia que o governo atual não está levando em conta o fato de que uma relação entre países é sempre de longo prazo e não se limita à relação de governos. "Governos têm mandato, prazo de validade, seja aqui, seja na China. Vai ter troca de poder em algum momento, mas a relação comercial fica. Temos que manter canais abertos nas empresas e nos governos. Buscar uma relação comercial pragmática", diz.

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